Acórdão nº 872/10.0TYVNG-8P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | GRAÇA AMARAL |
Data da Resolução | 09 de Abril de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. Nos autos de reclamação de créditos apensos ao processo de insolvência referente a AA, Lda. declarada insolvente por sentença transitada em julgado, a Sra. Administradora da Insolvência veio apresentar a lista dos créditos a que se refere o artigo 129.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), tendo sido apresentadas várias impugnações [BB e mulher CC, a fls. 22-24; DD – Construção Civil, Lda., a fls. 25-29; EE, SA. (a que sucedeu, em parte, mediante habilitação de cessionário, FF, Lda.), a fls. 100-118].
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Realizada audiência prévia (fls. 225e v), proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova (fls. 228-229), foi realizado julgamento, tendo sido proferida sentença (em 04.05.2018) decidindo[1] nos seguintes termos: “I. Julgo a impugnação de DD – Construção Civil, Lda. procedente e, em consequência, declaro verificado o respectivo crédito, no montante total de 94.793,42 €.
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Julgo a impugnação de EE, S.A./FF, Lda. parcialmente procedente e, em consequência: - declaro verificado o crédito de “EE, S.A.” no montante total de 1.008.090,77 € e qualifico-o como garantido, sendo, relativamente ao valor parcial de 727.596,41 €, crédito sob condição suspensiva; - declaro verificado o crédito de “FF, Lda.”, no montante total de 1.122.829,26 € e qualifico-o como garantido; - declaro verificado o crédito de BB e CC no montante de 10.000 € e qualifico-o como garantido.
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Julgo verificados os créditos constantes da lista dos credores reconhecidos a fls. 3-8, sob os nºs 2 a 4 e 6 a 15.
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Procedo à graduação dos créditos verificados, nos seguintes termos (por referência ao auto de apreensão a fls. 21-29 do apenso A): (…) i) Quanto ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº...(verba nº9): 1º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, atinente a IMI, respeitante a este imóvel; 2º) O crédito garantido (por direito de retenção) de BB e CC; 3º) O crédito garantido (por hipoteca) de FF, Lda.; 4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos; 5º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social; 6º) Os créditos comuns; e 7º) Os créditos subordinados.
j) (…) uu) Quanto ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…(verba nº47): 1º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, atinente a IMI, respeitante a este imóvel; 2º) O crédito garantido (por hipoteca) de EE, S.A.; 3º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos; 4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social; 5º) Os créditos comuns; e 6º) Os créditos subordinados.
vv) Quanto ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº…(verba nº48): 1º) O crédito garantido (com privilégio imobiliário especial) da Fazenda Nacional, atinente a IMI, respeitante a este imóvel; 2º) O crédito garantido (por hipoteca) de EE, S.A.; 3º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) do Estado – Fazenda Nacional, relativo a impostos; 4º) O crédito privilegiado (com privilégio imobiliário geral) da Segurança Social; 5º) Os créditos comuns; e 6º) Os créditos subordinados.
Custas pela impugnante “FF, Lda.”, pelos impugnados BB e CC e pela massa insolvente, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 1%, 2% e 96,7%, respectivamente (cf. artigos 303.º e 304.º do CIRE e artigo 527.º, nºs 1 e 2, do NCPC)”.
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BB e CC interpuseram recurso da sentença impugnando a matéria de facto fixada, tendo o Tribunal da Relação do Porto (por acórdão de 07-06- 2018), julgado procedente a apelação e, alterando a matéria de facto[2], alterou parcialmente sentença (na parte em que decidiu “declaro verificado o crédito de BB e CC no montante de 10.000 € e qualifico-o como garantido”) tendo declarado “ verificado o crédito de BB e CC no montante de 125.800.000 € e qualifico-o como garantido.
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Interpôs a credora FF - CONSULTORES DE GESTÃO, LDA.
recurso de revista, formulando as seguintes conclusões (transcrição) “1. A promitente vendedora, entretanto declarada insolvente, apenas se constituiu em mora, face ao retardamento no cumprimento da obrigação, sendo esta ainda possível à data da declaração de insolvência, não se tendo por isso a mora convertido em incumprimento definitivo.
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No contrato promessa não foi sequer fixado qualquer prazo para a celebração do contrato prometido, tendo-se apenas convencionado o seguinte: "A Escritura Pública de Compra e Venda da moradia aqui prometida vender será efectuada logo que toda a documentação se encontre pronta para o efeito em Hora e Cartório a indicar pelo PRIMEIRO OUTORGANTE" (cfr. cláusula quarta do contrato junto a fls. 234-238).
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Mesmo quando intentada a acção para fixação judicial de prazo, na qual veio a ser proferida sentença, em 20.11.2009, que fixou o prazo de 60 dias, contados da data do trânsito em julgado da sentença, para a celebração da escritura de compra e venda, o inadimplemento do devedor continua a configurar simples mora, pois a prestação (celebração do contrato prometido) ainda era possível à data da declaração de insolvência (15.03.2010) e só não foi efectuada no tempo devido.
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Para que a mora do devedor se pudesse converter em incumprimento definitivo era necessário que, ou o credor demonstrasse a perda de interesse no cumprimento da obrigação, ou a prestação não tivesse sido realizada pelo devedor dentro do prazo admonitório, adicional e peremptório, que razoavelmente lhe fosse fixado pelo credor, sendo que nada disto foi alegado.
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O contrato promessa ainda se mantinha em vigor à data de declaração de insolvência da promitente vendedora, subsistindo todos os seus efeitos jurídicos, não se podendo ter por resolvido, não obstante a mora.
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Pelo que, os promitentes compradores terão que fazer valer os seus direitos no quadro do instituto dos "Efeitos sobre os negócios em curso", nos termos previstos no art. 102° n.° 3 do CIRE, aplicável ex-vi do art. 106° n.° 2 e 104° n.° 5 do CIRE, e não nos termos previstos no art. 442° do Código Civil, como seria norma.
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Ao administrador de insolvência foi conferido um direito de escolha ou de opção - o direito de dar ou recusar cumprimento aos contratos - que aquele deve exercer sempre em função dos interesses da massa insolvente e que se enquadra perfeitamente no quadro das suas funções típicas do administrador de insolvência, sendo um direito potestativo.
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Ainda que se admita que houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, a favor dos promitentes compradores, ao contrato promessa não foi atribuída eficácia real, ficando afastada a aplicabilidade da norma do n.° 1 do art. 106° do CIRE.
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A Administradora de Insolvência optou pelo não cumprimento do contrato promessa, tendo procedido à apreensão da fracção objecto do contrato promessa a favor da massa insolvente e, posteriormente, à sua venda em sede de liquidação do activo.
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Sendo tal recusa lícita, legítima e adequada aos fins do processo de insolvência, face ao disposto no artigo 106.° do CIRE, ao direito potestativo de recusa de cumprimento dos negócios em curso.
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Será de aplicar o disposto no n.° 2 do art. 106° do CIRE que, ainda que indirectamente, remete para as regras gerais quanto aos efeitos da recusa de cumprimento do contrato pelo administrador de insolvência {cfr. art. 104° n.° 5 e 102° n.° 3 do CIRE).
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Os promitentes compradores não têm direito à indemnização correspondente ao sinal em dobro, por falharem os pressupostos da ilicitude e da culpa, plasmados no art. 442° n.° 2 do Código Civil; têm apenas um direito de crédito, qualificado como crédito sobre a insolvência, calculado com base na diferença de valor entre as prestações.
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Não tendo sido alegada nem provada qualquer diferença entre o valor do imóvel objecto do contrato prometido na data da recusa de cumprimento do contrato promessa e o preço convencionado, apenas será de reconhecer aos credores/impugnados um crédito no valor de 62.900,00 Euros (sessenta e dois mil e novecentos euros), correspondente ao sinal e aos reforços de sinal pagos à insolvente, em singelo.
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Crédito esse que será de qualificar como crédito comum, não estando garantido por direito de retenção, pelas mesmas razões e fundamentos expendidos a propósito do quantum indemnizatório.”.
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Em contra alegações os Recorridos BB e CC pugnam pela manutenção do acórdão recorrido.
II – APRECIAÇÃO DO RECURSO De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostram-se submetidas à apreciação deste tribunal as seguintes questões: ð Do direito dos Recorridos BB...
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