Acórdão nº 12/12.1TBGMR-F.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução14 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 6.ª Secção I. RELATÓRIO

  1. Por sentença datada de 16.1.2012, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de AA e BB, na sequência da apresentação à insolvência efectuada por estes devedores em 2.1.2012.

  2. Por despacho de 26.6.2012, transitado em julgado, foi liminarmente admitido o incidente de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes aquando da sua apresentação à insolvência, tendo sido fixado como rendimento disponível todas as quantias recebidas que excedessem os € 750,00 mensais.

  3. Em 3.10.2017 vieram os insolventes requerer que (i) se declarasse encerrado o processo de insolvência para que fosse possível iniciar-se o período de «cessão do rendimento disponível» e que (ii) o rendimento indisponível fosse fixado no montante equivalente a um salário mínimo nacional para cada um dos insolventes, argumentando que despendem mensalmente € 400,00 em medicação e aduzindo que o aumento do custo de vida dos últimos 5 anos tornavam insuficiente para a sua vida minimamente digna o montante que foi fixado em 2012.

  4. O Tribunal de 1.ª instância considerou que não estava demonstrada a verificação de uma efectiva alteração da situação vivenciada pelos insolventes aquando da prolação do despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante e, por isso, indeferiu a pretensão de alteração do valor do rendimento indisponível.

  5. Inconformados, os insolventes interpuseram recurso de apelação, que motivaram a final com as seguintes conclusões: «1.

    Tem o presente recurso por objecto o douto despacho prolatado pelo tribunal a quo no decurso dos presentes autos, com a referência n.º ....

    1. Por não se verificar in casu qualquer uma das hipóteses estatuídas no art. 238º do mesmo diploma legal, foi proferido a 26 (vinte e seis) de Junho de 2012, douto despacho inicial de exoneração do passivo restante, na sequência do qual foi fixado como rendimento indisponível dos insolventes a cifra de € 750,00 (Setecentos e cinquenta euros).

    2. No seguimento do proferimento do despacho supra enunciado, e atento o tempo decorrido (seis anos) vieram os aqui apelantes por requesto datado de 3 (três) de Outubro de 2017, ao qual foi atribuído a referência n.º …, peticionar o aumento da quantia indisponível.

    3. Por despacho datado de 26 (vinte e seis) de Abril do transacto mês, veio o Tribunal a quo indeferir o Requerido com os seguintes fundamentos: (…) Quanto à alteração do valor do rendimento disponível: começando pela apreciação deste pedido, não poderá deixar de se dizer que a alteração apenas se justificaria se se tivesse verificado uma alteração das necessidades do agregado familiar composto unicamente pelos insolventes.

      E desde já se adianta que não resulta dos autos que assim seja. Em primeiro lugar, e só após pedido de esclarecimentos, vieram os insolventes reconhecer que as alegadas despesas medicamentosas que quantificam em €400 se reportam unicamente a problemas de saúde da insolvente-mulher e não a problemas de saúde de ambos.

      Logo, e considerando que aquando da prolação da decisão de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante o Tribunal já havia valorado uma despesa medicamentosa elevada (€ 150/mês), a única hipótese de alteração do montante prender-se-ia com um eventual acréscimo entretanto verificado.

      Pois bem.

      Do atestado de doença junto aos autos a fls. 274 resulta que todas as patologias para as quais a insolvente-mulher toma medicação encontravam-se já diagnosticadas aquando da prolação do despacho que fixou em €750 o valor do rendimento indisponível, pelo que não se pode afirmar ter existido uma alteração significativa da situação clínica da devedora que tenha acarretado um acréscimo não despiciendo de despesas médicas.

      Por outro lado, e analisados os recibos de farmácia juntos aos autos, constata-se que alguns deles se reportam a aquisições que em nada se relacionam com a medicação que a insolvente-mulher tomará diariamente (é o caso de dulcogas, depuralina, luvas de latex, stagutt detox, moviprep ou o champô Dercos), pelo que naturalmente que tais aquisições não poderão ser valoradas como gastos médicos necessários.

      Acresce que igualmente não resulta minimamente demonstrado que as aquisições efectivas de medicamentos sejam mensais: só para se ter uma ideia, no recibo de farmácia de fls. 265 constam duas embalagens de prozac, num total de 112 cápsulas, quando, e segundo a informação do médico assistente da insolvente, esta apenas tomará 1 cápsula/dia.

      Sendo assim, as 112 cápsulas adquiridas pela insolvente mulher correspondem a medicação para quase 4 meses, obviando a que até ao natal voltasse a gastar quaisquer quantias na aquisição deste medicamento.

      Por fim, e no que se refere ao argumento do aumento do custo de vida, diga-se que o mesmo não tem correspondência com a realidade: de acordo com os dados disponíveis no INE, a taxa de inflação, de 2012 a este ano, foi, respectivamente, de 0,3% (2013), 0,5% (2015), 0,6% (2016) e 1,4% (2017), tendo havido uma descida generalizada dos preços (com uma taxa negativa de 0,3%) no ano de 2014. Ou seja, os preços têm-se mantido praticamente inalterados nos últimos 5 anos.

      Não estando demonstrada a verificação de uma efectiva alteração da situação vivenciada pelos insolventes aquando da prolação do despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, não resta se não indeferir a pretensão de alteração do valor do rendimento disponível.

      Notifique.

      (…) 5.

      Acontece que tal silogismo jamais pode ser aceite, uma vez que, a quantia indisponível fixada para ambos os Apelantes se mostra inidónea a suportar as mais elementares despesas daqueles, colocando em causa, não só, a subsistência dos mesmos, como também a preconizada reestruturação económica e, bem assim, o fresh start inerente à axiologia e teleológica do instituto da exoneração do passivo restante.

    4. Tanto mais que, conforme se extrai no decurso dos presentes autos de insolvência, o volume de despesas dos Devedores, aqui Insolventes, sofreu um aumento significativo, derivado do normal desenvolvimento / agravamento do estado de saúde da Insolvente mulher.

    5. Não esqueçamos que o Despacho de fixação da quantia indisponível não foi proferido há poucos meses, mas antes há seis anos! 8.

      Pelo que, naturalmente, o preço da medicação da Insolvente mulher não estagnou, sofrendo um natural aumento.

    6. Disse e bem o Tribunal a quo que, aquando de tal despacho havia valorado uma despesa médica elevada na cifra dos €150,00 (Cento e cinquenta euros).

    7. Todavia, ignora as despesas efectivas e actuais dos insolventes, utilizando um raciocínio que deveria concluir por uma decisão diversa da prolatada.

    8. Veja-se o Extracto da ... junto aos autos, corroborado pelos recibos igualmente juntos, cuja quantia ali gasta pelos Insolventes em Agosto de 2017 foi de €376,00 (Trezentos e setenta e seis euros).

    9. Antes de mais, os bens adquiridos pelos Insolventes e que no entendimento do Tribunal não correspondem a qualquer medicação, Dulcogas, Depuralina, Luvas de latex, Stagutt Detox, Moviprep e o champô Dercos, ascendem, na totalidade, a um montante de € 54,23 (Cinquenta e quatro euros e vinte e três cêntimos).

    10. E não se diga que tal não corresponde a bens essenciais aos Insolventes, pois que são bens adquiridos numa Farmácia, de primeira necessidade, e não numa qualquer loja de marcas de luxo.

    11. Pelo que tais despesas sempre deverão ser analisadas no quadro geral de gastos dos Insolventes, pois que, se bem examinarmos, são bens que um dito Homem Médio sempre deverá dispor nas suas habitações e, naturalmente, pagar por eles.

    12. No entanto, fazendo o raciocínio do douto Tribunal, ainda que reduzindo essa quantia à reflectida no dito Extracto de Conta, gastaram os Insolventes, num mês, exclusivamente em medicamentos, um montante desfasado do considerado em 2012, e que ronda € 321,77 (Trezentos e vinte e um euros e setenta e sete cêntimos).

    13. Se a este montante, e seguindo novamente o raciocínio do Tribunal a quo, ainda reduzirmos a quantia relativa ao medicamento Prozac, com um custo de € 11,94 / cada embalagem (supondo que cada embalagem tem 56 cápsulas e que a Insolvente mulher toma apenas uma por dia, isto significa que por mês gasta a Insolvente cerca de metade) ficaríamos com um custo mensal estimado em medicação de € 291,92 (Duzentos e noventa e um euros e noventa e dois cêntimos).

    14. Tanto mais que, todos os medicamentos constantes nos documentos ora juntos são efectivamente tomados pela Insolvente mulher, conforme declaração medica junta aos autos (fls. 276).

    15. Sendo certo que, ainda que admitindo as normais variações, não será de supor que os gastos mensais com medicação, atentos os elementos carreados para os autos, fiquem longe do dobro do considerado em 2012.

    16. Pelo que nunca será de acolher o entendimento de não demonstração de uma alteração efectiva vivenciada pelo Insolventes.

    17. Ademais, veja-se igualmente os demais documentos ora juntos aos autos, nos quais os Insolventes demonstram o aumento da renda, que agora ascende a € 40,31 (Quarenta euros e trinta e um cêntimos), a água com um montante de € 29,59 (Vinte e nove euros e cinquenta e nove cêntimos), e a luz na cifra de €49,34 (Quarenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos) e, bem assim os gastos com a alimentação, custos ignorados pelo Tribunal a quo.

    18. Isto a aliar ao acompanhamento regular da insolvente mulher no Centro ... e, bem assim, no seu Centro de Saúde (USF ...).

    19. Além disso, o Apelante varão aufere uma pensão, por velhice, de cerca de € 477.67 (Quatrocentos e setenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), auferindo a Apelante uma pensão, por invalidez, no montante de € 379,04 (Trezentos e setenta e nove euros e quatro cêntimos).

    20. Pelo que, em obediência ao despacho inicial de exoneração do passivo restante, que impõe que ambos dos devedores cedam à Fiduciária, no seu conjunto, o montante mensal auferido que exceda € 750,00 (Setecentos...

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