Acórdão nº 2142/16.1T8PTM-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução02 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrente: Estado Português Recorrida: AA O Estado Português, Ministério da Administração Interna, PSP, representado pelo Ministério Público, instaurou acção declarativa comum contra AA, não como lesado directo mas por ter satisfeito ao lesado (BB, agente da PSP) certas quantias monetárias, no valor global de 133.405,85 euros, em consequência de acidente de viação por este sofrido, cuja culpa pertenceu, em exclusivo, ao segurado da ré.

Devidamente citada para contestar, veio a ré invocar, nomeadamente, a excepção da prescrição, relativamente a parte do crédito alegado pelo autor, no montante de 80.850,34 euros, o que fez ao abrigo do disposto no artigo 498.º, n.º 2, do CC.

Oportunamente, veio a ser proferido despacho saneador no Tribunal de 1.ª instância, no qual foi julgada parcialmente procedente a excepção de prescrição invocada pela ré e foi esta absolvida do pedido de condenação no pagamento da quantia de 34.125,73 euros.

Inconformada com tal decisão e pretendendo ainda a sua absolvição quanto à condenação no pagamento da remanescente quantia relativamente à qual havia invocado a excepção de prescrição (46.724,61 euros), apelou a ré para o Tribunal da Relação de Évora.

Em Acórdão prolatado em 18.10.2018 (fls. 102 dos autos), o Tribunal da Relação de Évora julgou totalmente procedente a excepção de prescrição invocada pela ré na sua contestação e absolveu a mesma do pedido de condenação no pagamento ao autor da quantia de 80.850,34 euros.

Não se conformando com esta decisão, interpôs, por sua vez, o autor o presente recurso de revista, finalizando as suas alegações (fls. 117 e s. dos autos) com a formulação das conclusões seguintes: I - Dado que , nos termos do artº 47º nº 3 do DL nº 503/99 , a PSP, ao serviço da qual a vítima sofreu o seu acidente, é tida como lesada para efeitos do disposto nos artº 74º do CPP, justifica-se igualmente que deva ser considerada como lesada para efeitos do alargamento do prazo de prescrição previsto no artº 498º nº 3 do CC.

II - Nos casos de sub-rogação, o sub-rogado fica colocado na posição do lesado, nos termos do artº 593º nº 2 do CC, pelo que lhe deve ser aplicável o prazo que ao lesado é concedido, ou seja, o prazo alargado previsto no artº 498º nº 3 do CC.

III - No caso dos autos, estamos perante uma situação de sub-rogação legal, pelo que o prazo de prescrição é o previsto no artº 498º nº 3 do CC, por força do disposto no artº 593º nº 1 do mesmo código.

IV - A norma do nº 3 do artº 498º, colocada após as duas situações distintas constantes dos nºs 1 e 2, demonstra que o legislador quis que esse nº 3 se aplicasse a ambos os números anteriores - sendo certo que se tivesse pretendido restringir o alargamento do prazo somente à situação prevista no nº 1 teria colocado essa restrição no nº 2, ou tê-la-ia afirmado expressamente, - não podendo o intérprete distinguir onde a lei não distingue.

V - Assim, o prazo de prescrição aplicável à situação constante dos autos é o prazo alargado previsto no artº 498º nº 3 do CC - de cinco anos - , contando-se tal prazo a partir do cumprimento, o qual só ocorre, em caso de pagamentos parcelares, no momento em que o sub-rogado efectua o último dos pagamentos.

VI - Só a partir do momento em que cumpre integralmente o pagamento de todas as prestações é que o sub-rogado pode exigir o seu reembolso ao efectivo devedor responsável – pelo que só no final dos pagamentos parcelares se pode iniciar o prazo de prescrição desse reembolso.

VII - Dado que o A. Estado-PSP pagou ao lesado, trabalhador ao seu serviço, as prestações a que está obrigado nos termos do disposto no artº 46º nº 2 do DL nº 503/99, de 20/11 – assistência médica, remuneração e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho – as quais se prolongaram até ao termo dessa incapacidade, que só ocorreu em Dezembro de 2015, só a partir desta data se inicia a contagem do prazo de prescrição.

VIII – Atento o disposto no artº 306º nº 4 do CC, o direito não pode ser exercido a partir de cada pagamento parcelar, dado que nesse momento a dívida é ainda ilíquida e só se tornará líquida quando medicamente vier a ser reconhecido ao lesado o termo da sua incapacidade e realizados todos os pagamentos devidos, que constituem a obrigação de indemnizar, nos termos do artº 562º do CC.

IX - Assim, no caso dos autos, o prazo de prescrição não se iniciou parcelarmente na data de cada pagamento mensal, mas sim na data em que foi efectuado pelo A. Estado o último pagamento devido ao lesado, pelo que, à data da citação da Ré, menos de um ano depois do último pagamento, não tinha ainda decorrido o prazo de prescrição , quer se considere o de 3 anos, quer o de 5 anos, previstos no artº 498º nºs 2 e 3 do CC.

X – Embora a Ré refira no artº 8º das suas alegações, que os pagamentos parcelares são “todos autonomizáveis entre si “, não fundamenta nem faz prova dessa autonomia, sendo certo que lhe cabia o ónus da prova dessa autonomia, que não cumpriu.

XI - Os vencimentos, suplementos e subsídios recebidos pelo lesado durante todo o período de incapacidade que sofreu não podem considerar-se como revestidos de um carácter de autonomia apenas porque foram pagos mensalmente, antes constituindo parcelas de um todo, que integram o “ressarcimento antecipado e faseado de danos exclusivamente ligados às lesões físicas sofridas pelo sinistrado”.

XII - Em consequência, dado que se iniciou o prazo de prescrição na data do último pagamento ao lesado, deverá ser julgada improcedente a excepção de prescrição invocada pela R. na sua contestação, uma vez que não se encontra prescrito o direito do A., quer por aplicação do disposto no artº 498º nº 3 do CC, quer do disposto no nº 2 da mesma norma.

XIII – Não tendo assim decidido violou o douto acórdão recorrido o disposto nos artºs 306º nº 4, 498º nº 3, 562º e 593º nº 2 do CC, bem como o disposto no artº 47º nº 3 do DL nº 503/99, devendo ter interpretado tais normas com o sentido que decorre das conclusões que antecedem.

O autor apresentou contra-alegações (fls. 142 dos autos), pugnando, essencialmente, pela manutenção na íntegra do Acórdão recorrido.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são duas: 1.ª) É o disposto no artigo 498.º, n.º 3, do CC aplicável ao direito de reembolso do autor das quantias pagas ao lesado? 2.ª) A contagem do prazo de prescrição deste direito inicia-se na data de cada um dos pagamentos parcelares ou apenas na data do cumprimento integral da obrigação, i.e., na data do último pagamento parcelar? * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido: 1[1] - No dia 01-06-2010, cerca das 16H00,o Agente Principal …, BB, do efetivo do Comando Distrital de Policia de Faro, no exercício das suas funções, foi interveniente num acidente de viação, quando efetuava patrulhamento auto na Estrada da Companheira S/N, na cidade de ….

2 - O acidente ocorreu entre a viatura policial, matrícula -CN-, marca …, com a viatura civil ligeira passageiros, matricula -HJ-, marca ..., quando ambas circulavam em sentido oposto.

3 - O embate entre as viaturas foi frontal, do qual resultaram danos físicos no elemento policial sinistrado e materiais na viatura do Estado/PSP.

4 - O condutor da viatura civil, a quem foi atribuída a totalidade da culpa, transferira a responsabilidade civil para a demandada.

5 - Esta assumiu essa responsabilidade, tendo indemnizado o valor dos danos materiais da viatura policial, em € 7.718,78, tendo procedido voluntariamente à sua regularização – fls. 21 6 - A autora alegou ter pago ao Hospital ... a quantia de € 3085,87 que terá sido paga na sequência de autorização de 15 de dezembro de 2010 – fls. 42/44/46 7 - Já em 2016, a demandada foi instada pela autora a regularizar os créditos sub-rogados com os vencimentos, suplementos e demais subsídios abonados pelo Estado/PSP ao sinistrado policial até janeiro de 2011, e ainda 2/30 de vencimentos e suplementos de fevereiro de 2015 – fls. 62, 66 e 70.

8 - A autora alegou ter sido abonado ao agente da PSP a quantia de € 133 405,85, assim: durante ambos os períodos referidos de incapacidade [discriminados a seguir], abonou o valor total de: € 133.405,85 (cento e trinta e três mil, quatrocentos e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos), referentes a vencimentos, suplementos e vários subsídios a que agente policial sinistrado tinha direito, distribuídos da seguinte forma (doc. nº 4, 5 e 5-A): a) Período de Incapacidade Temporária Absoluta (compreendido entre 23 de Junho de 2010 e 23 de Janeiro de 2011), sendo: Ano de 2010: - Junho: € 1.304,83 (mil, trezentos e quatro euros, e oitenta e três...

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