Acórdão nº 18047/16.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Março de 2019
Magistrado Responsável | CHAMBEL MOURISCO |
Data da Resolução | 27 de Março de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório: 1.
AA e outros, todos identificados nos autos, intentaram a presente ação declarativa, com processo comum, contra a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), pedindo a condenação desta a:
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Garantir e proporcionar, de modo efetivo, aos autores e a todos os seus trabalhadores, um sistema complementar de segurança social, gratuito, na modalidade de seguro de saúde, que abranja, ainda, os descendentes daqueles, conferindo-lhes a opção de, a custas suas mas nas mesmas condições, incluírem os seus cônjuges como beneficiários desse contrato; b) Como concretização do referido na alínea anterior, a assinar e executar, com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2016, contrato de seguro de saúde, nas mesmas condições e que preveja as mesmas garantias e regalias, principais e complementares, constantes do caderno de encargos relativo ao concurso público que lançou em 2015; c) Reembolsar os autores e os restantes trabalhadores das quantias por si pagas na contratação de seguro de saúde, cuja liquidação relegam para incidente próprio ou execução de sentença; d) Acrescendo às quantias identificadas na alínea anterior, pagar os juros de mora, vencidos à taxa legal, desde 1 de janeiro de 2016 até integral pagamento, cuja liquidação relegam para incidente próprio ou execução de Sentença; e) Pagar a cada um dos autores uma indemnização pelos danos causados, cuja liquidação também relegam para incidente de liquidação ou execução de sentença.
Para o efeito, alegaram, em síntese, que de há muito a ré proporcionava aquele seguro aos seus trabalhadores mas durante certo período de tempo deixou de o fazer.
2.
O tribunal da 1.ª instância, nos termos do art.º 61.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, decidiu: a) – Absolver a ré da instância, por ilegitimidade dos autores, quanto aos pedidos formulados nas alíneas a) a d) do petitório, na parte em que respeitam aos demais trabalhadores da ré, que não os autores; b) – Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto aos pedidos formulados nas alíneas a) e b) do petitório, no que aos autores diz respeito; c) – Julgar a ação improcedente quanto aos pedidos formulados nas alíneas c), d) e e) do petitório, no que aos autores diz respeito, absolvendo a ré do pedido.
3.
Inconformados, os autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação, tendo este concedido parcial provimento à apelação decidindo:
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Acrescentar à matéria de facto provada a seguinte alínea: AF) Consta do Regulamento do Pessoal do HH, homologado pelos Secretários de Estado das Finanças e das Comunicações, com efeitos a partir de 01-03-1990: (…) Art.º 98.º: Os trabalhadores do ICP ficam abrangidos pelos seguintes regimes de segurança social: a) os trabalhadores a que se refere o artigo 28.º do Decreto-Lei nº 283.º/89, de 23 de Agosto, mantêm o regime de segurança social de que beneficiavam à data de integração e que abrange a inscrição na Caixa Geral de Aposentações, Montepio dos Serviços do estado e regalias de carácter social vigentes naquela data; b) os restantes trabalhadores beneficiarão do regime geral de segurança social; Art.º 99.º: 1. O ICP poderá instituir em benefício dos seus trabalhadores, esquemas complementares de segurança social ou outros benefícios de índice social. (…); b) Condenar a ré, ora apelada, a: a) Garantir e proporcionar, de modo efetivo, aos autores um sistema complementar de segurança social, gratuito, na modalidade de seguro de saúde, que abranja, ainda, os descendentes daqueles, conferindo-lhes a opção de, a custas suas mas nas mesmas condições, incluírem os seus cônjuges como beneficiários desse contrato; b) Como concretização do referido na alínea anterior, a assinar e executar contrato de seguro de saúde, nas mesmas condições e que preveja as mesmas garantias e regalias, principais e complementares, constantes do caderno de encargos relativo ao concurso público que lançou em 2015; c) No mais, manter a sentença recorrida.
4.
Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões: A. O presente recurso tem por objeto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo acima identificado, na parte e sobretudo na forma como considerou procedentes os pedidos dos Autores constantes das alíneas a) e b) do seu petitório original, em virtude de incorreta aplicação do direito à matéria de facto provada, atenta a natureza específica de pelo menos um dos sujeitos das relações jurídico-laborais sub judice - a Recorrente.
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A Recorrente é uma entidade reguladora, Pessoa Coletiva de Direito Público, com a natureza de entidade administrativa independente - artigo 3.°, n.º 3 da Lei n.º 67/2013 e artigo 3.º da Lei Quadro das Entidades Reguladores (LQER) aprovado por aquela Lei.
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A Recorrente tem atribuições de regulamentação de atividade económica, defesa de serviços de interesse geral, de proteção de direitos e interesses dos consumidores e de promoção e defesa da concorrência dos setores privado, público, cooperativo e social – artigo 3.º da LQER.
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A Recorrente é dotada de autonomia administrativa, financeira e de gestão, regendo-se pelo direito da União Europeia que lhe seja diretamente aplicável, pelas normas constantes da lei quadro das entidades reguladoras, pela legislação setorial, pelos presentes estatutos, pelos regulamentos internos e demais disposições legais que lhe sejam aplicáveis - artigos 1.° e 3.° dos Estatutos da Recorrente.
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A Recorrente é dotada de um elevado grau de independência do ponto de vista administrativo e financeiro mas tal não equivale a atribuição de poderes de autogestão absolutos e incondicionais, pois a atividade da Recorrente sempre será balizada pelas exigências legais aplicáveis, maxime pela Constituição da República Portuguesa e conformação ao princípio da legalidade, nos termos e para os efeitos, desde logo, do n.º 2 do artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa.
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Os trabalhadores da Recorrente encontram-se sujeitos ao regime jurídico do contrato individual de trabalho e encontram-se abrangidos pelo regime de segurança social – artigo 32.° da LQER e artigo 42.° dos Estatutos da Recorrente – e no Acordo de Empresa de 2009, cláusula 80.ª, estipulasse que a Recorrente poderá instituir, em benefício dos seus trabalhadores, esquemas complementares de segurança social ou outros benefícios de índole social, como vista à uniformização possível das regalias e benefícios sociais para todos os trabalhadores da Recorrente, independentemente da sua proveniência.
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Não é concretizada a forma efetiva de tais benefícios, não obstante certo é que, os instrumentos de regulamentação coletiva não podem contrariar norma legal imperativa.
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O mesmo sucede aliás no caso dos usos laborais, nos termos do artigo 1.° do Código do Trabalho a atribuição de um uso de saúde, a verdade é que estes não podem sobrepor-se a norma imperativa que disponha em sentido contrário, como segue a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça I. A condenação da Recorrente nos precisos termos em que a mesma é determinada desconsidera o papel dos usos na hierarquia das fontes de Direito do Trabalho, tal como o legislador a consagrou.
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Não podia o Tribunal da Relação condenar a Recorrente a implementar um uso determinando a mesma a celebrar e executar um contrato de seguro, inclusivamente com as especificidades e garantias estipuladas nos termos cristalizados no Caderno de Encargos relativo ao Concurso Público que lançou em 2015, sobrepondo-se e sem atender a normas imperativas que disponha em sentido contrário decorrente da natureza específica da Recorrente.
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A Recorrente encontra-se vinculada, por imposição legal, a submeter os contratos, nomeadamente, o contrato em causa nos presentes autos, à fiscalização prévia do Tribunal de Contas – cfr. al. d) do n.º 3 do artigo 5.º da LQER e al. d) do n.º 3 do artigo 3.º dos Estatutos da Recorrente – que determinam, de forma expressa e inequívoca, que é aplicável à Recorrente «o regime de jurisdição e controlo financeiro do Tribunal de Contas».
L. Os titulares dos órgãos e os trabalhadores da Recorrente encontram-se sujeitos a responsabilidade financeira a efetivar pelo Tribunal de Contas – cfr. n.
os 1 e 2 do artigo 46.° da LQER e n.
os 1 e 2 do artigo 50.º dos Estatutos da Recorrente.
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Encontram-se sujeitos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas, os termos da al. c) do n.° 1 do artigo 5.º da LOFTC, os atos e contratos de qualquer natureza que sejam geradores de despesa ou representativos de quaisquer encargos e responsabilidades, diretos ou indiretos, para as entidades abrangidas pela sua jurisdição e controlo, como é o caso da Recorrente.
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Em particular estão sujeitos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas, os contratos de obras públicas, aquisição de bens e serviços, bem como outras aquisições patrimoniais que impliquem despesa, quando reduzidos a escrito por força da lei, definindo as leis orçamentais, para vigorar em cada ano orçamental, o valor abaixo do qual os contratos ficam dispensados de fiscalização prévia, considerando-se o valor global dos atos e contratos que estejam ou aparentem estar relacionados entre si -determina a al. b) do n.º 1 do artigo 46.º, em conjugação com o artigo 48.º.
O. No orçamento de Estado para 2018 (e para 2015, 2016 e 2017) determinou-se que se encontram isentos de fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas os atos e contratos, considerados isolada ou conjuntamente com outros que aparentem estar relacionados entre si, cujo montante não exceda o valor de EUR 350 000 - cfr. artigo 164.º da Lei n.° 114/2017, de 29 de dezembro.
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Foi julgado provado o facto da alínea O) «A contratação de tal seguro coletivo de saúde (abrangendo trabalhadores e descendentes), representa para a ré, um custo médio arredondado, que pode variar em função do número de trabalhadores abrangidos, de EUR 400.000».
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À Recorrente não é permitido...
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