Acórdão nº 1579/15.8T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelNUNO PINTO OLIVEIRA
Data da Resolução09 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.

AA, BB e CC instauraram a presente acção declarativa de condenação contra Termas de DD., S.A., e Município de ..., sob a forma de processo comum, com o fim de obterem a condenação solidária destes nas seguintes quantias: — €52.914,18 (cinquenta e dois mil, novecentos e catorze euros e dezoito cêntimos) ao 1.º Autor AA; — €37.306,64 (trinta e sete mil, trezentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) à 2.ª Autora BB; — €42.306,64 (quarenta e dois mil, trezentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) ao 3.º Autor CC.

Como fundamento para este pedidos invocaram o facto de serem médicos na Estância Termal de ... onde, desde há longos anos, faziam o atendimento diário dos utentes que procuravam os seus serviços; de a Ré DD ter feito cessar os contratos vigentes, por carta enviada aos Autores a 10 de Abril de 2014, na sequência de deliberação do Município de ... de 8 de Abril de 2014; e de os Réus não terem respeitado os prazos mínimos estabelecidos para a comunicação prévia da cessação da relação contratual, de 6 meses, causando-lhes danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos que discriminaram.

2.

A 1.ª Ré DD contestou alegando que não havia qualquer relação contratual entre si e os Autores, os quais nunca foram seus funcionários; que procurou disciplinar a actividade dos médicos estabelecidos nas instalações das terrmas de ..., de modo a fazer recair sobre eles parte dos custos de manutenção das termas; que conseguiu discipliná-la em relação a todos, com excepção dos Autores; e que não houve surpresa na decisão tomada, pelo que a acção deve ser julgada improcedente.

3.

O 2.º Réu Município de ... contestou alegando que, desde a publicação e a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 142/2004, de 11 de Junho, OS Autores SE recusaram-se a celebrar contrato com o Município, por que se estabelecesse “um preço por consulta, forma de cobrança, meios administrativos, pessoal de apoio, gabinete médico, etc.”, “fixando e cobrando o valor daquela consulta à revelia e com desconhecimento formal de ambas as Rés”.

4.

A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão: «Termos em que por todo o exposto decido julgar a acção parcialmente procedente e consequentemente DECIDO: I - CONDENAR solidariamente os Réus DD. S. A. e MUNICIPIO DE ... a pagarem aos Autores, a título de danos não patrimoniais, as seguintes quantias ou importâncias: — Autor AA: €5.000,00 (cinco mil euros); — Autora BB: €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros); — Autor CC: €5.000,00 (cinco mil euros).

II — CONDENAR solidáriamente os identificados Réus Termas de DD. S.A. e MUNICIPIO DE ... a pagarem aos Autores AA, BB e CC as quantias que se liquidarem em execução de sentença relativamente a lucros cessantes pela cessação da prestação de serviços sem a antecedência conveniente, limitado aos seguintes valores para cada um dos Autores: — AA: €25.276,12; — BB: €21.537,76; — CC: €21.537,76.

  1. — Absolver os mesmos Réus do demais peticionado.

    Custas por Autores e Réus, na proporção do decaimento, deixando-se o rateio para final — artº 527º nº 2 do Código de Processo Civil».

    5.

    Inconformados, a Termas de DD, S. A., e Município de ... interpuseram recurso de apelação.

    6.

    A Termas de DD, S. A., finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: “1ª - Nunca existiu qualquer contrato entre a recorrente e os recorridos, não havendo por isso lugar a qualquer indemnização pela sua cessação.

    1. - Na decisão de que existia um contrato de prestação de serviços entre as partes, a sentença caiu em contradição com a matéria de facto provada, incorrendo na nulidade cominada pelo art. 615.º/1-c) do CPC.

    2. - Ainda que, contra a evidência, se considere que existe aquele contrato de prestação, sujeito a denúncia prévia e que, por falta de estipulação das partes, cabe o tribunal fixar um prazo de aviso prévio razoável para a sua denúncia, andou mal o Mmº Juiz recorrido ao fixar a necessidade de um aviso prévio de quatro meses.

    3. - Nessa fixação caiu o senhor Juiz na nulidade por falta de fundamentação a que alude o artigo 615.º n.º 1 alínea b) do CPC, quando não apresentou os fundamentos para fixar essa duração.

    4. - Os factos provados apontam para a inexistência de qualquer surpresa por parte dos recorridos, impondo antes a fixação de um prazo muito inferior; 6ª – Tanto mais que o Decreto-lei nº 142/2004 de 11 de junho obrigava a recorrente a outorgar contratos de Direito privado com o director clínico e o restante corpo clínico – artigo 9.º n.º 2 e 10.º n.º 4 (normas violadas).

    5. – Aliás, o aviso prévio fixado pelo Tribunal, ainda que exagerado, foi cumprido; havendo, neste ponto, contradição entre os factos provados e a decisão, geradora de nulidade cominada no artigo 615.º n.º 1 alínea c).

    6. – Não é devida indemnização por danos morais, por não haver ilícito na atuação da recorrente.

    7. - A considerar-se que existe ilícito, a sua gravidade é de tal forma reduzida que se justifica a fixação da indemnização em valores muitíssimo inferiores aqueles a que chegou o Tribunal recorrido.

    8. - Na interpretação e aplicação que deles fez ao caso concreto, violou a decisão recorrida os artigos 232.º, 483.º n.º 1 e 2 e 496.º n.º 1 do C.C.

      Nestes Termos, Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a decisão recorrida, proferindo-se acórdão que julgue a ação totalmente improcedente (…)».

      7.

      O Município de ... finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: “I/ Erro de julgamento dos factos 1/ Por serem essenciais para a boa decisão da causa, o tribunal recorrido devia dar como não provados os factos alegados no artigo 60.º da P.I. “que a cessação abrupta dos seus vínculos, os autores viram-se, de um momento para o outro, privados do seu principal sustento, no caso dos 1.º e 2.º autores e da sua única fonte de sustento, no caso do 3.º autor”.

      2/ A omissão de pronúncia sobre o julgamento de “não provado” destes factos viola o artigo 607.º n.º 4 do CPC.

      3/ E nem se diga que o julgamento daqueles factos resulta do julgamento dos factos dados como provados nos pontos 23, 24, 25, 30, 31 e 32 da sentença na medida em que a realidade daquilo que recebiam durante a execução do contrato e que deixaram de receber do recorrente é uma; a realidade daquilo que passaram a receber ou deixaram de receber, depois da cessação do contrato, seja por falta de clientela, seja por falta de novas entidades em que podiam prestar serviço de consultas, é outra.

      4/ E para efeitos de indemnização pela supressão da cessação do contrato, o que releva, é a situação de falta de rendimentos em que se encontram depois daquela cessação por não conseguirem nova prestação de serviço de consultas médicas com outras entidades ou com outras pessoas após findar o contrato.

      5/ Os factos dados como provados nos pontos 23 e 25 da sentença e que correspondem aos factos alegados nos artigos 42.º, 43.º, 46.º e 47.º da P.I., estão em flagrante contradição com os factos dados como provados no ponto 29 da sentença, pois naqueles pontos 23 e 25 sabe-se quanto os recorridos AA e CC receberam das consultas e no ponto 29 já não se sabe quanto receberam em concreto.

      6/ Esta contradição gera nulidade de julgamento dos referidos factos.

      II/ Erro de julgamento na aplicação do direito 7/ Os factos alegados na P.I. e dados como provados na sentença são insuficientes para a caracterização da relação contratual entre recorrente e recorridos como contrato de prestação de serviço.

      8/ Pois não foi alegado, nem está provado, que serviço de natureza intelectual ou manual os recorridos se obrigaram a prestar ao recorrente.

      9/ Pois dos factos dados como provados nos pontos 9, 10, 11, 15, 18, 20, 21 e 22 da sentença resulta que a relação contratual entre recorrente e recorridos consistiu na permissão pelo dono do balneário termal para que os recorridos atendessem os aquistas nas respetivas instalações do balneário, sem que estes pagassem àquele qualquer contrapartida, o que equivale a um mero contrato de comodato.

      10/ Para se concluir que estamos perante um contrato de prestação de serviços, mesmo sem retribuição, ainda assim, competia aos recorridos alegar e provar o que proporcionaram ao recorrente com a sua atividade intelectual, o que não fizeram.

      11/ Pois aquilo que os recorridos proporcionaram, com a sua atividade médica, na especialização de hidrologia, foi aos utentes/aquistas, que pagaram por isso, e não ao recorrente.

      12/ E nem se diga que era condição sine qua non a existência daqueles médicos, o que não foi alegado na P.I., para ser titular do estabelecimento termal e tê-lo em funcionamento pois neste estabelecimento do recorrente são prestados serviços sem necessidade da existência, da presença e da consulta daqueles médicos, como é o caso dos serviços de fisioterapia, venda de produtos de cosmética, etc. etc.

      13/ Estando o tribunal impedido de presumir aquela condição sine qua non por referência ao quadro legal existente, pois as presunções judiciais como meios de prova é dar como provado um facto que é desconhecido, por um facto que é conhecido e não dar como provado um facto desconhecido a partir da interpretação de normas jurídicas.

      14/ Assim, o tribunal recorrido ao concluir pela existência de um contrato de prestação de serviços e a partir daí condenar o recorrente no pagamento de danos morais e lucros cessantes, pela surpresa na sua cessação, fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando as normas jurídicas previstas no artigo 405.º, quanto ao princípio da liberdade contratual, no artigo 1129.º quanto à noção de contrato de comodato e no artigo 1154.º quanto à noção de contrato de prestação de serviço, todos do C.C.

      Sem prescindir, 15/ Para haver lugar ao pagamento de indemnização pela ruptura surpresa ou sem a antecedência conveniente, de um contrato de prestação de serviços, de acordo com a jurisprudência dominante é necessário que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes situações: - Que o prestador dos...

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