Acórdão nº 3589/08.2YYLSB-A.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARÁUJO
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 3589/08.2YYLSB-AL2.S1 REL. 80[1] * ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Por apenso aos autos de execução comum, para pagamento de quantia certa, instaurados por “AA, Lda.”, veio a executada “BB, Lda.”, deduzir oposição à execução com os seguintes fundamentos: - A executada, conforme se alcança da respectiva certidão comercial, obrigava-se dentro e fora da sociedade com a assinatura de um gerente; - Acontece que a exequente veio executar uma letra datada de 22.06.2006, no valor de 1.600.000,00 €, em que figura como sacada a ora oponente e como sacador CC. Tem duas assinaturas apostas no aceite, alegadamente de DD e de EE, bem como um carimbo respeitante à gerência da executada. Finalmente o título tem a menção "transacção comercial"; - À data de emissão da letra, isto é, em 22.06.2006, a executada tinha como sócios DD, EE, FF e GG (sendo que nenhum destes exercia o cargo de gerente), e como gerente o não sócio HH; - A letra executada foi preenchida no sentido de constar que a sacada é a oponente BB, Lda., sendo que tem como aceitantes os sócios DD e EE na qualidade de gerentes da mesma e um carimbo da firma BB; - Porém, à data da emissão da letra, os referidos DD e EE não eram gerentes da sociedade, e como tal não podiam obrigar a oponente, como pretensamente o fizeram. Aliás a EE nunca foi gerente da executada; no entanto o aceite foi assinado pelos mesmos na invocada qualidade de gerentes, ou como pertencendo à gerência; - Resulta desta constatação que a letra em nome da sociedade oponente, na referida qualidade de sacada e aceitante, é nula, por vício de forma, porquanto nenhum dos subscritores do aceite eram à data gerentes da firma, não tendo nessa medida legitimidade para vincular a sociedade; - A letra que serve de base à presente execução, para além de conter duas assinaturas no aceite, supostamente dos executados DD e EE, tem ainda aposto um carimbo da firma. Sucede, porém, que o referido carimbo não é, nem nunca foi, o carimbo da firma BB, Lda., sendo antes um carimbo forjado. Tal facto é facilmente comprovado, mediante o confronto do referido carimbo aposto na letra com o carimbo utilizado pela opoente nas suas relações comerciais; - Pelo que, declarando-se a nulidade do aceite da sociedade, apenas os seus subscritores a título pessoal responderão eventualmente pela mesma. Do mesmo modo, a nulidade do aceite por vício de forma, repercute-se no aval dado à aceitante que, consequentemente, não pode subsistir, por ser nulo; - Em reforço do que já ficou escrito sobre a nulidade da letra, veio a executada em meados do presente ano a ter conhecimento pela primeira vez, da existência da letra dos autos, através da notificação do protesto apresentado pela exequente AA; - Na sequência desse protesto, a executada escreveu aos também executados da letra DD e EE, uma carta datada de 13 de Março de 2008, tendo recebido em 12 de Junho de 2008 uma carta dos DD e EE em resposta; - Do conteúdo dessa carta, os também executados confirmam ter efectivamente subscrito a referida letra, a título de caução, em branco, e a título meramente pessoal e apenas no local do aceite, negando ter assinado o verso da letra, não tendo como tal dado nenhum aval, nem tão pouco terem assinado a letra, seja como aceite, seja como avalista em nome e representação de qualquer uma das duas firmas, a saber, BB, Lda. e II, Lda.; - Acresce que, apesar de constar da letra o termo "transacção comercial", a verdade é que o referido sacador CC não consta da lista de clientes da ora executada, seja a título de fornecedor, prestador de serviços, ou qualquer outra actividade que pudesse ter gerado um crédito comercial, pois o mesmo nunca teve qualquer relação comercial com a executada; - Por outro lado, a exequente “AA, Lda.” não tem legitimidade para a execução, uma vez que não demonstra ser a legítima portadora da letra.

A exequente contestou, pedindo a improcedência da oposição.

A final foi a oposição julgada procedente e, em consequência, absolveu-se a executada/opoente do pedido exequendo, declarando-se extinta a execução, no que respeita à sociedade BB, Lda.

A exequente apelou desta decisão.

O Tribunal da Relação de Lisboa revogou a sentença da 1ª instância e mandou prosseguir a execução, com fundamento em abuso de direito da sociedade executada.

Apresentou, agora, a oponente recurso de revista em que formula as seguintes conclusões: 1. O Acórdão sob recurso viola a Lei em todas as abordagens que realiza, concluindo por uma decisão ilegal 2. O enquadramento fáctico e jurídico das situações que opõem as partes revela-se de importância acentuada para a adequada compreensão deste litigio.

  1. Desde logo, importa atentar no despacho do Sr. Desembargador Farinha Alves, proferido em 2016, na sequência de um recurso interposto pela Recorrida por discordar da decisão de 1ª instância que suspendia o processo, por força da acusação proferida no Processo Crime 2113/11.4 TAFAR, na qual são arguidos o DD e mulher EE, pela pratica dos crimes de Burla Qualificada na forma Tentada e Falsificação de Documento Agravada, tudo relativo à letra de câmbio que aqui neste processo se analisa.

  2. Disse o Venerando Desembargador nesse Despacho: 5.

    "... Aliás preliminarmente julga-se que a confirmar-se a renúncia do identificado DD à gerência da sociedade BB, Lda. foi oportunamente inscrita no registo comercial, matéria já admitida por acordo das partes, permite julgar desde já procedente a oposição à execução, não se justificando ponderar a suspensão da presente instancia." (sublinhado nosso) Ou seja, parece estar admitido por acordo das partes nos autos que na data da emissão da letra - 22/06/2016 - os referidos DD e EE, que subscreveram a letra no lugar do aceite, não eram gerentes, mas apenas sócios. 0 primeiro teria sido gerente e a segunda nunca teria sido gerente, (sublinhado nosso).

    A ser assim, julga-se que deve ser reconhecida razão à ora apelada, quando conclui que os referidos DD e EE, não sendo gerentes da sociedade BB, Lda. na data em que subscreveram a letra dos autos, não tinham poderes para vincular esta sociedade. Que, consequentemente, não ficou vinculada através da aposição destas assinaturas, independentemente do maior ou menos dolo com que as mesmas tenham sido apostas.

    Nos termos do artigo 260o do Código das Sociedades Comerciais, as sociedades por quotas só se vinculam para com terceiros pela assinatura dos seus gerentes, apostas nessa qualidade. A assinatura de quem não for gerente da sociedade ainda que aposta com indicação dessa qualidade, não tem a virtualidade de obrigar a sociedade ratifique o acto sem poderes.

    Mas aí a vinculação emerge da ratificação e não das assinaturas feitas por quem não tinha poderes (sublinhado nosso).

    Sendo que nos termos do artigo 8o da Lei Uniforme das Letras e Livranças todo aquele que apuser a sua assinatura numa letra como representante de uma pessoa a qual não tinha de facto poderes, fica obrigado em virtude da letra.

    Deste modo, a confirmar-se que as pessoas que apuseram assinaturas na letra em causa não eram gerentes da ora apelada, a oposição à execução deve ser julgada procedente, sem mais, não se chegando a questionar a justeza da suspensão do presente instância".

  3. Da análise do douto despacho resulta evidente que se conferia razão à BB (ali Apelada e aqui Recorrente), bem assim se trazia a terreiro a aplicabilidade do artigo 3º da LULL.

  4. Falando-se, outrossim, da responsabilização pessoal de quem age sem poderes e da ratificação do acto praticado sem poderes, como forma de o sanar.

  5. A matéria relativa ao Acórdão ora recorrido, já havia sido objecto de apreciação, apenas nele carente da apresentação da certidão comercial competente (vd. último paragrafo do despacho), o que foi feito, confírmando-se a inexistência de poderes dos mencionados DD e mulher EE.

  6. Releva também referir que o supramencionado processo crime (que, repita- -se, versa sobre condutas penalmente relevantes do casal DD e EE relativamente à letra em questão), se encontra na sua fase terminal, apenas estando pendente a última sessão, para eventuais declarações dos arguidos e alegações finais.

  7. Pelo que, no entender da Recorrente, uma eventual decisão definitiva no presente processo, confirmativa do acórdão sob escrutínio, e que precedesse uma eventual decisão de condenação no processo crime, poderia vir a gerar um "imbróglio jurídico", de todo em todo evitável 10. A Recorrente continua a considerar (à imagem da decisão proferida em 1a instância) que estamos em presença de matéria mais que juridicamente idónea, para que o Processo Executivo e seus apensos A e B (resultantes das oposições da Recorrente e da II) seja sustado, já que observam os pressupostos do artigo 272/1/2 do CPC.

  8. O douto acórdão recorrido estabelece duas questões fulcrais para decidir, sejam: (i) a apelada está vinculada ao pagamento da letra quando as assinaturas que constam do aceite não são as do gerente?; (ii) ainda que, quando DD aceitou a letra como representante da BB, disse ao sacado que mantinha essa qualidade, omitindo as mudanças da gerência? 12. O percurso percorrido pela decisão vai, em tudo, no sentido contrário ao preconizado e imposto pela lei.

  9. Com efeito, quando se refere que o gerente em funções – JJ, que, diga-se, é parte como Autor numa acção de impugnação pauliana instaurada contra os sócios das duas sociedades, a qual foi julgada improcedente em 1ª e 2ª instâncias (Processo 84/07.0TVSLB) – não se opôs a que a empresa se vinculasse ao pagamento, acabamos por estar na presença de uma assunção de uma espécie de ratificação do acto praticado por quem não tinha poderes.

  10. Ora, esta inovação interpretativa vai, de forma crassa, contra o que a lei prescreve na matéria.

    Como resulta do artigo 269º, ex vi do artigo 268º, ambos do Código Civil, “o negócio que uma pessoa sem poderes de representação celebra em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”.

  11. Ora, de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT