Acórdão nº 3422/15.9T8LSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução14 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I. Relatório 1. AA intentou, em 03/02/2015 e em defesa dos interesses dos pequenos acionistas do BB, ação popular, com processo comum, contra vinte e sete Réus, pedindo a condenação solidária destes a indemnizar aqueles acionistas, cada um deles em montante correspondente à diferença entre o valor atual das ações que detêm (€0,0) ou o preço pelo qual as tiverem alienado após o aumento do capital de 2014 e o valor (€0,65) a que as ações do BB foram vendidas aquando desse aumento de capital.

2.

Por decisão de 16/06/2016, o tribunal de 1.ª instância declarou deserta a instância, por ter entendido que os autos estavam a aguardar o impulso processual da autora, no tocante às diligências de citação dos réus, há mais de seis meses.

3.

Não se conformando com esta decisão, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

4.

A Relação de Lisboa veio a julgar improcedente o recurso de apelação.

5.

Inconformada com tal decisão, a A./Apelante veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. O recurso é admissível enquanto revista ordinária, uma vez que não há sobreposição de julgados, nomeadamente quanto à fundamentação das decisões das instâncias.

  1. Caso assim não se entenda, deve o recurso ser admitido enquanto revista excepcional, porquanto: 3ª. Está em causa questões de grande relevância jurídica - transversais a todo o direito adjectivo - nos termos do art. 672.º, n.º 1, al. a).

  2. Estão em causa interesses de particular relevância social - discutem-se valores elevados, correspondentes em grande parte às poupanças de um número elevado de pessoas, que não podem ser defendidos, na sua plenitude, se não por via da apreciação (e desejável procedência) deste recurso – nos termos do art. 672.º, n.º 1, al.b).

  3. Há contradição de julgados entre a decisão em crise e acórdão de outro tribunal superior sobre a mesma questão fundamental de direito - nos termos do art. 672.º, n.º 1, al. c).

  4. Nos termos do art. 281.º do CPC, "considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses".

  5. Nenhum dos pressupostos desta causa de extinção da instância se encontra preenchido no caso sub judice.

  6. A acção encontra-se ainda na fase da citação, fase esta que, nos termos do art. 226.º, n.º 1, do CPC, obedece à regra da oficiosidade. Por maioria de razão, se as diligências de citação não dependem de despacho judicial, muito menos dependem de requerimento do autor.

  7. Ainda que se entendesse que o processo se encontra parado (o que não é verdade, pois sempre existiu actividade processual relativamente aos demais réus), não se pode afirmar tal é consequência de falta de actividade da autora, pois os actos a praticar para dar continuação a acção são actos que devem ser praticados pela secretaria.

  8. A Recorrente nunca notificada para tomar posição quanto a qualquer questão relativa à citação dos Réus.

  9. Ainda que se considere que a secretaria se encontra inactiva a aguardar "instruções" da parte, seria ainda necessário que tal inactividade da Autora fosse resultado de negligência desta em promover o andamento dos autos, revelando assim desinteresse pela sorte da acção, sendo que a Recorrente não se desinteressou da acção, tendo, sempre que lhe foi possível, respondido às solicitações do tribunal.

  10. Os actos que se encontram por praticar não são actos que se possa razoavelmente exigir que pratique, pois a Recorrente não tem meios para descobrir o paradeiro dos citandos ou a identidade dos herdeiros e, quanto à tradução, a Autora chegou a pedir orçamentos para o respectivo custo, e obteve resultados na ordem das dezenas de milhares de euros, pelo que a demora ou hesitação na apresentação de tal tradução não se pode imputar a negligência, mas sim a cautela na gestão dos seus meios financeiros.

  11. Falta pois verificar-se o pressuposto da negligência.

  12. Também não se encontra preenchido o requisito do prazo, pois entre a última notificação que recebeu do tribunal - a 11.12.2105 - e o requerimento de diligências que seguidamente apresentou – a 19.05.2106 - não AArreram seis meses.

  13. Ao longo do processo, nunca o mesmo esteve parado a aguardar impulso da Autora, antes continuando sempre a ser praticados os mais diversos actos.

  14. Pelo que a Autora nunca ficou com a convicção de estar o processo "a aguardar" actuação sua, que acreditou poder ser retomada quando para isso dispusesse dos necessários elementos.

  15. A data de deserção considerada no acórdão recorrido perdeu eficácia pela prática de actos pelo tribunal posteriormente àquela data, pois tal prática permite à Autora a justa convicção de não estar a instância deserta.

  16. A declaração da deserção tem efeitos constitutivos, podendo as partes, eficazmente, praticar actos de impulsão do processo antes de a deserção ser julgada, a ela obstando.

  17. O tribunal deveria ter advertido a Autora do risco de deserção, não o tendo feito, não poderá depois julgar a deserção, sem antes conceder às partes prazo para dar impulso aos autos.

  18. A deserção não pode ser julgada sem previamente ser dada às partes oportunidade de se pronunciarem sobre a existência de negligência.

  19. Dispõe o art. 35.º do CPC que, "no litisconsorcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes".

  20. A falta de impulso processual que se discute nos autos não respeita a todos os Réus - no total de 27 - mas apenas a 5 deles (um por falta de habilitação de herdeiros e os restantes 4 por falta de citação), nenhum obstáculo existindo quanto à prossecução dos autos em relação aos restantes 23 Réus, sendo admitida a extinção parcial da instância.

  21. Caso se entenda que a posição dos Réus deve ser una, os actos praticados no processo em relação aos demais réus, seguindo a sua normal tramitação, devem obstar à deserção.

  22. A interpretação que o tribunal fez do art. 281.º, n.º 1., do CPC, no sentido de ser de decretar a deserção da instância sem convite prévio à parte para se pronunciar quanto à existência de negligência, e também quando a inactividade da parte, tendo durado seis meses a dado momento do processo, se tenha posteriormente interrompido mediante prática de acto posterior, é inconstitucional por violação do princípio do acesso à justiça previsto na constituição e do princípio da confiança decorrente do art. 2.º, que prevê o estado de Direito Democrático.

    E conclui pela revogação do “acórdão recorrido e, consequentemente, ser substituído por decisão que: a) Ordene o prosseguimento dos autos, com a realização das diligências requeridas pela Autora no seu req. de 19.05.2016 e com as diligências necessárias à citação dos réus residentes no estrangeiro; b) Subsidiariamente, ordene a notificação da Autora para se pronunciar sobre a falta de impulso processual, quanto aos 5 réus em relação aos quais essa falta se verifica, ordenando a prossecução dos autos quanto aos demais réus.

    1. Subsidiariamente ainda, caso se mantenha a decisão de deserção da instância quanto aos 5 réus em causa, ordene o prosseguimento dos autos quanto aos 22 Réus não afectados pela falta de impulso processual.

    Mais se requer, ao abrigo do nº. 2 do artigo 686.

    º do CPC, a realização do julgamento do presente recurso com intervenção do pleno das secções cíveis”.

    6.

    Os Recorridos CC, DD, EE, S.A., FF e GG contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: - O Recorrido CC – 1ª. A interposição de um segundo recurso de uma mesma decisão judicial não é legalmente admissível; 2ª. O pedido da Rec.te para que seja considerado "sem efeito" o 1º recurso de revista por ela interposto vale como desistência; 3ª. A AA, ora Rec.te, não reúne as condições necessárias para interpôr recurso, por isso que não dispõe de legitimidade para a acção popular para protecção de interesses homogéneos ou colectivos de investidores não qualificados em instrumentos financeiros; 4ª. A revista comum não é admissivel, por se verificar a dupla conforme; 5ª. A revista excepcional não é admissível, por não se verificarem as condições previstas no artº 672° n° 1 alíneas a), b) e c) do Cód. de Processo Civil; 6ª. A "falta de impulso processual" imputável à parte sobre quem impende o ónus desse impulso não significa "paragem total" do processo; 7ª. A falta de impulso processual imputável à ora Rec.te reporta-se a uma multiplicidade de situações, cada uma delas, por si só, caracterizadora de deserção; 8ª. A resposta da ora Rec.te ao pedido de declaração de extinção da instância, por deserção, deduzido por CC, não tem a virtualidade de neutralizar os efeitos da inactividade negligente daquela prolongada por mais de seis meses; 9ª. A Rec.te foi notificada do pedido de declaração de extinção da instância, por deserção, e pronunciou-se sobre o mesmo, pelo que não tinha qualquer cabimento a repetição da sua audição; 10ª. A lei não impõe que a decisão que julga deserta a instância seja procedida de despacho cautelar ou de alerta; 11ª. A lei não exige, no caso vertente, a prévia audição do Ministério Público, como não exige também a prévia audição do autor responsável pelos "comportamentos lesivos dos interesses em causa", pelo que não ocorre a nulidade arguida no inadmissível segundo recurso de revista; 12ª. Se nulidade existisse, a mesma sempre devia ter-se como sanada nos termos do artº 194° nº 1 do Cód. de Processo Civil; 13ª. A figura da "deserção parcial" não tem consagração legal; 14ª. O comando do art'º 281° n°1 do Cód. de Processo Civil não enferma de qualquer inconstitucionalidade, menos ainda por violação do princípio da protecção da confiança que decorre do artº 2° da Constituição da República Portuguesa; 15ª. A arguição da inconstitucionalidade do disposto no artº 281° nº 1 do Cód. de Processo Civil, na interpretação que a Rec.te dele faz, não tem qualquer sentido, tendo em...

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