Acórdão nº 1563/11.0TVLSB.L1.S3 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1] I – RELATÓRIO 1.

AA, BB e CC intentaram contra DD acção declarativa com processo ordinário, pedindo: a) Seja declarada a transmissão por doação do imóvel objeto destes autos a favor do 2º e 3º AA. e a constituição de usufruto a favor da 1ª A., por estarem verificados todos os requisitos contratual e legalmente exigidos para tal transmissão; b) Se assim se não decidir, que seja decretada a execução específica do contrato-promessa de partilha, com transmissão da nua-propriedade para os 2ºs e 3º AA. e constituição de usufruto sobre o dito imóvel a favor da 1ª A., a título gratuito, ou, no que respeita ao usufruto, pelo valor que vier a ser fixado nos autos, por aplicação das regras fiscais de repartição de valor entre nua-propriedade e usufruto, valor que a A. se compromete a depositar se e quando for fixado.

  1. Não sendo executado especificamente o contrato-promessa de doação ou o de constituição de usufruto, caso venha a ser esta a qualificação decidida, declarar-se o incumprimento do mesmo pelo R., ao abrigo do disposto nos arts. 798.º, 801.

º e 808.

º do Cód. Civil, e a consequente condenação deste no pagamento da indemnização aos AA. que venha a ser fixada em execução de sentença.

Para tanto, alegaram – em síntese ‑, que A. e R. foram casados um com o outro, encontrando-se divorciados desde 1998, sendo os 2.

ºs e 3.ºs AA., filhos do casal.

Em 1986, na pendência do casamento, a A. e o R. adquiriram a fração identificada na petição inicial, sendo que desde então a A., e desde o seu nascimento, os AA., a habitam, com exclusão de qualquer outro e com reconhecimento de todos, incluindo o R. e terceiros.

No âmbito do divórcio acordado, a A. e o R. celebraram o contrato que denominaram por "contrato de promessa de partilha". Em tal contrato foi estipulada a doação da nua -propriedade do referido imóvel pela A. e R. a favor dos filhos de ambos, aqui AA., tal como consta da cláusula 8.ª do mesmo, com reserva de usufruto a favor da A..

A prevista transmissão da nua propriedade e constituição do usufruto ocorreriam logo que se verificasse a condição do divórcio entre A. e R..

Sobre o imóvel foi entretanto registada uma penhora, no âmbito de execução fiscal por dívida exclusiva do R., contraída vários anos após o divórcio entre este e a A., o que impediu que a A. continuasse a diligenciar pela formalização da transmissão, até que a dívida fosse paga.

O R. deu entretanto entrada em juízo, por apenso à ação de divórcio, de ação de inventário, com vista à partilha do mencionado imóvel.

Em tal ação, veio a A. invocar de imediato a existência do contrato acima referido, e, consequentemente, o seu direito de usufruto sobre o dito imóvel e o direito dos seus filhos sobre a nua-propriedade do mesmo.

O R. manifestou por diversas vias, designadamente com a instauração do inventário e do pedido formulado no mesmo, bem como pela omissão de referência à existência do referido acordo, a sua intenção séria e definitiva de não o cumprir, formalizando a doação e a constituição de usufruto.

A A., por sua vez, sempre afirmou a sua disponibilidade, que mantém, para cumprimento do acordo, relativamente às obrigações que ali assumiu, de transmissão da nua-propriedade do imóvel para os filhos e constituição de usufruto a seu favor.

Todas as obrigações previstas no contrato-promessa de partilha, relativas à partilha dos restantes bens do casal, mostram-se já cumpridas.

Em 06.06.2011 e 07.06.2011, os AA., através da respetiva Advogada, remeteram ao R., por correio registado e simples, nos termos do disposto no art. 808.º do Cód. Civil, comunicação interpelando-o para que comparecesse a 15.06.2011, no Cartório Notarial da Dra. EE, em Lisboa, para realização de escritura de doação e constituição de usufruto, sob pena de se considerar definitivamente incumprido o contrato.

O R., porém, não compareceu no dia aprazado no Cartório Notarial para realização da aludida escritura, nem se fez representar.

O R. é devedor a diversas entidades, designadamente ao Estado e a bancos, pelo que os AA. correm o risco de ver o imóvel ser vendido pela via judicial.

Tal risco tem causado enorme sofrimento aos AA., pois vêm comprometida a sua habitação.

O valor actual do imóvel não é inferior ao seu valor patrimonial, que é de 111.380,00 €, nem superior a 140.000,00€.

Terminam pelo descrito pedido.

  1. O R. contestou, pugnando pela improcedência da ação, tendo, para tanto, alegado que, a 15 de Novembro de 1997, a 1.ª A. e o R., ainda na constância do matrimónio, celebraram entre si um contrato de promessa de partilha dos seus bens comuns.

    Não foi efetuada qualquer doação do R. aos AA., houve, isso sim, dependendo de determinados circunstancialismos, uma promessa de doação, tanto mais que o imóvel seria adjudicado à 1.ª A. por determinado valor e só se esta não exercesse essa faculdade é que o R. e a 1.ª A. prometiam doá-lo aos filhos do casal, pelo que se está perante uma promessa de doação e não uma doação, sujeita, para além da aceitação dos donatários, a outras condicionantes.

    Mais alegou que a .... de N.... de ....nasceu FF, filha do R..

    Desde o nascimento da sua terceira filha, o R. perdeu a vontade de doar a sua parte do imóvel supra identificado apenas a dois dos seus filhos, o 2.º e 3.º AA..

    Entendeu o R. não ser justo para a sua filha doar parte de um imóvel apenas aos outros dois filhos, principalmente porque, devido à sua situação financeira, não a poderia compensar. Por outro lado, também nunca os 2.º e 3.º AA. chegaram a aceitar a proposta de doação efetuada pelo pai.

    Decorridos que foram 13 anos sobre o divórcio, encontrando-se numa situação precária profissional e financeiramente, o R., com o intuito de resolver situações pendentes para organizar a sua vida, a 18 de Junho de 2010, deu entrada de um requerimento de inventário para partilha dos bens comuns que restavam do seu casamento.

    No âmbito desse processo de Inventário, foi o R. nomeado cabeça-de-casal, tendo arrolado a fração autónoma em causa nos presentes autos e um crédito que detém sobre a 1.ª A..

    De salientar que apenas a 6 de Junho de 2001, praticamente um ano após o R. dar entrada ao seu requerimento de inventário, vêm os AA. interpelá-lo para a outorga da escritura.

    Ou seja, os 2.º e 3.º AA. pretendem aceitar uma promessa de doação e, consequentemente, a respectiva doação, depois de a promessa ter sido revogada.

    Se é certo que a escritura nunca chegou a ser outorgada, tal facto é imputável a ambas as partes, mas em primeira linha aos AA., já que mediaram 13 anos entre o divórcio do R. e da 1.ª A. e a primeira interpelação dos AA. ao R. para outorga da escritura. Durante 13 anos, pois, os AA. nada fizeram no sentido de adquirir a propriedade do imóvel, sendo que sobre a A. recaía a obrigação de promover a formalização da transmissão da nua propriedade e da constituição do usufruto.

  2. Notificados da contestação, os AA. apresentaram réplica, mantendo, no geral, a tese expressa na petição inicial.

  3. Realizada audiência preliminar, foi elaborado despacho de condensação, o qual não foi objecto de reclamação.

  4. Seguindo os autos os seus normais trâmites, foi realizada a audiência de julgamento, finda com sentença a qual julgou a acção improcedente, em consequência absolvendo o R. de todos os pedidos contra ele formulados.

  5. Inconformados, os AA. interpuseram recurso de apelação, ao qual a Relação de Lisboa, por Acórdão de fls. 561 e ss., negou provimento, mantendo a decisão recorrida.

  6. De novo irresignados, os AA. interpuseram recurso de revista normal ou, no caso de esta não ser recebida, recurso de revista extraordinária.

  7. Pronunciando-se a respeito da nulidade arguida na alegação visando esse emitido aresto, pela Relação foi proferido novo Acórdão – fls. 635 e ss.- , indeferindo essa nulidade suscitada.

  8. Na continuação, pela Exm.ª Desembargadora–Relatora foi proferido Despacho – fls. 657 -, não admitindo o recurso de revista normal, com fundamento no disposto nos arts 671.º, n.º 1 e 675.º do Código de Processo Civil Revisto, e admitindo liminarmente – por a verificação dos respectivos pressupostos competir ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 3, do art. 672.º, do mesmo Diploma - o recurso de revista excepcional apresentado pelos AA./Recorrentes.

  9. Discordando, outrossim, deste despacho na sua parte negativa, pelos AA./Recorrentes foi apresentada Reclamação, a qual foi indeferida por despacho do ora Relator - fls. 18 e ss. do processo Apenso –, despacho este que, também ele objecto de Reclamação, foi por pertinente Acórdão – fls. 52 e ss. do aludido processo – mantido com o consequente indeferimento dessa impugnação.

    Deduzida, por sua vez, Reclamação quanto a este último aresto, por novo Acórdão - fls. 71 e ss. do mesmo processo -, foi a mesma também objecto de indeferimento, mantendo-se tal aresto intocado.

  10. Transitado esse Acórdão, foram os autos remetidos à Formação a que alude o n.º 3, do art. 672.º, do Novo Cód. Proc. Civil, a qual, com fundamento na verificação do invocado fundamento previsto no n.º 1, alínea a), desse mesmo preceito legal, admitiu a revista na sua vertente excepcional.

  11. A encerrar a sua douta alegação, os AA. formularam – no que para a apreciação que ora cumpre efectuar de todo não irreleva ‑ as seguintes conclusões: […] 5. O acórdão em recurso padece de duas nulidades, por omissão de pronúncia.

  12. Os Recorrentes requereram a execução específica do contrato-promessa de partilha, com transmissão da nua-propriedade para os Recorrentes e constituição de usufruto sobre o dito imóvel a favor da Recorrente, 7. Todavia, a Relação apenas apreciou a execução específica da doação, não tendo analisado, pois, o pedido de execução específica do contrato-promessa de partilha, que como um todo, é coisa diferente da soma dos contratos que o compõem.

  13. Quer a sentença, quer o acórdão, desprezam por completo a complexidade do acordo celebrado, tratando-o como se contivesse uma única estipulação, no caso aquilo que...

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