Acórdão nº 1206/17.9S6LSB-C.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução16 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, alegando encontrar-se ilegalmente preso no Estabelecimento Prisional de ..., à ordem deste processo 1206/17.9S6LSB, vem, ao abrigo do artigo 31.º da Constituição e dos artigos 222.º e 223.º do Código de Processo Penal (CPP), requerer providência de habeas corpus.

  1. Apresenta, para o efeito, petição por si subscrita, nos seguintes termos (transcrição): “1º O ora requerente foi detido em 13/09/2017, encontrando-se privado de liberdade desde essa data.

    1. Durante esse período o recorrente sofreu violências viu os seus direitos desrespeitados, sendo vilmente ilegal a situação de prisão em que se encontra.

    2. Desde logo, viu se impedido de contactar as Embaixadas dos dois estados do qual é nacional, nomeadamente a embaixada de ... e a embaixada do ....

    3. O ora requerente pediu expressamente para contatar as embaixadas dos ... e de ... tendo-lhe sido negado esse direito, ver doc junto em anexo sob o nº 1.

    4. Ficou assim impossibilitado de contactar os seus familiares que poderiam lhe proporcionar meios e apoio para que usufruísse de uma defesa efectiva.

    5. Foi privado de contactar com a família e de receber visita do irmão, apesar de ter dado o seu consentimento expresso que ficou consignado em documento lavrado pelos serviços prisionais para o efeito, ver doc. junto em anexo sob o nº 1.

    6. O irmão apenas teve conhecimento do seu paradeiro apenas através da Polícia ... e do serviço de pessoas desaparecidas tendo manifestado vontade em visitá-lo.

    7. O requerente não tinha consigo elementos referentes a moradas de familiares nem dinheiro pois esses foram-lhe retirados aquando da sua detenção.

    8. Estando privado de liberdade, sem dinheiro e sem ter conseguido avisar a família, o requerente tinha muitos motivos para querer receber o irmão, no entanto as autoridades falsearam o relatório afirmando que este não se recordava de qualquer dado sobre a identificação pessoal do irmão.

    9. O passaporte do requerente foi-lhe roubado antes da sua detenção.

    10. O requerente pediu que fossem contactadas as embaixadas de dois países dos quais tem nacionalidade pois nada teme, não possui qualquer registo criminal nesses países nem em nenhum outro.

    11. O requerente endereçou diversos pedidos o tribunal sobre a sua situação, nomeadamente sobre os motivos que está preso, sempre sem qualquer resposta, ver doc. junto em anexo sob o nº 2.

    12. Fez ainda vários pedidos para contactar o tribunal que nunca foram respondidos.

    13. Enviou cartas para o tribunal e diversas outras entidades as quais não responderam, com exceção da Inspeção Geral de Justiça, ver doc. Junto em anxo sob o nº 2.

    14. É ... e marroquino e não tem conhecimentos de português.

    15. Foi torturado física e psicologicamente quase todos os dias desde que foi colocado no Estabelecimento Prisional de ..., ver doc. junto em anexo sob o nº 3.

    16. Recebeu notícia da renovação da prisão preventiva sem a informação dos motivos pelos quais a medida de coação era renovada, não lhe tendo sido permitido assistir aos actos instrutórios e decisórios que levaram à tomada dessa decisão, ver do, junto em anexo sob o nº 4.

    17. A decisão de renovação da prisão de preventiva que lhe foi comunicada era incompreensível e teve de mandar traduzir, algo que só conseguiu fazer em meados de junho de 2018.

    18. Apenas recebeu a acusação traduzida em 26/03/2018, em consequência não lhe foi apresentada num prazo razoável ver doc. com referencia: ...

    19. Foram assim violados os artigos 283.º, n.º1 e 2 do C.P.P., o artigo 5.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, n.º 3, al. a) do artigo 6.º do CPP e alíneas a), b) e i) do artigo 61.º do CPP.

    20. Não lhe foi entregue qualquer "auto de interrogatório do arguido detido".

    21. Durante o interrogatório foi assistido por um advogado cujo nome apenas reteve chamar-se dr. BB.

    22. Não teve conhecimento de que lhe tivesse sido nomeada a dra. CC no processo 1206/17.9S6LSB.

    23. Não lhe foram indicados os elementos de contacto, designadamente telefone, morada ou telefax, do advogado nomeado antes da data de 23/03/2018. Mesmo na acusação é-lhe indicado o nome e morada da advogada, omitindo o seu número de telefone.

    24. Apenas a partir de 11/06/2018 foi concedido ao ora Requerente meios de escrita, possibilidade de envio de correio postal e meios para realização de chamadas telefónicas.

    25. Não tinha, nem lhe foram concedidos, quaisquer recursos para comprar envelopes, canetas.

      Nem crédito que lhe permitisse fazer chamadas telefónicas.

    26. Apenas em 11/06/2018 o ora requerente teve a possibilidade de fazer a primeira compra de material para escrever e lhe foi concedido crédito para poder telefonar. ver doc. junto em anexo sob nº 5 Até ao mês de setembro de 2018 foram-lhe colocadas dificuldades e impossibilitado de colocar contactos de advogados ou sociedades de advogados na lista de contactos para fazer chamadas telefónicas.

      Foi-lhe negada a possibilidade de colocar o contacto dos serviços do Ministério Público bem como das embaixada da ..., na sua lista de contactos permitidos.

    27. Apenas teve o primeiro contacto com a família e 12/05/2018, por visita do irmão e da mãe.

    28. O primeiro contacto com a embaixada ..., através da sra. DD, realizou-se apenas em maio de 2018 por intermédio do seu irmão, ....

    29. A primeira vez que o ora requerente teve a possibilidade de efetuar compras na cantina foi em 11/06/2018. Ver doc junto em anexo sob nº 5.

    30. Apenas nesse mês de junho de 2018 o requerente teve a possibilidade de contactar a embaixada do seu pais e procurar um advogado que o defendesse.

    31. Ficou assim durante largos meses preso, impossibilitado de se defender.

      A advogada que lhe foi nomeada não falava ..., ... nem ... pelo que a sua defesa ficou impossível de se concretizar.

      O ora recorrente não mantinha confiança na advogada nomeada.

      Tentou escolher um advogado que fosse da sua confiança mas essa possibilidade foi-lhe negada.

      O ora recorrente entende que não lhe foram, por isso, concedidas as condições mínimas necessárias para a preparação e exercício da sua defesa no processo.

    32. Não lhe foi permitido o acesso ao processo, com excepção das notificações que lhe foram remetidas em língua portuguesa.

    33. Verifica-se que foi assim violado o estatuído nos artigos 86.º, n.º6 alínea c), artigo 61.º n.º 1 g) do Código de Processo Penal Português bem como na alínea b) do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    34. Requereu ao Tribunal que pudesse apresentar a sua defesa, com o pouco que tinha preparado, tendo sido negado esse seu pedido.

    35. Foi-lhe negada a possibilidade de falar sobre o processo, sobre as restrições e violações dos seus mais básicos direitos que ocorreram durante o processo, em violação flagrante do consagrado na alínea c) do artigo 6.º n.º 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    36. Ao não lhe ser permitido contrainterrogar as testemunhas, o requerente viu ser-lhe negado o direito ao contraditório, consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa bem como no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    37. A sentença não lhe foi notificada por escrito, nem em português nem na sua língua materna.

    38. Constata-se assim que foram gravosamente desrespeitados os mais elementares direitos de defesa do requerente, nomeadamente o de escolher defensor e ser por ele assistido em todos os atos do processo, o direito a contraditar as acusações que lhe foram feitas, o direito a intervir no processo.

    39. Não lhe notificado pessoalmente da sentença condenatória na sua língua materna, nem noutra, pelo que o seu direito de recurso fica igualmente prejudicado.

    40. Mesmo sem ter recebido pessoalmente a sentença, sentindo-se injustamente preso, sem possibilidade de exercer a sua defesa, o arguido apresentou recurso, elaborado pelo seus próprios meios, junto do processo sem que o tribunal lhe tenha dado resposta, nem sequer indicado motivos para não lhe responder, ver doc. junto em anexo sob o nº 6, 42º Durante todo o processo, o arguido viu os advogados que lhe eram nomeados serem substituídos rapidamente, obstando à criação de uma relação de confiança que lhe permitisse preparara defesa.

    41. Acresce que, na fase de preparação do recurso, a sua possibilidade de defesa foi ainda mais afetada pela realização de greve do corpo dos guardas prisionais que durou até 6 de janeiro de 2019.

    42. Durante esse período, o advogado entretanto nomeado, dr. GG, não pôde contactar com o recluso e o tribunal não reconheceu a situação de factual de justo impedimento negando a admissão de recurso que o advogado havia preparado e apresentado, de imediato, no primeiro dia em que lhe foi possibilitada a visita ao recorrente.

    43. Efectivamente, o advogado por requerimento de 04 de dezembro de 2018, v. doc. em anexo junto sob o nº7 deu conta da situação de justo impedimento que impossibilitava o contacto com o ora recorrente e requeria que o prazo contasse apenas quando cessasse essa situação.

    44. Por despacho de 18 de dezembro de 2018, o tribunal decidiu indeferir o incidente de justo impedimento e indeferir o pedido de recomeço da contagem integral de prazo para interposição de recurso. ver doc junto em anexo sob o nº 8.

    45. A defesa do recorrente apresentou recurso em 07 de janeiro, logo que teve contacto com o recorrente, do despacho que não reconheceu o justo impedimento nem concedeu a contagem do prazo com a recontagem após a interrupção, cfr. documento que se junta sob o doc. nº 9.

    46. Na mesma data, fortemente condicionada pela limitação de contactos com o arguido resultante da greve do corpo dos guardas prisionais conjugada com a contagem do prazo que o tribunal estipulada pelo tribunal, ainda assim, a defesa apresentou recurso da decisão condenatória, cfr. documento junto sob o nº 10.

    47. Ainda assim, o tribunal recusou admitir o recurso da decisão condenatória aceitando somente o recurso do despacho de 18 de dezembro conferindo-lhe efeito devolutivo.

    48. A defesa do...

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