Acórdão nº 2758/15.3T8BCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 11 de Abril de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e cônjuge BB (A.A.) instauraram, em 15/12/2015, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a CC - Instituição de Crédito, S.A. (1.ª R.) e DD (2.º R.), alegando, em síntese, que: .
O 2.º R. DD, em nome A. AA, promoveu a celebração, com 1.ª R. CC, de um contrato de financiamento para aquisição de um automóvel; .
Porém, tal contrato foi celebrado com violação dos deveres de comunicação e de informação, por parte daquela R., e com a falsificação da assinatura da A. BB, tendo sido o 2.º R. quem beneficiou em exclusivo do dito veículo, do qual os A.A. nunca dispuseram, tanto mais que não possuíam habilitação legal de condução; .
Além disso, o 2.º R. atuou de forma a que o A. marido assinasse um contrato de crédito que não queria, apenas para que aquele beneficiasse indevidamente do veículo automóvel; .
Por seu lado, a 1.ª R. aceitou o contrato que não foi assinado junto dela nem por si verificado, recusando-se depois a cancelar a inscrição em nome do A. do veículo automóvel cuja aquisição o dito contrato financiava, mesmo após a respetiva resolução por aquela R., beneficiando de uma reserva de propriedade em seu nome; .
O referido contrato de crédito acabou por ser declarado nulo, em ação judicial intentada pelos ora A.A. contra os aqui R.R.; .
Não obstante isso, desde a celebração desse contrato e mesmo após aquela declaração de nulidade, os A.A. suportaram incómodos e despesas, quer pela existência do registo do veículo em nome do A. marido quer pela falta do seu cancelamento, resultantes de: processos crimes em que os A.A. figuraram como ofendidos e o 2.º R. como denunciado; uma ação executiva instaurada contra eles pela aqui 1.ª R. e respetivos embargos de executado; uma ação declarativa movida pelos aqui A.A. contra os ora R.R. para declaração da nulidade do contrato de financiamento; uma providência cautelar deduzida pela aqui 1.ª R. contra os ora A.A.; impugnações judiciais de contra-ordenações resultantes da circulação do veículo; várias notificações para pagamento de taxas de portagem decorrentes da circulação do mesmo; perda do benefício de isenção de I.M.T. por serem tidos como devedores do imposto único automóvel; sinalização do A. marido junto da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal por falta de pagamento de quantias alegadamente devidas em virtude do contrato de financiamento; diversas deslocações que os A.A. foram obrigados a fazer; múltiplos custos inerentes à obtenção de documentação, duplicação e envio da mesma, e com honorários; .
Sendo os A.A. pessoas de parcos recursos, baixa escolaridade, simples e humildes, sofreram, com toda essa situação, medo, inquietação, angústia, stress, ansiedade, nervosismo, enorme desgosto e mau estar físico e psicológico; .
Assim, devem os A.A. ser indemnizados, pelos danos patrimoniais, no valor de € 7.500,00 e, a título de danos não patrimoniais, num valor nunca inferior a € 40.000,00.
Concluíram os A.A. a pedir que os R.R. fossem solidariamente condenados a pagar-lhes tais quantias, na proporção de 75% para a 1.ª R. e 25% para o 2.º R., acrescidas de juros de mora, à taxa de juro supletiva, desde a citação.
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Citada a 1.ª R. por carta registada com A/R e o 2.º R. mediante éditos, só aquela apresentou contestação, sustentando, em resumo, que: .
A R. se limitou a considerar como fidedignos os documentos que lhe foram enviados pelo vendedor do veículo automóvel cuja aquisição financiou e a acreditar que o mesmo teria cumprido a sua obrigação de explicar as cláusulas do contrato e de verificar a validade das assinaturas, ao contrário do 2.º R. que convenceu o A. de que apenas seria seu fiador, que não o contratante do crédito, e que falsificou a assinatura da A., no mesmo contrato de financiamento; .
Os alegados prejuízos não decorreriam do contrato de financiamento celebrado consigo, mas sim diretamente do contrato de compra e venda celebrado pelo A. marido com o vendedor do automóvel em referência, e indiretamente da omissão dos A.A. em pedirem, oportuna e judicialmente, o cancelamento do registo da respetiva propriedade a favor deles próprios; .
Não podia a R. pedir o cancelamento da inscrição da propriedade a favor dos A.A. do veículo automóvel em referência, mas apenas o cancelamento da reserva de propriedade inscrita em seu nome, devendo aqueles tê-lo pedido em prévia ação que intentaram contra si, o que não fizeram; .
Ainda que a R. tivesse pedido o cancelamento da dita reserva de propriedade, apenas teria conseguido o reforço do registo de propriedade a favor dos A.A.; .
Assim, não justifica a atribuição à 1.ª R. de uma percentagem de 75% na pretendida indemnização.
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Além disso, o direito de indemnização peticionado encontra-se prescrito, já que os A.A., desde 2009, tiveram conhecimento dos vícios que afetariam o contrato de financiamento depois declarado nulo, podendo, desde logo, ter exercido o tal direito.
Nessa base, concluiu a 1.ª R. pela improcedência da ação quanto a ela.
3.
Os A.A. deduziram resposta relativamente à exceção da prescrição, a pugnar pela sua improcedência, sustentando que: .
Só em 01/03/2015 foi proferida a decisão a declarar a nulidade do contrato de financiamento em referência, pelo que só a partir dessa data poderiam os A.A. exercer o direito de indemnização em causa, só então se tendo iniciado o prazo prescricional de três anos; .
Sendo contínua e atual a verificação dos danos invocados, nunca estaria prescrito tal direito.
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Dispensada a audiência prévia e fixado o valor da ação em € 47.950,00, foi proferido despacho saneador tabelar, seguido de despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova.
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Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 612-636, datada de 17/04/2018, a julgar a ação parcialmente procedente, decidindo: A - Condenar o 2.º R. DD a pagar aos A.A.: a) – A quantia de € 500,00 pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação; b) – A quantia de € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da prolação da sentença; B - Condenar a 1.ª R. CC, S.A., a pagar aos A.A. a quantia de € 6.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da prolação da sentença; C - Absolver os R.R. do mais peticionado.
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Inconformados, os A.A. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a alteração da decisão recorrida no sentido de serem condenados ambos os R.R. a pagar aos A.A. as quantias de € 7.950,00 e € 40.000,00, respetivamente, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Através do acórdão de fls. 705-784, datado de 18/10/2018, o Tribunal da Relação, julgando a apelação parcialmente procedente, alterou a sentença recorrida, condenando solidariamente os R.R. a pagarem aos A.A. as seguintes quantias: a) – € 2.000,00, pelos danos patrimoniais; b) – € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais.
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Desta feita, a 1.ª R. CC, S.A., vem pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, a R. vem impugnar o mesmo por discordar da aplicação e interpretação conferida às seguintes normas: - O art.º 483.º, n.º 1, do CC, por ter entendido que a não observância dos deveres previstos no Dec.-Leis n.º 133/2009, de 02/06, e n.º 446/85, de 25/10, implicam necessariamente o preenchimento da ilicitude de um facto; - O art.º 483.º, n.º 1, do CC, por ter entendido que existia culpa da Recorrente, tendo atuado pelo menos com negligência ao delegar em terceiro o cumprimento das regras de contratação a que estava adstrita (art.º 800.º, n.º 1, do CC); - Os arts.º 483.º, n.º 1, e 563.º do CC, por ter condenado a Recorrente no pagamento de indemnização quanto a danos patrimoniais, os quais não dispõem uma relação causal com os factos ilícitos, interpretando incorretamente o que se deve entender por "nexo de causalidade adequada"; - Os arts.º 483.º e 563.º , n.º 1, do CC, por ter por ter condenado a Recorrente no pagamento de indemnização quanto a danos não patrimoniais, os quais não dispõem uma relação causal com os factos ilícitos, interpretando incorretamente o que se deve entender por “nexo de causalidade adequada”; - Os arts.º 483.º e 487.º, n.º 2, do CC, por não ter valorado subjetivamente o grau de culpa da Recorrente para cada facto ilícito que objetivamente lhe imputou; - Os arts.º 496.º, n.º 4, e 494.º do CC, por não ter respeitado a delimitação do quantum indemnizatório em caso de mera culpa e demais circunstâncias do caso concreto; - O art.º 497.º do CC, por ter entendido que a responsabilidade da Recorrente e do 2.º Réu era solidária e qualificando a culpa de ambos de modo equivalente.
2.ª - A sindicância da matéria de facto efetuada pela Relação agrupou em 4 os factos geradores de responsabilidade civil extracontratual e nesse conspecto: (1) incumprimento das regras de contratação; (2) cumprimento coercivo de obrigação inexistente; (3) comunicação de incumprimento inexistente à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal; (4) não cancelamento da inscrição do direito de propriedade do veículo em causa, a favor do A. marido na Conservatória do Registo Automóvel.
3.ª – No que se reporta às consequências indemnizatórias e indo para além da discordância no que respeita à integração dos respetivos pressupostos da responsabilidade civil, insurge-se também de modo concreto a Recorrente quanto ao quantum indemnizatório e à responsabilidade solidária pelo seu pagamento; 4.ª - De modo transversal, a Recorrente não se conforma ainda com a fundamentação constante do acórdão por, em determinados momentos, se revelar inexistente (em violação da al. b) do n.º 1 do art.º 615.º, ex vi art.º 666.º, n.º 1, do CPC) e noutros por perfilhar uma aplicação de normas não invocadas nos autos por qualquer uma das partes, ou...
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