Acórdão nº 291/17.8JAAVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, n.º 291/17.8JAAVR, do Juízo Central Criminal de ..., da Comarca de ..., por acórdão proferido a 13 de Julho de 2018, foi o arguido JAA, nascido a ...-1972: A - Absolvido da prática de 1 (um) crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alínea b), do Código Penal, B - Condenado na pena única de 21 (vinte e um) anos de prisão, em cúmulo jurídico englobando as seguintes penas parcelares:  18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131° e 132º, n.

os 1 e 2, alínea c), do Código Penal;  5 (cinco) anos de prisão pela prática de um crime de violação, previsto e punível pelo artigo 264.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal;  2 (dois) anos de prisão pela prática de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal;  9 (nove) meses de prisão pela prática de um crime de profanação de cadáver, previsto e punível pelo artigo. 254.º, n.º 1, alínea a), do Cód. Penal.

Foi ainda condenado a pagar ao assistente/demandante BB, com os demais sinais dos autos, a quantia de € 52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora desde a notificação e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% ou outra que venha a vigorar em cada momento, a título de indemnização de danos não patrimoniais.

  1. Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 15 de Novembro de 2018, lhe negou provimento, mantendo nos precisos termos a decisão recorrida, sem prejuízo do lapso material detectado no acórdão do Tribunal Colectivo.

  2. Novamente inconformado, interpõe o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem[1]: «CONCLUSÕES: 1. O presente recurso tem como objecto o douto acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a douta decisão do Tribunal a quo, no que refere à condenação do ora recorrente quanto ao crime de homicídio qualificado, na pena parcelar de 18 (dezoito) anos e 6 (meses) de prisão e da pena única de 21 (vinte e um) anos de prisão.

  3. O recorrente não se conforma com a decisão do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferida em 15 de Novembro de 2018, quanto à condenação pelo crime de homicídio e bem assim da medida da pena única, já que relativamente a esta última aquele Tribunal nem sequer se pronunciou, quando foi elencada pelo recorrente como um das vertentes do seu recurso.

  4. Entende o arguido, ora recorrente, que face à factualidade dada como provada em juízo e subsumida ao Direito aplicável, a medida da pena parcelar quanto ao crime de homicídio e da pena única aplicada revelam-se excessivas e desproporcionadas.

  5. Com efeito, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido fez errada interpretação e violou o disposto nos artigos 40.°, 71.°, 72.°, 73º e 132.°, nº 1 e 2, als. c) do Código Penal.

  6. No que se refere ao crime de homicídio, mesmo que não se entenda haver uma imputabilidade diminuída do arguido, que permitisse a desqualificação do referido crime, previsto e punido no artigo 132º do CP, sempre haverá que considerar que a Oligofrenia ligeira de que o arguido padece, associada a um QI = 66, que revela uma incapacidade mental ligeira, determinará uma atenuação especial da pena.

  7. Ora, atendendo que a Oligofrenia é uma deficiência mental, cujo termo provém do idioma grego e significa “pouca inteligência”, é neste enquadramento que deverá ser apreciada a culpa do arguido e ponderada a pena a aplicar, segundo circunstâncias especialmente atenuantes, como seja a sua deficiência mental.

  8. A diminuição da capacidade do arguido se determinar de harmonia com a norma, resultante de padecer de Oligofrenia ligeira e poder ter agido sob o efeito do álcool, dado a provada dependência de bebidas alcoólicas por parte do arguido deveria ser determinante para a atenuação da culpa.

  9. Resultou provado que o arguido não consegue organizar e conduzir a sua vida em conformidade com os padrões comportamentais socialmente aceites, o que ficará a dever-se à patologia de que padece, o que revelador de um comportamento desviante face ao comportamento de um bom pai de família.

  10. Também a falta de apoio familiar, falta de habitação, falta de emprego, a separação marital, vivendo como sem-abrigo, tudo isto, associado ao alcoolismo, contribuíram para uma anulação parcial da consciência e da liberdade de decisão do arguido.

    10. Ora, o alcoolismo é susceptível de atenuar o juízo de censura pelo facto concreto, diminuindo a culpa do agente, pelo que, esta circunstância, deveria ter sido considerada pelo Douto Tribunal a quo.

  11. Todos estes factores, associados à patologia – Oligofrenia ligeira – de que o ora recorrente padece, obviamente, que este viu diminuídas as suas capacidades de autodeterminação, devendo por isso a pena a aplicar àquele, ser objecto de especial atenuação, o que não foi considerado pelo douto Acórdão do Tribunal Colectivo.

  12. No que diz respeito, à medida da pena única, de referir ainda que o Tribunal Recorrido violou o disposto nos artigos 40° e 71° do Código Penal, porquanto aplicou pena superior à medida da culpa, não valorizando as atenuantes fornecidas pelo caso concreto e tendo em conta a matéria de facto dada como provada.

  13. Na fixação da medida da pena é necessário ter em conta a prevenção, a culpa e as circunstâncias em que ocorreram os factos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, cfr. artigo 71º do Código Penal.

  14. As exigências de prevenção geral não se fazem sentir com particular acuidade neste domínio. Felizmente, em Portugal, os assassinatos não ocorrem com tanta frequência que permitam qualificar tal fenómeno como um verdadeiro flagelo, que importa estancar pela aplicação de penas mais severas, como sucede com o tráfico de estupefacientes, os abusos sexuais, a corrupção, que se tendem a banalizar.

  15. Deste modo, as necessidades de prevenção geral não justificam que o limite mínimo vá muito para além daquele que é prescrito pela moldura abstracta: 12 anos de prisão.

  16. No que se refere à prevenção especial, é de referir que, nos crimes pelos quais, o arguido foi condenado – condução sem habilitação legal e violência doméstica – existe um espaçamento temporal entre os mesmos o que revela uma aceitação e respeito pelo direito e pela ordem jurídica, quando confrontado com o sistema judicial, mediando sempre entre cada condenação do arguido um período de tempo igual ou superior a dois anos entre a prática dos factos, com comportamentos inevitavelmente condicionados por hábitos de consumo de álcool e por deficiência mental, caracterizada por Oligofrenia ligeira.

  17. O arguido não é um indivíduo, na sua essência, com personalidade delituosa, já que os crimes que praticou anteriormente, principalmente os de maior gravidade foram contra as suas companheiras num quadro de alcoolismo e de uma patologia que sempre funcionará como atenuante da sua conduta.

  18. O arguido não tem uma tendência inata para o crime, cometeu crimes, mas sempre num quadro de alcoolismo e cuja dependência alcoólica não poderá ser afastada, terá relação causal com a prática dos crimes, sendo certo que, pelo menos em algumas ocasiões, os ilícitos cometidos pelo arguido foram praticados no referido estado, num contexto de uma vida desestruturada e de grande instabilidade aos mais variados níveis, designadamente familiar, económica, profissional e afectiva que caracterizou todo o percurso pessoal da vida do arguido.

  19. Na determinação da pena a aplicar ao ora recorrente, quanto ao crime de homicídio praticado contra a infeliz vítima, sempre haveriam de considerar-se todas as circunstâncias atenuantes, como são as características da personalidade do ora recorrente, que resultam da factualidade provada relativamente às suas condições pessoais.

  20. Na determinação da pena, não teve o Tribunal a quo em consideração o arrependimento do ora recorrente, relativamente aos factos praticados, o qual foi manifestado por este, quer nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento, gravação efectuada digitalmente na aplicação Habilus, das 10.12 às 12.20, acta da audiência final de 09 de Abril de 2018, gravado ao minuto 1:07:50 a 1:07:55, volta 20180409101248_3756757_2870427, quando refere “Eu não queria que isso acontecesse. Estou arrependido daquilo que fiz”, quer conforme consta do Exame Médico-Legal ao arguido, elaborado pela Dr.ª CC, junto aos autos a 22 de Junho de 2018, a fls. 1280 a 1282, onde consta, na discussão e conclusão, por referência ao ora recorrente “Mostra-se arrependido do acto e tem tido pesadelos com esse tema”.

  21. O douto Tribunal Colectivo considerou que o ora recorrente “prestou declarações assumindo parte dos factos que se lhe imputam”, sem levar em consideração o arrependimento demostrado pelo arguido, e a respectiva interiorização da culpa, como atenuante da medida da pena a aplicar.

  22. A pena aplicada ao arguido pelo crime de homicídio mostra-se superior àquela que a Lei determina ao ultrapassar a medida da culpa do arguido (artigo 40°, n° 2 do Código Penal), ao considerar exigências de prevenção geral e especial que não existem e ao não ter ponderado devidamente as circunstâncias previstas no artigo 71°, n° 2 do Código Penal, nomeadamente, ao não ter na devida conta a personalidade do arguido, o bom comportamento posterior, o arrependimento e a assunção espontânea dos factos.

  23. Ora, ponderadas todas as circunstâncias atenuantes e ainda verificada a atenuação especial da pena, prevista nos artigos 72º e 73º do Código Penal, que implicam uma redução do limite máximo da pena, sempre a medida da pena adequada a aplicar ao ora recorrente, pela prática do crime de homicídio, não...

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