Acórdão nº 29/18.2YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução21 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I.

  1. AA, escrivão ..., veio interpor recurso contencioso de anulação da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura[1], de 06.02.2018 que, julgando improcedente o recurso por si interposto, manteve a deliberação do Plenário do Conselho de Oficiais de Justiça de 01.06.2017 que o condenou na pena de demissão, relativamente ao Processo Disciplinar ...

    .

    Em síntese alegou o recorrente: “Prescrição Os factos que estão na base do presente procedimento estiveram na origem do processo-crime n.º 2340/10.1TAVCT.

    Foi decidido instaurar o presente procedimento disciplinar em 4 de Junho de 2015 por deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça de 04/06/2015.

    A deliberação do Conselho Superior de Magistratura no processo é a decisão final relevante do processo disciplinar que não a do COJ.

    A decisão do Conselho Superior de Magistratura foi notificada ao arguido /requerente nos presentes autos em 9 de Fevereiro de 2018.

    Como está ultrapassado o prazo de 18 meses previsto no artigo 6.º, n.º 6 do EDTFP (sendo este o regime mais favorável ao arguido) entre a deliberação do COJ que decide instaurar procedimento disciplinar ao requerente e a data da decisão final do CSM, mostra-se prescrito o procedimento disciplinar que conduziu à aplicação da sanção disciplinar e que se impugnará.

    Esta é a jurisprudência assente e já definitivamente assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça. A este propósito e por todos veja-se o Acórdão do STJ tirado no processo n.º 21/12.0YFLSB em que foi Relator o Dr. Juiz Conselheiro Gonçalves Rocha, de 19 de Setembro de 2012.

    Assim sendo a decisão do COJ de instauração de procedimento de 4 de Junho de 2015, deveria o procedimento disciplinar ter sido concluído com decisão do CSM em 4 de Dezembro de 2016.

    E assim sendo, mostrando-se ultrapassado o prazo de 18 meses previsto no artigo 6.º, n.º 6 do novo Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, temos de considerar prescrito o procedimento disciplinar que conduziu à aplicação da sanção impugnada.

    Mas deve dizer-se que o procedimento disciplinar quanto aos factos, a todos os factos, foi instaurado no ano de 2011. (…) 1.º Os processos contra o arguido tiveram início com a comunicação ao Sr. Presidente do Conselho dos Oficiais de Justiça feita pela Sra. Dra. ..., Magistrada Judicial no Tribunal Judicial de ..., como melhor consta dos autos em fins de 2010.

    2.º Para suportar tal comunicação juntou a referida Sra. Magistrada certidões de Proc. Comum n.º 192/09.3GAPCR e 200/09.8GAPCR.

    3.º A Sra. Magistrada instaura procedimento criminal contra o arguido e pede a nomeação de instrutor para procedimento disciplinar.

    4.º Esta comunicação não tem data, mas foi recebida no COJ em 16 de Novembro de 2010.

    5.º No mesmo dia 16 de Dezembro de 2010 foi nomeado instrutor, pelo Sr. Vice-Presidente do COJ.

    6.º Foi nomeada instrutora a Sra. Dra. ... que dá início ao Processo disciplinar respectivo em 17 de Novembro de 2010.

    7.º Na referida data - 17 de Novembro de 2010 - teve início o Proc. Disciplinar n.º 243-DIS/10.

    8.º por virtude dos factos denunciados foi instaurado um processo crime ao arguido que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... - Proc. n.º 1955/16.9T8VCT.1 9.º O arguido já foi julgado e condenado pelos factos denunciados pela Sra. Juiz em 2010.

    (…) 12.º Nos termos do processo Disciplinar n.º 243-DIS/10 o arguido já julgado, foi-lhe aplicada pena que cumpriu integralmente.

    Deve notar-se ainda 13.º Que houve um outro processo-crime no Tribunal Judicial de ... pelos factos denunciados, não por factos novos, mas sim, 14.º Porque o Tribunal separou factos para que tecnicamente pudesse julgar o arguido com a presença de intervenientes que não haviam sido notificados e não estariam presentes.

    15.º Não houve factos novos nem nada mais após a comunicação de 2010 da Sra. Magistrada Judicial.

    16.º Dispõe o artigo 6.º da Lei n.º 58/2008 de 9 de Setembro que o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado um ano sobre a data em que a infracção tenha sido cometida.

    17.º Prescreve igualmente quando conhecida a infracção por qualquer superior hierárquica não seja instaurado o competente procedimento disciplinar em 30 dias.

    (…) 19.º O presente processo Disciplinar está há muito prescrito e constitui uma grosseira violação da lei pelo que deve ser de imediato sustado e arquivado.

    20.º O Sr. Presidente do COJ foi notificado dos factos imputados ao funcionário arguido em 16 de Novembro de 2010 - Proc. Disciplinar n.º 243 DIS 10.

    21.º Com tal notificação a Sra. Dra. Juiz de Direito no Tribunal Judiciai de ... juntou os inquéritos n.º 192/09.3GAPCR e 200/09.8GAPCR.

    (…) 22.º A Meritíssima Juiz de Direito deu ao COJ conhecimento de todos os factos e imputações feitas ao funcionário arguido.

    (…) 23.º De imediato o COJ ordenou a instauração do processo disciplinar n.º 243 DIS 10 e nomeou instrutor para o processo em 17 de Novembro de 2010.

    24.º Para além do Processo Disciplinar que foi instaurado, foi instaurado inquérito crime e ordenadas investigações pela P.J.

    (…) 25.º Acerca dos factos, de todos os factos imputados ao funcionário arguido houve uma profunda e exaustiva investigação quer pela PJ quer pelo M° P° quer paralelamente e servindo-se de todos esses elementos por parte do COJ.

    26.º A final de tal Proc. Disciplinar n.º 243 DIS 10 foi proferida uma decisão - Acórdão do COJ de 27 de Abril de 2012 - que aplica ao funcionário arguido a pena de suspensão por 40 dias.

    27.º Desta pena recorreu o arguido em recurso hierárquico para o Conselho Superior de Magistratura - Processo n° 2012-13/OJ que confirmou a condenação do arguido na referida pena de suspensão por 40 dias.

    28.º O funcionário arguido cumpriu a pena.

    (…) 29.º Nenhum outro facto que pudesse ser julgado como infracção penal ou disciplinar cometeu o funcionário arguido.

    (…) 30.º O presente processo disciplinar instaurado em 4 de Julho de 2015 a que se reporta à comunicação do Mº Pº relativamente ao processo de inquérito de 2010 é uma repetição do anterior.

    31.º O funcionário está a ser investigado e acusado uma segunda vez pelos mesmos factos.

    (…) 32.º Há uma clara violação da lei com grosseira violação do direito que proíbe um duplo julgamento pelos mesmos factos - é a proibição, princípio do ne bis in idem, de se julgar um funcionário pelos factos pelos quais já foi julgado.

    (…) 33.º Ocorreu já a prescrição como se alegou logo no início deste requerimento, pelo que devem os autos ser arquivados e o arguido ser absolvido e enviado em paz como é de Justiça.

    34.º Os factos foram conhecidos pelo seu superior hierárquico em 16 de Novembro de 2010 - participação da Sra. Juiz do Tribunal Judicial de ....

    (…) 35.º O processo disciplinar deveria ter ocorrido até 17 de Dezembro de 2010. Não o foi.

    36.º Poderia o procedimento disciplinar ter sido instaurado até um ano após a data das infracções, ponhamos por facilidade a mesma data do conhecimento peio superior hierárquico, não o foi até 17 de Novembro de 2011. Prescreveu, portanto.

    37.º Se tomarmos em conta o facto de os factos imputados ao funcionário arguido serem não só disciplinar, mas também penalmente considerados como infracção, a verdade é que já não se aplica a prescrição penal ao procedimento disciplinar porque disciplinarmente já foram julgados e portanto, 38.º O presente processo é ilegal violando o princípio da proibição do ne bis in idem.

    (…) 39.º O presente processo disciplinar terá sido deliberado instaurar após notificação pelo M° P° ao COJ com a Acusação proferida nos autos de Inquérito n.º 2340/10.1TAVCT.

    40.º E com base em tal notificação o COJ, em sua sessão de 4 de Julho de 2015 deliberou a instauração do processo disciplinar presente.

    (…) 41.º Que prescreveu tal direito não só pelo que anteriormente foi referido e são factos objectivamente datados, como pelo facto de a Acusação nos autos n.º 2340/10.1 TA VCT, 42.º Ter sido proferida em Dezembro de 2014, maxime Janeiro de 2015.

    (…) 43.º O funcionário arguido deduz a sua Contestação em 20 de Janeiro de 2015. Logo a acusação ter-lhe-‑á sido notificada, pelo menos 30 dias (45 dias atendendo as férias de Natal) antes.

    (…) 44.º O COJ teve conhecimento da Acusação e não instaurou o procedimento disciplinar no prazo de 30 dias. Prescreveu assim o direito.

    (…) 45.º No proc. crime n.º 2340/10.1 TA VCT está o funcionário arguido a ser julgado pelos factos a que se reporta o proc. disciplinar do COJ n.º 243 DIS 10.

    Logo os presentes Autos de Processo Disciplinar são ilegais por violação do direito e por grosseira violação do princípio do ne bis in idem.

    Concluiu o recorrente pedindo que o acto impugnado que aplica ao Autor a pena disciplinar de DEMISSÃO seja julgado nulo por violação da lei pela verificação da prescrição e pela violação do princípio do “ne bis in idem”, devendo o funcionário Autor ser absolvido com as legais consequências”.

    2.

    Cumprido o disposto no número 1 do artigo 174.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais[2], o CSM apresentou resposta em que pugnou pela improcedência do recurso, considerando não ocorrer qualquer um dos dois alegados vícios – prescrição do procedimento disciplinar e violação do princípio ne bis in idem, imputados à deliberação recorrida, já porque: I- Quanto a inexistência de prescrição do procedimento disciplinar Defendeu, em suma, o recorrido que inexiste a prescrição do procedimento disciplinar, seja nos termos do art.º 6.º da EDTFP[3] seja do actual art.º 178.º, da LGTFP[4]. E que no caso importa ter presente o disposto no n.º 3 do art.º 6.º do EDTFP que determina que quando o facto qualificado como infracção disciplinar seja também considerado infracção penal aplicam-se ao direito de instaurar procedimento disciplinar os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal. Defende ainda o recorrido que o conhecimento da infracção referido no art.º 6.º, n.º 2 do EDTFP não se basta com o conhecimento, em termos genéricos, de anomalias da prestação funcional ou do mero conhecimento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT