Acórdão nº 27383/17.0T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelFERREIRA PINTO
Data da Resolução08 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 27383/17.0T8LSB.L1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1] Acordam nesta Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I Relatório:

  1. AA instaurou, em 15 de dezembro de 2017, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa, Juiz 8, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, emergente de contrato trabalho, contra “BB”, peticionando que: 1. A Ré seja condenada a reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre ambas; 2. Seja declarada a ilicitude do seu despedimento.

    A pagar-lhe: 3. Os créditos emergentes do contrato de trabalho; 4. As retribuições que deixou de auferir desde 14/11/2017; 5. A indemnização de antiguidade; 6. Uma indemnização a título de danos não patrimoniais; 7. Uma indemnização a título de danos patrimoniais; 8. Juros moratórios vencidos e vincendos.

  2. Para o efeito, alegou, em resumo, que foi admitida pela Ré, em 01.02.2015, para desempenhar as funções de “CC”, mediante a remuneração mensal de € 10.000,00, através de contrato escrito celebrado a 13.11.2014, e que até fins de maio de 2016 a Ré estava instalada em ....

    A partir de 27.06.2016 a Ré mudou os escritórios para Lisboa, tendo celebrado novo contrato escrito a 04.05.2016, com início a 01.04.2016, para exercer as mesmas funções e com o pagamento do mesmo valor mensal.

    Foi vítima de discriminação retributiva negativa em razão do sexo e foi despedida, através de comunicação escrita, com efeitos a partir de 31.12.2016 e sem precedência de processo disciplinar, o que lhe causou danos morais e patrimoniais.

    Por fim, alegou que os pactos de jurisdição estabelecidos nos dois contratos celebrados, atribuindo competência aos Tribunais Ingleses e Galeses, são nulos atento o disposto nos artigos 23º e 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 de 12.12.

  3. Realizou-se a Audiência de partes, que se frustrou, pois não houve conciliação.

  4. A Ré, na sua contestação, negou a natureza laboral da relação contratual existente entre ambas, e, no que interessa para o presente recurso, excecionou a incompetência internacional dos tribunais portugueses, invocando a existência de pactos de jurisdição celebrados entre as partes, de acordo com os quais apenas as jurisdições inglesa e galesa são os competentes para dirimir os litígios emergentes da relação contratual em causa.

  5. A Autora respondeu, sustentando a competência dos Tribunais do Trabalho Portugueses para conhecer dos pedidos formulados nesta ação.

    f) No âmbito do despacho saneador, foi conhecida a invocada exceção da incompetência internacional dos Tribunais do Trabalho Portugueses, tendo-se decidido o seguinte.

    Em sede de contestação veio a R. invocar a incompetência internacional deste Tribunal porquanto alega que a apreciação do litígio não pode pertencer aos Tribunais portugueses na medida em que a R. é uma organização estrangeira, o trabalho foi prestado maioritariamente em ... e só no final do contrato é que foi em Portugal, o domicílio da A. durante o período de trabalho foi na ..., o contrato foi celebrado na ..., concluindo que nenhum facto ocorreu em Portugal exceto os últimos meses do contrato.

    Mais pugna pelo facto de sendo uma prestação de serviços e não um contrato de trabalho por essas regras tem de ser aferida a competência.

    Vejamos.

    Antes de mais a questão essencial reside em saber se existe um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços, donde para questões dessa natureza, configurada a ação como sendo de contrato de trabalho, naturalmente a competência é exclusiva do foro laboral.

    É o modo como o A. configura o “thema decidendi” que determina o pedido e em face deste a competência do tribunal.

    Mas questão diversa reside em saber se os tribunais portugueses são competentes para decidir de tal pretensão.

    *** A questão suscitada prende-se, fundamentalmente em saber se o Tribunal do Trabalho em Portugal, e este em particular é o competente para conhecer da presente ação ou se, pelo contrário, é competente um tribunal de um outro país.

    *** Antes de mais temos por assente, para o que ora releva que: a). A A. é nacional da ... e tem o seu domicílio em Portugal; b). A R. é uma organização internacional com sede na ... e representação em Portugal; c). A A. celebrou com a R. um contrato que estabeleceu o foro jurisdicional de competência exclusiva para decisão dos litígios em ... e ...; d). Durante a execução do contrato, desde o seu início em 1 de fevereiro de 2015 até finais de maio de 2016 a A. residiu na ... e prestou o seu trabalho nesse país; e). De 27 de junho de 2016 a novembro de 2016 a A. prestou o seu trabalho para a R. em Lisboa; f) A A. peticiona créditos emergentes do que considera ser um despedimento ilícito e derivados da execução do contrato mencionado em c).

    *** A competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses encontra-se regulamentada no art.º 10º do Código de Processo de Trabalho o qual preceitua que na “competência internacional dos tribunais de trabalho estão incluídos os casos em que a ação pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste código, ou por terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na ação”.

    Como se vê a norma não auxilia muito na resolução da questão em apreço. E neste tocante, fácil vai ser constatar que o domicílio do trabalhador não é o critério internacional seguido.

    Estando em causa a existência de uma relação de trabalho subordinado firmada entre duas partes domiciliadas em Estados-Membros, a sua cessação (considerada ilícita pelo Autor) e os créditos laborais daí derivados, é aplicável o regime dos artigos 20º a 23º do Regulamento (CE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, que veio substituir o regulamento n.º 44/2001, de 16 de janeiro. Neste mesmo sentido decidiu o acórdão do STJ de 17/1/2007, in www.dgsi.pt.

    Estes preceitos, essenciais para a resolução da exceção invocada, não podem deixar de ser reproduzidos para melhor resolução da questão. Inserem-se na seção 5 cuja epígrafe é precisamente a “Competência em matéria de contratos individuais de trabalho”: Artigo 20º 1. Em matéria de contrato individual de trabalho, a competência é determinada pela presente secção, sem prejuízo do disposto no artigo 6.º, no artigo 7.º, ponto 5, e, no caso de ação intentada contra a entidade patronal, no artigo 8.º, ponto 1.

    2. 2. Se um trabalhador celebrar um contrato individual de trabalho com uma entidade patronal que não tenha domicílio num Estado-Membro, mas tenha uma filial, agência ou outro estabelecimento num Estado-Membro, considera-se, quanto aos litígios resultantes do funcionamento dessa filial, agência ou estabelecimento, que a entidade patronal tem o seu domicílio nesse Estado-Membro.

    Artigo 21.º 1. Uma entidade patronal domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada: a). Nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio; ou b) Noutro Estado-Membro: I. No tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho, ou no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho, ou II. Se o trabalhador não efetua ou não efetuava habitualmente o seu trabalho num único país, no tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.

    2. Uma entidade patronal não domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada nos tribunais de um Estado-Membro nos termos do n.º 1, alínea b).

    Artigo 22.º 1. A entidade patronal só pode intentar uma ação nos tribunais do Estado-Membro em que o trabalhador tiver domicílio.

    2. O disposto na presente secção não prejudica o direito de formular um pedido reconvencional no tribunal em que, nos termos da presente secção, tiver sido intentada a ação principal.

    Artigo 23.º As partes só podem derrogar ao disposto na presente secção por acordos que: 1. Sejam posteriores ao surgimento do litígio; ou 2. Permitam ao trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção.

    E no artigo 25º 1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado: a. Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; b. De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou c. No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão.

    2. Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à «forma escrita».

    3. O tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro a que o ato constitutivo de um trust atribuir competência tem competência exclusiva para conhecer da ação contra um fundador, um trustee ou um beneficiário do trust, se se tratar de relações entre essas pessoas ou dos seus direitos ou obrigações no âmbito do trust.

    4. Os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares de atos constitutivos de trusts não produzem efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 15.º, 19.º ou 23.º, ou se os tribunais cuja competência pretenda afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 24.º.

    5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato.

    A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido.

    Donde, conjugando o art.º 23º com o art.º 25º (da seção 7) concluímos que...

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