Acórdão nº 6926/15.0T8FNC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelFERREIRA PINTO
Data da Resolução05 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 6926/15.0T8FNC.L1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1] Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório[2]: 1) AA, patrocinado pelos serviços jurídicos do seu Sindicato, através da apresentação, em 03 de dezembro de 2015, no Tribunal Judicial da Comarca da ..., Juízo do Trabalho, do requerimento em formulário próprio a que aludem os artigos 387º, n.º 2, do Código do Trabalho [doravante CT] e 98º-C e 98º-D, estes do Código de Processo do Trabalho [doravante CPT], iniciou esta ação, com processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do seu despedimento, efetuado pela Empregadora “BB, S. A.” 2) Foi efetuada audiência de partes tendo-se frustrado a conciliação.

3) Notificada, a Empregadora apresentou o articulado de motivação do despedimento, no qual alega, em suma, que o Trabalhador ao exercer por conta própria serviços de vigilância, em concorrência com ela, que tem idêntica atividade de vigilância, violou a boa-fé exigida, e o dever de lealdade a que estava obrigado, ficando assim abalada a confiança que depositava no Trabalhador.

Mais alega que se opõe a qualquer reintegração que venha a ser decretada, porque a atuação do Trabalhador não se enquadra nem é própria de uma empresa de segurança privada, pondo em risco a imagem da Empregadora, e os contratos que existem com terceiros, por poderem associar a “CC” à prestação de serviços ilegais e desconformes aos requisitos legais.

Concluiu, pedindo que o despedimento seja declarado lícito.

4) O Trabalhador respondeu, sustentando, em síntese, que a Empregadora invocava que, sendo a sua página do “Facebook” de livre acesso, ou seja, pública, podia utilizar os dados que nela constavam contra ele, Trabalhador.

Alega que não é verdade o que ela invocou, e desde logo, porque das 13 alíneas que consta no artigo 10º, do seu articulado, onze delas referem-se a participações partidárias, e quanto a esta matéria, o artigo 16º do CT é claro, no sentido de que é vedado à Empregadora divulgar aspetos da sua esfera íntima, ou seja, da intimidade da sua vida privada, nomeadamente no que toca às suas convicções políticas.

Assim, tratando-se de provas ilicitamente obtidas, as mesmas não podem ser atendíveis na apreciação da justa causa que lhe é imputada para o seu despedimento.

Mesmo que assim não se entendesse, o certo é que as ditas imagens nada provam quanto ao sustentado pela sua Empregadora, pois o por si alegado não passava “de mera gabarolice”.

Aduz, ainda, que é falso, que tivesse assumido qualquer específica e concreta responsabilidade pela segurança pessoal de qualquer dirigente político.

Acresce que a proteção constitui um serviço diferente da normal atividade das empresas de segurança, as quais não detêm alvará para essa atividade, e consequentemente não prestam serviços na área da "proteção pessoal".

Por isso, mesmo que ele, hipoteticamente, exercesse atividades de proteção pessoal não poderia fazer concorrência à Empregadora, nesse âmbito.

Como qualquer cidadão normal, deu a sua colaboração a eventos políticos e sociais, que não necessitam de formação específica, não recebendo qualquer retribuição por essa colaboração.

Refere, também, que no documento junto pela Empregadora, com o nº 33, ao seu lado figuram colegas seus em igualdade de condições, e que se saiba, não foram objeto de procedimento disciplinar.

Conclui, pedindo seja reconhecida a ilicitude do despedimento, com a consequente reintegração e o pagamento dos salários vencidos e vincendos.

Realizado o julgamento, por sentença de 21 de fevereiro de 2018, foi a ação julgada procedente, por provada e, consequentemente, foi: 1. “Declarada a ilicitude do despedimento do Autor promovido pela Ré, por inexistência de justa causa.

  1. Condenada a Ré a reintegrar o Autor, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade.

  2. Condenada a Ré a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento (3.12.2015) durante o prazo subsequente de 12 meses.

  3. Condenada a Segurança Social da área de residência do trabalhador a pagar ao Autor as retribuições que se venceram após o decurso do prazo de 12 dias contados desde 3.12.2015, a efetuar até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, nos termos do art.º 98º, nº 3 do Código do Processo do Trabalho[3], sem prejuízo das importâncias referidas no n.º 2, do art.º 390º do CPT, por força do n.º 2, do art.º 980º do Código de Processo Civil[4].” II Inconformada com esta decisão, ficou a Empregadora “CC” que dela interpôs recurso de apelação, impugnando-a quer de facto quer de direito.

    Por acórdão de 26 de setembro de 2018, julgou-se procedente, por provado, o recurso interposto por “CC – …, S, A.” e, em consequência: a) – Aditou-se à matéria de facto o seguinte: ü “Nas datas e locais referidos em 1.5. a 1.16. o Autor prestou serviços de proteção e segurança, como segurança privado”.

    b) – Revogou-se a sentença recorrida, considerando ser lícito o despedimento do Trabalhador, e absolvendo a Empregadora de todos os pedidos contra si formulados.

    IV Inconformado ficou, agora, o Trabalhador que interpôs recurso de revista e arguiu a nulidade do acórdão recorrido, nos seguintes termos: 1) Das nulidades: “Considera-se ser indiscutível que o Juiz não pode decidir contra factos que resultem expressa e especificadamente da lei.

    Nem pode utilizar qualificativos legais que não tenham correspondência com o respetivo texto.

    "Serviços de proteção e segurança", bem como "segurança privada" embora possam fazer parte da linguagem corrente (o que nem sequer será totalmente exato), constituem termos legalmente utilizados e a que correspondem conceitos rigorosamente definidos pelo julgador.

    E o mesmo se poderia dizer da expressão, "prestar serviços de proteção e segurança".

    Sucede porém que, quer os termos, quer os conceitos, não obedecem aos critérios definidos pelo legislador.

    Correndo o assumido risco de se ser repetitivo, não se pode deixar de realçar que a atividade de segurança privada se desdobra em várias modalidades para cada uma das quais a empresa deve possuir específicas condições tituladas por algum dos alvarás previstos no art.º 14.º, e, por outro lado, os respetivos trabalhadores apenas exercem, "exclusivamente", uma das atividades definidas pelos artigos 17º e 1º da mesma lei.

    ***** Por outro lado, o Acórdão recorrido consagrou que o A., no momento dos factos em causa adotava uma "postura corporal e facial (sic) própria das assumidas pelos seguranças privados".

    Assim como considerou que o suposto vestuário que imputa ao A. corresponde à farda dos "seguranças privados", pois só assim se perceberá que tendo chegado à conclusão respeitante à sua "postura corporal".

    Atendendo a que as mesmas não constam da matéria de facto que foi considerada como provada, é patente a nulidade da sua inclusão.

    Mas, mesmo que assim não se entendesse, continuaria a verificar-se a mesma nulidade.

    Com efeito, e conforme resulta do art.º 28.º da já referida lei, não existe um tipo de fardamento para a atividade do "segurança privado", mas vários, aos quais corresponderá seguramente uma variada "postura" (o que quer que isso seja...) Mas, há mais...

    No caso dos autos e seguindo a teoria da R., os comentários que o A. divulgou no seu “facebook” apenas seriam redutíveis à atividade de proteção e acompanhamento pessoal prevista no art.18º, n.º 4.

    Ora, e tal como se acha estabelecido no art.º 28.º, os profissionais que exercem essa atividade não usam qualquer fardamento.

    E, pelas razões de ser da própria atividade que exercem, não podem (ou não devem, o que é o mesmo) adotar "posturas" que os distingam das demais pessoas com que contactem.

    Face ao exposto era processualmente inadmissível e legal e materialmente impossível a consideração da "postura" do A. como traduzindo o facto de que o A., nos dias e locais em causa, aí se encontrava como sendo um "segurança privado".

    Aliás, a R., na sua apelação, pretendeu que fosse consagrado que o A. tinha desempenhado tarefas de "controlo de acessos, guarda pessoal de personalidades importantes, controlo de entradas, figurando sempre vestido de preto..." O Acórdão recorrido, muito naturalmente e sem necessidade de grandes explanações, decidiu que, "trata-se de factos que não foram alegados no seu articulado e não foi acionado o disposto no art.º 72.º, n.º 1, do CPT, pelo que não poderão ser, nesta fase, acrescentados".

    E, muito corretamente tomou tal decisão.

    Porém, tendo-se recusado a apreciar da existência de todos e qualquer um dos factos que poderiam levar à conclusão de que o A. exercia atividades de segurança privado, o mesmo Venerando Tribunal veio a consagrar exatamente uma conclusão quanto àquilo que antes tinha negado.” Em conclusão:

    1. Tendo o Tribunal conhecido de "factos" que não podia conhecer e sobre os quais assentou todo o seu raciocínio, é nulo o Acórdão em causa, por violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

    2. E não admitindo a existência de qualquer prova quanto às atividades que alegadamente teriam sido desenvolvidas pelo A. e dado que veio a consagrar uma conclusão totalmente oposta, incorreu na contradição prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código, que constitui igual causa de nulidade.

      ***** 2) - Do recurso propriamente dito: O Trabalhador motivou o seu recurso, concluindo a sua alegação com as seguintes conclusões: 1) É inadmissível a consagração do "facto", ou, serão "factos" (?) que foi inovatoriamente incluído com a designação de 17-A.

      2) Com efeito o mesmo é manifestamente conclusivo.

      3) E pronuncia-se diretamente sobre "thema decidendum", "resolvendo" o conflito por essa via.

      4) Além de que não se coaduna com o pacificamente decidido no "ponto 1.17" da sentença da primeira instância.

      5) E acha-se em flagrante contradição com o decidido pelo mesmo Acórdão relativamente à pretensão formulada pela R., então apelante, na parte final da sua "conclusão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT