Acórdão nº 1274/15.8T8FAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - AA e BB, casados entre si, instauraram ação declarativa, sob a forma do processo comum, contra: 1ª - CCe 2ª - DD, Ldª, pedindo o reconhecimento do seu direito legal de preferência na aquisição por parte da 2ª R. à 1ª R. do prédio urbano sito na R. ........, freguesia e concelho de Olhão, substituindo-se à 2ª R. compradora, sendo esta condenada a proceder à respetiva entrega.

Alegaram que, na constância do casamento dos AA., celebrado em 3-9-77, sem convenção antenupcial, o A. marido outorgou contrato de trespasse do estabelecimento comercial de papelaria instalado no r/c do identificado prédio que era propriedade da 1ª R., negócio por via do qual lhe foi transmitida a posição de arrendatário dessa parte do imóvel.

Os AA. tomaram conhecimento, em 17-11-14, na sequência de receção de uma carta que lhes foi enviada pela 2ª R., que esta havia adquirido o prédio onde o locado se integra, sendo certo que nenhuma das RR. deu a conhecer aos AA., por qualquer forma, a venda projetada - preço, data, hora e local da outorga da escritura ou outro título de formalização, identificação do comprador, termos e condições do pagamento -, elementos de que apenas vieram a ter conhecimento aquando da obtenção da certidão da escritura pública de compra e venda, em 13-4-15.

Mais alegaram ter recebido da 2ª R., em 30-3-15, uma carta a comunicar a denúncia do contrato de arrendamento e a solicitar a entrega da parte arrendada até ao dia 5-10-15.

A 1ª R. invocou a exceção da caducidade do direito dos AA., alegando ter-lhes dado a conhecer a intenção de venda e os elementos da mesma, em Abril de 2014, tendo-lhes ainda comunicado, já após a realização da hasta pública que foi amplamente publicitada, que o prédio havia sido vendido à 2ª R., com revelação de todos os elementos, nomeadamente do preço final da adjudicação.

Tal comunicação teve lugar no dia 29-7-14 e os AA. nada disseram, sendo certo que a escritura pública de formalização do negócio só veio a ser celebrada em 10-11-14, nas condições há muito conhecidas dos demandantes.

Por isso considera que caducou o direito de preferência que pretendem exercer, quer por nada terem dito no prazo de resposta, quer por terem instaurado a ação para lá do prazo de 6 meses após terem tido conhecimento dos elementos essenciais da venda.

Também a R. DD, Ldª, invocou a exceção da caducidade do direito dos AA., considerando a modalidade de venda, sujeita ao regime constante do DL nº 280/07, de 7-8, tendo ainda invocado a exceção de renúncia ao exercício de direito de preferência e o abuso de direito, para além da falta de depósito do preço dentro do prazo legal.

Deduziu esta 2ª R. contra os AA. pedido reconvencional de condenação no pagamento da quantia de € 85.734,25 ou, sendo a ação julgada improcedente, no montante de € 220.754,75, a título de reparação dos lucros cessantes.

Os AA. responderam à matéria das exceções, alegando que a pretensa comunicação da arrematação não significou a convocação para exercer o direito de preferência legal, nem deu a conhecer todas as cláusulas do negócio, conforme exigido por lei, para habilitar ao exercício do direito.

Ademais alegaram que nas atribuições da 1ª R. CCnão se inclui a possibilidade de promover vendas em hasta pública, termo impropriamente utilizado, não tendo aplicação o DL nº 280/07, de 7-8, citado pela 2ª R. De todo o modo, a entender-se diversamente, a venda seria nula por inobservância das formalidades ali prescritas.

Acrescentaram que o prazo de caducidade previsto no art. 1410º do CC se conta a partir da alienação, coincidindo com a data da celebração da escritura pública que formalizou o negócio, de modo que a ação foi tempestivamente instaurada. Concluíram ainda pela improcedência da reconvenção.

No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção perentória de falta de depósito do preço. As demais exceções foram relegadas para a decisão final.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual, depois de se reconhecer que os AA. eram titulares do direito de preferência, foi julgada procedente a exceção da caducidade desse direito, absolvendo as RR. dos pedidos, e declarou prejudicado o conhecimento do primeiro pedido reconvencional e improcedente o segundo. Condenou os AA. como litigantes de má-fé no pagamento de uma multa no valor de 5 UCs e indemnização a favor da 2ª R., a fixar após audição das partes.

Os AA. apelaram e a 2ª R. apelou subordinadamente na parte em que foi julgado improcedente o pedido reconvencional A Relação proferiu acórdão em que julgou: a) Procedente o recurso principal interposto pelos AA., reconhecendo-lhes a persistência do direito a preferirem na venda que a R. CC fez à R. DD, Ldª, tendo por objeto o prédio urbano sito na Rua ...., nº ...... em Olhão, inscrito na matriz sob o art. 2864 e descrito na CRP de Olhão com o nº 0000, substituindo-se à compradora que foi condenada a proceder à respetiva entrega, e absolveu os AA. da condenação como litigantes de má-fé; b) Improcedente o recurso subordinado interposto pela R DD, Ldª, julgando improcedente o pedido reconvencional formulado em 1º lugar.

Ambas as RR. interpuseram recurso de revista.

No recurso de revista interposto pela 2ª R. DD, Ldª, são suscitadas as seguintes questões: a) Apreciação da legalidade da modificação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos 26. e 27. (da sentença), por não ter sido atendido o depoimento de uma testemunha, devendo manter-se a redação do ponto 26. que foi fixada pela 1ª instância; b) Inexistência do direito de preferência pelo facto de o arrendamento comercial incidir sobre parte não autónoma de prédio urbano, o que foi clarificado pela recente Lei nº 64/18, de 29-10, que alterou o art. 1091º do CC; c) Tal questão constitui matéria de direito, de modo que o facto de estar provada a qualidade de arrendatários não conduz a que lhes seja reconhecido o direito de preferência, questão que deveria ter sido apreciada pela Relação e que está ao alcance do Supremo; d) A falta de comunicação aos AA. para exercerem o direito de preferência mostra-se irrelevante, já que os AA. nem sequer invocaram esse facto na petição, nem foi pela falta de comunicação que deixaram de comparecer na hasta pública que foi realizada, de modo que não poderiam os AA. suscitar essa questão depois do julgamento, impossibilitando uma tomada de posição da recorrente nos articulados e inviabilizando a produção de prova designadamente para efeitos de integração do abuso de direito; e) De todo o modo a comunicação do projeto de venda e condições foi feita aos AA. pela 1ª R., mediante a entrega de cópia do edital e das condições de venda separadamente a cada um dos AA.; f) As omissões apontadas a este respeito pela Relação são totalmente irrelevantes, já que os próprios AA. alegaram que estavam convencidos de que nada sucederia ao seu contrato de arrendamento, apesar da anunciada venda; g) Os AA. souberam da intenção de venda em Abril de 2014 e das condições de venda que, atenta a modalidade, impossibilitavam a prévia indicação do comprador e do preço final, e apenas vieram reagir em Maio de 2015 com a instauração da presente ação; h) Mesmo depois de saberem o preço da compra e venda e a identidade do comprador que lhes foi comunicada pelas RR., os AA. não manifestaram nenhuma reação e continuaram a pagar as rendas, o que revela que nem o preço nem a identidade do comprador era relevante para si e que os AA. não queriam comprar o prédio ou preferir na compra; i) Não faz sentido separar o que era do conhecimento de cada um dos AA. que são casados entre e si e vivem na mesma casa; j) Os AA. não estavam interessados em adquirir o prédio pelo preço mínimo, pelo que também se pode afirmar que não estavam interessado na aquisição por preço superior que veio a se obtido na venda efetuada; k) A identificação da adquirente foi indiferente para os AA., tanto mais que a A. felicitou a 2ª R. e passou a pagar-lhe a renda, sendo que a identificação do terceiro só terá de ser feita se tal contribuir para a formação da vontade do preferente; l) A 1ª R. comunicou a cada um dos AA. quer o projeto de venda quer as cláusulas do contrato, entregando-lhes o processo de venda do prédio em causa para que o disponibilizassem a eventuais interessados na compra, como sucedeu com a 2ª R.; m) O edital a anunciar o ato de venda foi afixado pelo menos 10 dias antes da sua realização, o que permitia aos AA. exercer a preferência em prazo superior aos 8 dias previstos no art. 416º do CC; n) Os AA. nunca comunicaram que tinham a intenção de preferir na venda, o que deveriam ter feito até ao encerramento da hasta pública, pelo que caducou o direito de preferência; o) É desajustado entender que a venda dos autos devesse obedecer às disposições legais sobre a venda judicial; p) De todo o modo a 1ª R. entregou aos AA. a documentação relativa à venda do prédio, o que satisfaz a exigência do art. 819º do CPC sobre a notificação dos preferentes; além disso, os AA. não invocaram na petição nulidade por falta de notificação para a preferência; q) Os AA. apenas não preferiram porque não quiseram, e não por ter existido qualquer falta ligada à comunicação do projeto de venda ou de outros elementos do negócio, devendo considerar-se caducado o direito de preferência por não ter sido exercido no ato de venda que foi realizado; r) A interposição da presente ação no contexto que rodeou a venda do imóvel e a atuação dos AA. constitui manifestação de abuso de direito; s) Condenação dos AA. como litigantes de má fé.

Pelos AA. foram apresentadas contra-alegações onde referiram que não pode ser suscitada a questão da inexistência do direito de preferência, o qual foi reconhecido na sentença da 1ª instância, sem que tenha sido objeto de impugnação, nem sequer através da ampliação do objeto do recurso de apelação No recurso de revista interposto pela 1ª R. Santa Casa de ...... são suscitadas as seguintes questões: A) O A. manifestou no seu depoimento que teve conhecimento da intenção da...

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