Acórdão nº 5837/16.6T9LSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução24 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I. Na sequência da decisão sumária proferida em 14.03.2019 (fls. 183) que rejeitou, por irrecorribilidade, o recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 27.06.2018 interposto para este Supremo Tribunal de Justiça e que, por sua vez, determinara a quebra de sigilo profissional relativamente à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, veio esta entidade reclamar de tal decisão para a conferência, concluindo a reclamação nestes termos: “A. Por Ofício datado de 17.05.2018, a CMVM informou a 9.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa que se encontrava sujeita ao dever de segredo profissional para se escusar à prestação de informação solicitada.

  1. Nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 135.º do CPP, invocada a escusa perante o Tribunal, pode este decidir por uma de duas vias: i) ou considera que a escusa é ilegítima e determina a junção dos documentos ou ii) considera que a escusa é legítima e, oficiosamente ou a requerimento, requer ao tribunal superior, isto é, in casu, ao Tribunal da Relação, a quebra do segredo profissional.

  2. No caso em apreço, o Juízo Criminal de Lisboa decidiu pela legitimidade da escusa, tendo, em consequência, sido suscitada perante o Tribunal da Relação do Lisboa a quebra do segredo profissional invocado pela CMVM.

  3. Assim, o Tribunal da Relação de Lisboa constituiu-se, deste modo, como a primeira instância de decisão quanto à justificação da quebra do segredo profissional, uma vez que o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa apenas decidiu se a escusa era ou não legítima.

  4. Não estamos, por isso, diante de um dos casos excepcionais de irrecorribilidade do acórdão proferido pelas relações, previstos no artigo 400.º, n.º 1, do CPP, sendo que, nos termos do artigo 399.º do CPP, “[é] permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei” e nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP, que “[r]ecorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) [d]e decisões das relações proferidas em 1.ª instância.”.

  5. Para além de funcionar como primeira instância de decisão quanto à quebra de segredo profissional, o Tribunal da Relação pôs termo ao incidente de quebra do segredo profissional, cujo objecto consiste em saber se o dever de segredo profissional deve ceder perante o interesse probatório do Ministério Público no inquérito (conjugado com o interesse na administração da justiça), sendo, nesse caso, injustificada a escusa.

  6. Ora, não podendo ser atribuído ao objecto do presente processo outra qualificação que não seja a de decisão proferida em primeira instância pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a mesma terá de ser, obviamente, considerada recorrível nos termos do disposto nos artigos 399.º e 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

  7. De outro modo, o entendimento segundo o qual não deve ser admitido o presente recurso por se considerar que a decisão do Tribunal da Relação que quebra o segredo profissional invocado nos termos do artigo 135.º do CPP é irrecorrível só pode julgar-se inconstitucional por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP.

    I. Pelo que, para os devidos efeitos legais, se invoca, expressamente e desde já, a inconstitucionalidade das normas contidas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 135.º do CPP na interpretação segundo a qual a decisão do Tribunal da Relação que quebra o segredo profissional invocado nos termos do disposto no artigo 135.º do CPP é irrecorrível, por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP.

  8. Acresce que, nos presentes autos, a CMVM não foi chamada a pronunciar-se em momento anterior à prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu quebrar o segredo profissional.

  9. O entendimento segundo o qual o tribunal superior pode quebrar o dever de segredo profissional sem ouvir o sujeito desse mesmo dever no momento da ponderação dos interesses em conflito só poderá julgar-se inconstitucional por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP.

    L. Razão pela qual, para os devidos efeitos legais, reitera-se a invocação da inconstitucionalidade das normas contidas nos n. os 3 e 4 do artigo 135.º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, no âmbito da invocação de escusa para facultar o acesso a elementos e/ou documentos abrangidos pelo segredo profissional perante o Tribunal de 1.ª instância, o tribunal superior pode quebrar o dever de segredo sem ouvir o titular desse dever quanto aos pressupostos de que depende a quebra do mesmo, por violação do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP.

    116. Mais se invocando a inconstitucionalidade, para os devidos efeitos legais, da norma contida no n.º 4 do artigo 135.º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, no âmbito da invocação de escusa para facultar o acesso a elementos e/ou documentos abrangidos pelo segredo profissional perante o Tribunal de 1.ª instância, o tribunal superior pode não permitir uma entidade não dotada de organismo representativo da profissão de exercer o princípio do contraditório e os direitos de defesa constitucionalmente garantidos no processo/incidente de quebra de segredo profissional em que é requerida, simultaneamente não se admitindo o recurso da decisão proferida, por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

  10. Em face do que vem dito, o presente recurso deve ser admitido de acordo com o disposto nos artigos 399.º e 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP.

  11. As razões que sustentam a admissão do recurso interposto pela CMVM, não são colocadas em causa pelos fundamentos aduzidos pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, na Decisão Sumária de rejeição do recurso, como se passa a demonstrar.

  12. Em primeiro lugar, na Decisão Sumária proferida, conclui-se que não se pode entender que o incidente de quebra do segredo profissional seja uma causa julgada em 1.ª instância pela Relação, invocando-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2008, de uniformização de jurisprudência, para concluir quanto à não aplicação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP. Porém, com o devido respeito, este fundamento não pode ser acolhido.

  13. Sendo o Tribunal da Relação a única instância decisória para a justificação da escusa no âmbito do incidente, não há como negar que aquele Tribunal funciona pois como 1.ª instância.

  14. Resulta, assim, inequívoco, em face do teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2008, de uniformização de jurisprudência, que o Tribunal da Relação funciona, na verdade, como instância de decisão do incidente de quebra de segredo, sendo, pois, o tribunal competente, para, em 1.ª instância, decidir sobre a quebra do segredo, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 135.º do CPP.

  15. Em consequência, como flui da leitura do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça tem por objecto as decisões proferidas pelas Relações em 1.ª instância.

  16. Sendo, assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 27.06.2018 uma decisão recorrível e, em consequência, não pode merecer acolhimento o entendimento expresso na Decisão Sumária proferida quanto a não ser uma decisão proferida em 1.ª instância.

  17. Além do mais, não se estabelece, no n.º 3 do artigo 12.º do CPP, que apenas na alínea a) do n.º 3 do artigo 12.º do CPP é que as secções criminais da relação funcionam como 1.ª instância e tal limitação seria, de resto, incompatível com a alínea e) do n.º 3 do artigo 12.º do CPP.

  18. A interpretação sufragada na Decisão Sumária não pode ser acompanhada, porquanto restringe, sem qualquer apego na letra da lei, os casos em que o Tribunal da Relação funciona como primeira instância, reflectindo-se numa interpretação restritiva do artigo 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP, que limita, consequentemente, o direito ao recurso.

    V. Aliás, o entendimento consignado na douta Decisão Sumária, levaria à conclusão de que nos processos judiciais de extradição, nos processos de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, bem como noutros processos cuja competência seja atribuída à Relação, o esse tribunal não funcionaria como primeira instância e as respectivas decisões seriam irrecorríveis, o que não é admissível.

  19. Assim, a decisão do Tribunal da Relação do Lisboa, que determinou a quebra do segredo profissional da CMVM, foi proferida em 1.ª instância, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 135.º do CPP, sendo, consequentemente recorrível nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea a) do CPP.

    X. Em segundo lugar, entende Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator que a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que quebrou o segredo profissional da CMVM deriva ainda do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP em função da natureza interlocutória da decisão da Relação.

    Porém, tal entendimento não pode também proceder.

  20. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, do qual se interpôs recurso, não é proferido em recurso e conheceu, a final, do objecto do incidente.

  21. Por um lado, a qualificação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa como um acórdão proferido em recurso dependia do facto de tal acórdão se pronunciar, em recurso, sobre uma decisão proferida por um tribunal hierarquicamente inferior.

    AA. O Tribunal da Relação de Lisboa constituiu-se, deste modo, como a primeira instância de decisão quanto à justificação da quebra do segredo profissional, uma vez que o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa apenas decidiu se a escusa era ou não legítima, não se podendo, pois, ignorar...

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