Acórdão nº 582/18.0YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2019
Magistrado Responsável | NUNO PINTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 14 de Março de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.
AA. intentou acção arbitral necessária contra BB.
2.
A Demandante invocou ser titular da patente europeia n.° 720 599 (EP' 720 599) e do CCP 150 e do CCP 189, concedidos tendo por patente base a já referida EP 720599.
Como titular desses direitos de propriedade industrial obteve autorização de introdução no mercado (AIM) do medicamento de referência CC, passando esse medicamento a ser comercializado em Portugal.
A Demandante teve conhecimento que a Demandada requereu autorizações de introdução no mercado (AIMs) para medicamentos genéricos Ezetimiba + Sinvastatina e genéricos Ezetimiba, princípios activos protegidos pela patente de que a Autora é titular.
Pediu, por isso, a condenação da Demandada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer qualquer medicamento genérico contendo Ezetimiba e Ezetimiba + Sinvastatina.
3.
A Demandada apresentou contestação na qual requereu que a instância fosse suspensa, nos termos do disposto no art.° 272.° do Código de Processo Civil ou que a acção seja julgada improcedente e a Demandada absolvida de todos os pedidos.
A Demandada fundamenta o seu pedido de suspensão em duas ordens de razões: Em primeiro lugar, no facto de, não obstante ter requerido o AIM, declarar que não irá iniciar a comercialização dos seus medicamentos genéricos antes da caducidade do CCP 150 (em 17/04/2018).
Em segundo lugar, na circunstância de a invalidade do CCP 189, por falta de preenchimento das condições estabelecidas no art° 3.°, alíneas a) e c) do regulamento CCP ter sido invocada em duas acções que se encontram pendentes no Io Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual, a saber: (i) processo n.° 216/16.8YHLSB, intentado pela DD LDA e (ii) processo 281/17.0YHLSB, intentada pela DD e EE; LDA.
Na perspectiva da Demandada, a pendência de uma acção declarativa de nulidade do CCP 189 constitui uma questão prejudicial relativamente àquela que é objecto do presente processo.
4.
Complementarmente, a Demandada coloca em causa o objecto da acção arbitral por considerar que o Tribunal apenas se pode pronunciar sobre pedidos que tenham relação com as AIMs em apreço nos presentes autos e não também com quaisquer medicamentos genéricos contendo os ingredientes activos ezetimiba + sinvastatina.
5.
A Demandante apresentou resposta às excepções invocadas, considerando que devem ser apreciados na acção todos os pedidos por si formulados na petição inicial e defendendo a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a alegada invalidade do CCP 189.
-
O Tribunal Arbitral proferiu despacho saneador no qual identificou os factos assentes e fixou a matéria de facto controvertida, considerando-se competente para apreciar a excepção da invalidade do Certificado Complementar de Protecção 189 suscitada pela Demandada.
-
Inconformada com esta decisão a Demandante interpôs recurso de apelação, formulando, no essencial, as seguintes conclusões: 1 - O presente recurso vem interposto pela Recorrente do Acórdão saneador proferido pelo Tribunal Arbitral de 9 de janeiro de 2018 por meio do qual este se declarou competente para apreciar e decidir da validade ou invalidade do CCP 189 com reflexo e valor inter partes, na sequência da invocação da excepção de invalidade invocada pela Recorrida Actavis.
2 - A questão sub judice no presente recurso reside em saber se, em geral, deve um tribunal arbitral ser considerado competente para poder apreciar e conhecer, em geral, da validade de uma patente ou, in casu, de um CCP.
3 - O CCP 189 foi concedido tendo por patente base a EP 720 599, do qual a Recorrente é também titular e por referência à primeira autorização de introdução no mercado europeu do medicamento contendo o produto que consiste na associação Ezetimiba+ Sinvastatina.
4 - Nos atermos do artigo 5.° do Regulamento CCP, este certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações.
5 - Um CCP ( e, portanto, também o CCP 189) corresponde em suma a um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, correspondendo a um direito de propriedade industrial absoluto e, como tal, oponível erga omnes.
6 - A equiparação entre uma patente e um CCP não se faz só quanto aos direitos conferidos, nos termos do art.° 5.° do Regulamento CCP; faz-se também quanto aos tribunais competentes para promover a sua anulação e ao processo que para tanto devem seguir.
7 - Um dos princípios basilares que preside à protecção da propriedade industrial encontra-se plasmado no artigo 4.°, n.°2 do CPI, que estabelece que a concessão de direitos de propriedade industrial implica a presunção jurídica (" iuris tantum") dos requisitos da sua concessão.
8 - O único meio facultado pelo CPI para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial é a acção de nulidade ou de anulação, a intentar pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, junto de um tribunal judicial, conforme resulta claramente do artigo 35.° n.°l e 2 do CPI.
9 - Foi intenção do legislador estabelecer uma reserva de justiça estadual e a concentrar num único tribunal especializado o contencioso sobre a validade de direitos de propriedade industrial, tornando, deste modo, inarbitrável pelo Tribunal Arbitral qualquer pretensão atinente à apreciação e conhecimento dos fundamentos de invalidade de um direito de propriedade industrial, incluindo de um CCP.
10 - Em primeiro lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial (onde se incluem os CCPs) por tribunais arbitrais prende-se, desde logo, com a natureza dos direitos em causa, pois a declaração de invalidade, com meros efeitos inter partes, redundaria, na prática, na invalidação subjectivamente parcial do mesmo CCP, a qual passaria assim a ser inválida apenas em relação à Recorrida, continuando a ser válida e oponível contra todos os outros interessados.
11 - A declaração de invalidade nestas circunstâncias destruiria a natureza de direito absoluto do direito do CCP, oponível erga omnes, sem que nada na lei autorize tal destruição.
12 - Em segundo lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial por tribunais arbitrais prende-se com a solenidade associada ao procedimento administrativo de concessão de direitos de propriedade industrial, pois, considerando a natureza absoluta dos direitos privativos que resultam do CCP e da sua patente de base, encontram-se adstritos a averbamento e inscrição no título todos e quaisquer factos que limitem, modifiquem ou extingam esses direitos.
13 - Em terceiro lugar, a inarbitrabilidade da invalidade dos direitos de propriedade industrial por tribunais arbitrais prende-se com razões de lealdade da concorrência e transparência de mercado.
14- A aceitação da apreciação da excepção de invalidade do CCP 189 em acções arbitrais poderia levar à prolação de decisões contraditórias(…).
Assim, caso a acção de nulidade ou anulação junto do TPI que foi proposta nos termos do art.° 35.° do CPI seja julgada improcedente, julgando-se válido o CCP 189, tal decisão embora eficaz erga omnes, teria de conviver com eventuais decisões arbitrais individuais que teriam considerado o CCP 189 inválido, permitindo assim a sua infracção por agentes económicos que são parte nessas acções individuais.
15 - Deste modo se conclui que, em razão de todo o exposto, não é sindicável pelo Tribunal Arbitral, ainda que em sede de excepção, a matéria da alegada invalidade do CCP suscitada pela ACTAVIS, com fundamento na alegada inobservância do disposto no art.° 3.° do regulamento (CE) n.° 469/2009.
16 - A necessidade de celeridade na resolução deste tipo de litígios não pode sobrepor e justificar o desrespeito pelos preceitos legais aplicáveis, muito menos num domínio onde a segurança jurídica deve ser um dos princípios norteadores do sistema.
17 - A posição sufragada pelo tribunal Arbitral está em total e expressa contradição com o entendimento maioritário jurisprudencial, seguido em sede tanto arbitral como judicial, em concreto pelo tribunal ad quem, o Tribunal da Relação de Lisboa.
18 - Não se ignora, no entanto que o Tribunal Constitucional se pronunciou recentemente sobre a constitucionalidade da denegação da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a validade de uma patente, com efeito inter partes, muito embora tal Acórdão não tenha força obrigatória geral.
19 - A norma constitucional que se considera violada é o art.° 20.° n.°4 da CRP, em particular a específica dimensão do direito à tutela jurisdicional efectiva designada por "proibição da indefesa”.
20 - Não apenas as premissas que fundamentam o entendimento do Tribunal são erradas , o que comprometeu a exactidão do juízo de inconstitucionalidade que proferiu, como a ponderação exigida pelo artigo 18.° n.°2 da CRP só foi feita a metade.
21- A inviabilidade de alegar a invalidade da patente, em resultado das regras de competência material do TPI, não implica qualquer perda do direito de defesa da Demandada, apenas alterando os termos em que a satisfação de tal direito pode ocorrer.
22- Admitir-se a defesa por excepção em acções arbitrais comportará consequências negativas inadmissíveis para este direito fundamental dostitulares das patentes.
23 - Significa isto que a interpretação recorrida veio admitir uma solução que legitima a violação do conteúdo essencial de um direito enquadrável na categoria dos direitos liberdades e garantias, por força do art.° 42.° da CRP (ou, pelo menos, de um direito com natureza a eles análoga, por força do art.° 62.° da Constituição), sendo pois materialmente inconstitucional por colidir com o artigo 18.° n.°2 e 3 da CRP.
24 - Em suma, uma interpretação dos artigos 35.° n.°l do CPC e 2.° da Lei n.
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