Acórdão nº 32106/15.8T8LSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | MARIA OLINDA GARCIA |
Data da Resolução | 14 de Maio de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
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RELATÓRIO 1. Em 2015, AA e mulher BB propuseram ação[1] conta CC, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhes a quantia de €103.000,00, acrescida dos juros de mora a contar da citação até integral pagamento, a título de indemnização por danos morais e patrimoniais sofridos com a morte do seu filho DD.
Alegaram, para tanto, que o filho dos autores prestava serviços militares, em regime de voluntariado, na ..., estando colocado, desde ..., na Base ... n. … do ....
No dia 08.11.2001, o filho dos autores encontrava-se escalado como Condutor de Reserva ao … da Base .... Nesse dia, cerca das 13 horas e em pleno exercício das suas funções, junto à entrada da Sala de Controlo das instalações, foi atingido por um disparo de uma pistola Walter P-38, distribuída e manuseada pelo réu, 1ª … EE. Prestados os primeiros socorros, veio o seu filho a falecer, no Hospital de Santa Maria, para onde foi transportado, no dia seguinte, 09.11.2001.
O réu, durante a sua preparação militar tinha aprendido a manejar e usar a arma que utilizou nesse dia.
Nesse dia não foram efetuados quaisquer exercícios de simulação de combate ou outras atividades que requeressem a introdução de um carregador municiado na arma, nem se verificava estado de guerra ou rebelião que justificasse que o réu andasse com uma munição na câmara da arma.
Ao utilizar a arma, o réu teve consciência de que poderia ocasionar a morte da pessoa que se encontrava colocada à sua frente. O réu é responsável pelo que aconteceu ao seu filho. DD era o auxílio de seus pais (autores), tinha 19 anos de idade, era uma pessoa cheia de força e de alegria de viver.
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O réu deduziu incidente de intervenção provocada do Estado Português, com fundamento em que o acidente foi classificado como acidente ao serviço do Estado Português.
Os autores responderam (a fls. 117 dos autos) opondo-se a esse incidente, dizendo que, enquanto na anterior ação administrativa a causa de pedir era um acidente ocorrido no momento em que autor e vítima estavam no exercício das suas funções de militares da ..., o que justificou a demanda do Estado Português, nos presentes autos a causa de pedir é a prática, pelo réu, como cidadão, de um homicídio doloso, ainda que com dolo eventual.
Aquele pedido veio a ser indeferido (por despacho de fls.119 dos autos), tendo-se entendido que a relação material controvertida em que se fundamenta o pedido de intervenção foi objeto de decisão de mérito, na jurisdição administrativa, com trânsito em julgado, pelo que não poderia, de novo, ser discutida. 3. Na contestação, o réu invocou as exceções de caso julgado e de ilegitimidade, e impugnou o alegado pelos autores, concluindo pela absolvição da instância e, caso assim não se entendesse, pela absolvição do pedido.
Quanto à exceção de caso julgado alegou que os autores propuseram ação de indemnização por danos morais e patrimoniais sofridos com a morte do seu filho contra o réu e o Estado Português, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, formulando o mesmo pedido (€ 103.000,00), tendo os réus sido absolvidos.
No que à ilegitimidade concerne alegou que a morte do filho dos autores resultou de um acidente em serviço, tendo o disparo da arma ocorrido no exercício das suas funções, pelo que não poderia ser demandado, por força do DL 48051 de 1967.
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No despacho saneador (fls. 133 dos autos) a exceção do caso julgado foi considerada improcedente, por se ter entendido que na tese que sustentou a ação administrativa “o disparo que vitimou o filho dos autores foi causado pelo réu quando este se encontrava no exercício das suas funções de agente do Estado (militar da ...) e por causa desse exercício. Nessa dimensão ou leitura dos eventos naturalísticos, a causa de pedir era qualificável como um acidente de serviço e daí a demanda do Estado e do agente deste (…). Na presente ação os factos são, no essencial, os mesmos, mas com o acréscimo adquirido naquele outro processo de que, segundo a alegação dos autores, não existiam razões de serviço que justificassem que o réu estivesse, no momento do disparo a manusear a arma de fogo (…)”.
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Por decisão de 13.07.2017 (a fls.285-295 dos autos), a ação foi julgada parcialmente procedente, tendo o réu sido condenado a pagar aos autores as seguintes indemnizações: - €40.000,00 a cada um dos progenitores, pelo dano da morte do filho e danos patrimoniais próprios; - €10.000,00 em comum a ambos, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo filho; Ambas as quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal dos juros civis, desde a data da sentença até integral pagamento.
Foi ainda o réu condenado a pagar: - €13.000,00 em comum a ambos os autores, por danos patrimoniais futuros, desde a data da citação do réu para a ação (18.12.2015) até integral pagamento.
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Inconformado com a decisão, o réu interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Os recorridos não apresentaram contra-alegações.
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O TRL, por acórdão de 25.01.2018, julgou a apelação improcedente e confirmou a decisão recorrida.
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Inconformado com a decisão do TRL, o recorrente interpôs recurso de revista excecional (a fls. 358 e seguintes) invocando a existência de contradição entre o acórdão recorrido e uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo (reportada numa notícia de jornal), sobre a morte de um militar por outro militar, estando ambos em serviço, na qual o Estado Português teria sido condenado.
Nas suas alegações de recurso formulou as seguintes conclusões: «
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O Réu já foi julgado pelos mesmos factos no processo 2481/04.BELSB em que foi absolvido e daí o caso julgado.
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O Réu excecionou a ilegitimidade para esta acção, uma vez que o D.L.48051 de 21 de Novembro de 1967 - eximem-no da responsabilidade no plano das relações externas.
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Por despacho de 3.12.02, exarado por Sua Excelência o Chefe do Estado Maior da ..., considerou que a morte do 1º … DD, ocorreu “em serviço”.
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A douta sentença considera a actuação do Réu, ora recorrente, ilícita, e daí que tivesse de aplicar o art. 6º do D.L. 48051, chamando o Estado à acção.
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De acordo com o Serviço de Justiça Disciplinar Militar, o disparo acidental pelo … de Serviço (o Réu) produziu um acidente que pode ser atribuído ao risco genérico que envolve o uso de armas.
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O disparo involuntário produzido pela própria arma não é um comportamento ilícito, e daí que não estejam preenchidos os requisitos da responsabilidade civil (art. 483º n.1 do CC) o facto voluntário a ilicitude e a culpa ou nexo de imputação.
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A responsabilidade civil extracontratual do Estado rege-se pelo disposto no D.L. 48051/67 de 21.11, e dispõe o art. 2º...
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