Acórdão nº 234/14.0TCGMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[2] I – RELATÓRIO 1.

AA, Ld.ª, sociedade comercial com sede em F.. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a BB, S.A.

, pedindo a condenação desta a: a) - restituir-lhe, por depósito na conta bancária identificada no artigo 3.º, a quantia de € 242.769,85 e a quantia de € 19.404,36; b) - ver declarado que não está [ela, A.] obrigada a pagar –lhe as prestações que se forem vencendo, relativamente ao contrato de mútuo, enquanto não for creditada na conta referida na alínea anterior as quantias aí mencionadas; c) indemnizá-la por danos materiais no valor de € 10.000,00; d) indemnizá-la pelos danos patrimoniais, ainda não apurados, a liquidar em execução de sentença.

  1. Alega, em síntese, que tem por objecto o ........, actividades auxiliares de intermediação financeira, manutenção e reparação de automóveis, tendo celebrado com a Ré, a 29 de Janeiro de 2014, contrato pelo qual esta lhe mutuou a quantia de € 285.000,00, a creditar em conta de depósito à ordem, que identifica, pelo prazo de quinze anos, à taxa anual nominal de 6,774%, com período de carência de capital e juros por seis meses; no dia seguinte a Ré creditou na conta a quantia mutuada, debitando € 6.034,20 relativos a imposto e despesas do contrato, mas a 4 de Fevereiro seguinte, sem ordem expressa ou autorização, transferiu a quantia de € 242.769,85 para a sociedade “CC.pt – ........” e a 5 de Fevereiro voltou a transferir € 19.404,36, correspondentes praticamente a toda a quantia que havia sido mutuada e que ela, A., tinha destinado a investimentos em obras de remodelação, compra de máquinas e outros equipamentos destinados ao desenvolvimento da sua actividade.

  2. A Ré contestou contrapondo que a concessão do empréstimo e as consequentes transferências para a CC foram efetuadas no interesse e por instrução da A., cujo único sócio é sogro da sócia maioritária daquela sociedade, a qual é sua [da Ré] cliente há vários anos, sendo a si devedora do montante de € 432.430,00 em Setembro de 2012, e as transferências que efectuou são a sequência de um acordo celebrado entre a A. e a sócia gerente da CC. Refere ainda que deu nota a esta da necessidade de assinatura da ordem de transferência pelo sogro e sócio-gerente da primeira, tendo a mesma afirmado que iria ser assinada.

    No entanto, a 7 de Fevereiro, este último solicitou à Ré que os montantes fossem repostos.

  3. A A. exerceu, por sua vez, o contraditório, reiterando o que alegara na petição inicial; negou, por outro lado, conhecimento da dívida da CC e ter delineado qualquer estratégia no sentido de solucionar os eventuais problemas desta.

  4. Prosseguindo os autos os seus termos, após julgamento teve lugar a prolação de sentença que, julgando a acção parcialmente procedente e provada, rematou declarando que a A. “AA Ld.ª” não está obrigada a pagar as prestações previstas no contrato identificado nos pontos 10) a 13) da fundamentação de facto, e condenou a Ré “BB no seu reconhecimento; absolveu esta Ré dos demais pedidos formulados pela autora.

  5. Nem a A. nem a Ré se conformaram com essa decisão, e interpuseram recursos de apelação, relativamente aos quais a Relação de Guimarães, por pertinente Acórdão – fls.

    329 e ss.‑, decidiu: - julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela apelante/autora AA, Ld.ª”; - julgar procedente o recurso de apelação interposto pela apelante/ré “BB”, consequentemente revogando a decisão, no segmento (alínea a)) em que declara não estar aquela obrigada a pagar a esta as prestações previstas no contrato de mútuo bancário que celebraram; - no mais confirmar e manter a aludida decisão, designadamente nos seus segmentos absolutórios.

  6. De novo irresignada, a A. interpôs o vertente recurso de revista, encerrando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão da Relação de Guimarães, proferido nos presentes autos, que, dando provimento ao recurso interposto pela Ré e julgando improcedente o recurso interposto pela Autora, decidiu revogar a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, nomeadamente no segmento em que esta declara que a Autora não se encontra obrigada a pagar à Ré as prestações previstas no contrato de mútuo em apreciação.

  7. Pronunciando-se acerca da alegação de que a transferência da quantia de 242.769,85€ para a conta da empresa "CC.pt - ........" se fez sem o consentimento, expresso ou tácito, do legal-representante da Autora, entendeu o acórdão recorrido o seguinte: 3.

    "Ora, na situação sub judicio não pode deixar de se considerar como "figura" central o acima referido EE que, muito embora, não seja o gerente formal da Apelante/Autora e da referida "CC.pt", se assume e actua como seu representante, assim sucedendo em todo o processo negocial com a Apelante/Ré (ele próprio é fiador no contrato de mútuo e deu o seu aval a uma livrança em branco no contrato de cessão da posição contratual na locação financeira imobiliária acima referida)." 4.

    Quanto à alegação de que o negócio consistente na transferência da dita quantia deveria ser considerado nulo, por violador do artigo 6o, n° 3 do Código das Sociedades Comerciais, entendeu o acórdão recorrido, em jeito de conclusão, o seguinte: 5.

    "Isto considerado, e tendo ainda em conta o enquadramento em que se inseriu o contrato de assunção de dívida, leva-nos a dissentir do Tribunal a quo, por, com. o respeito devido, entendermos que o mesmo não consubstancia um acto gratuito e foi celebrado no interesse da Apelante/Autora que o seu fim último foi dotá-la dos meios físicos para exercer (iniciar o exercício) (d}a actividade comercial que tem por objecto".

  8. A Recorrente não pode, porém, e salvo o devido respeito, conformar-se com a argumentação expendida ao longo do douto acórdão, nem, tão-pouco, com as conclusões a que nele se chega.

  9. Resulta claro dos presentes autos que nunca o Sr. DD, legal-representante da Recorrente, constituiu seu procurador o Sr. EE, seu filho.

  10. Por conseguinte, não poderia a Recorrida ignorar que a quantia creditada na conta da Recorrente não poderia ter sido transferida para a sociedade "CC.pt" sem que o legal-representante daquela nisso houvesse consentido.

  11. Contudo, ignorando esse facto, a Recorrida não tratou de recolher a assinatura do legal-representante da Recorrente, por saber que jamais o Sr. DD teria dado a sua anuência a um negócio desse cariz.

  12. E isto porque o objectivo subjacente à celebração do contrato de mútuo foi, única e exclusivamente, o de dotar a Recorrente dos capitais necessários ã concretização de determinados investimentos (ou a "investimentos diversos", conforme se retira do contrato de mútuo outorgado).

  13. Não deveria o acórdão recorrido ter dado cobertura a uma actuação marcadamente grosseira e negligente da instituição bancária em questão, traduzida na prática de actos para os quais não estava devida e legalmente autorizada.

  14. Assim, e antes de mais pela falta de poderes para o acto do Sr. EE, deveria o acórdão recorrido ter considerado nulo o negócio consistente na transferência das ditas quantias.

  15. Aliás, nada do que vem sendo expendido permite concluir que o Sr. DD tivesse tido conhecimento dos negócios alegadamente celebrados pelo seu filho, Sr. EE.

  16. A relação de parentesco, ainda que próxima, não serve, nem pode servir, para justificar tudo, já que abundam exemplos de familiares que não desenvolvem entre si qualquer tipo de conexão ou intimidade, ou que, desenvolvendo-a, não se sentem, ainda assim, ã vontade para abordar uma diversidade de assuntos, quais sejam os atinentes aos negócios.

  17. Contudo, mesmo que não fosse a falta de poderes de representação do Sr. EE a ditar a nulidade do negócio, hipótese que só por cautela de patrocínio se coloca, sempre deveria o dito negócio ter sido declarado nulo por violação do artigo 6°, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais.

  18. Dispõe o artigo 6o, n° 3 do C.S.C que: "Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo".

  19. No caso vertente, em que é indiscutido que a "AA Lda.* e a "CC.pt" são entidades completamente distintas e autónomas, não estando, por conseguinte, em relação de domínio ou de grupo, isto significa que a transferência das quantias creditadas na conta da Recorrente para a conta da "CC.pt" apenas seria válida se, para além de devidamente autorizada, se encontrasse sustentada por um "justificado interesse próprio da sociedade garante" (isto é, da Recorrente), 18. Cenário que o douto acórdão recorrido considerou existir.

  20. O douto acórdão lavra, uma vez mais, em erro, porquanto a Recorrida não logrou, salvo melhor opinião, provar, nem sequer indiciar, o aludido "justificado interesse próprio", 20. Como decorre do contrato de mútuo celebrado, o mútuo destinava-se a facilitar à Recorrente a concretização de diversos investimentos.

  21. Ora, a transferência das quantias creditadas na sua conta para a conta da "CC.pt" teve...

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