Acórdão nº 207/14.3TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelBERNARDO DOMINGOS
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Cível 2ª Secção Cível Relatório[1] « A Herança de AA (autora) intentou em 05/02/2014, uma acção contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação dos réus a restituir à autora 199.519,16€, acrescido de juros vencidos a partir de 13/11/1998 e vincendos até integral pagamento, computando em 151.967,09€ os já vencidos, "que devem ser capitalizados a partir da citação." Para tanto, alega, em síntese, que AA emprestou dinheiro ao réu, ao longo dos anos; em Fevereiro de 1995 o réu devia-lhe 25.000 mais 15.000 contos, "quantia materializada em mútuos, sem dependência de prazo: dois cheques sobre o BCP, emitidos à ordem de AA" naqueles valores; interpelou o réu para o pagamento, sem êxito; subsidiariamente, para a hipótese de os empréstimos serem considerados nulos, invoca a obrigação de restituição por força do art. 289 do CC; numa segunda parte dedicada aos factos ('factos II'), artigos 22 e segs da petição inicial (= PI), a autora diz que, em 2013, o réu veio invocar uma dívida do AA para consigo, no valor de 553.418,506, dizendo ele que ou a herança lhe pagava a dívida ou não prestava depoimento num processo judicial que terceiro tinha intentado contra a herança; na parte da PI que subordina ao 'direito', diz, ipsis verbis, que "Quanto ao momento em que o réu foi primeiramente interpelado para efectuar o pagamento, aquando do envio da relação de bens para o processo de inventário (doc. 3)." e logo a seguir acrescenta: "Poderemos fixar como data da interpelação 13/11/1998 (doc. 5)". O doc. 3 é um requerimento de inventário e o doc. 5 é composto de duas folhas iguais/repetidas, delas não constando nenhuma data; não há um único facto alegado na PI relativamente à ré.

O réu contestou a 06/11/2014, através de patrono nomeado; excepcionando a.

prescrição, dizendo que os cheques datam de 1992, ou seja foram emitidos há cerca de 22 anos, e não tinham data, pelo que o direito respectivo podia ser exercido imediatamente à sua entrega; logo, já decorreu o prazo ordinário de prescrição de 20 anos (arts. 306, 309, 303, 304, todos do Código Civil = CC); subsidiariamente alega a prescrição de todos os juros anteriores em 5 anos à notificação do réu (21/01/2014 - art. 301/do CC); a prescrição importa, diz, a absolvição do pedido (art. 576/3 do Código de Processo Civil = CPC); e (») impugnando: aceita especificadamente o teor de 6 artigos iniciais da PI [que correspondem aos factos abaixo dados como provados nos pontos 1 a 6] e diz que tudo o mais [incluindo os empréstimos] vai especificadamente impugnado por não corresponder à verdade dos factos; e a seguir diz que prestou inúmeros serviços ao AA ao longo de 8 anos e o JNG disse-lhe que os serviços lhe seriam pagos mais tarde, aceitando o réu tal promessa, nunca tendo sido feitas as contas entre ambos; quanto aos arts. 22 e segs da PI diz que são uma tentativa de falsear a realidade dos factos pela caracterização pouco abonatória do réu e entende que não são relevantes para o processo nem merecedoras de qualquer comentário; admite ter recebido os valores em causa, mas diz que a sua restituição nunca lhe foi exigida "pelo autor", na medida em que bem sabia que se encontravam por pagar os serviços prestados e que parte do dinheiro seria usado pelo réu para pagamento das despesas "do autor", tendo também pago várias destas despesas do seu [do réu] bolso; "a ser considerado empréstimo, como "o autor" defende, será sempre nulo por falta de forma (art. 1143 do CC); o réu não tem obrigação de restituição, na medida em que tem um contra-crédito contra o autor; e (iii) reconvenciona, se não for julgada procedente a prescrição, o pagamento dos serviços e despesas alegados, feitos de 1987 a 1995, no valor de 522.658,91€, subtraído dos 199.519,16€ pedidos pela autora.

A autora replicou, excepcionando a prescrição quanto ao crédito alegado pelo réu, pois os documentos juntos por ele datam de 1987 a 1993, sendo apenas um deles de 02/12/1994, quando a contestação só foi notificada a 13/11/2014, pelo que decorridos mais de 20 anos, quer relativamente ao capital, quer os juros; e a ilegitimidade passiva da herança quanto a alegadas dividas, pois as mesmas não dizem respeito ao AA, mas sim a sociedades; e 'impugna, para todos os legais efeitos, os factos alegados pelo réu para efeitos de reconvenção"; no art. 49 da réplica [à reconvenção], diz que "o réu não prova que o cheque (sic) seja de 1992 mas vem reclamar dívidas anteriores a essa data?!..."; conclui pela procedência das excepções e pela improcedência da reconvenção.

A convite do tribunal, o réu veio responder às excepções deduzidas pela autora, impugnando os factos por ela alegados como base das excepções.

Não houve audiência prévia (foi dispensada...) e no início da audiência final não houve resposta da autora à excepção de prescrição deduzida pelo réu, nem lhe foi dada a palavra para o efeito.

Depois de realizado o julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção e a reconvenção improcedentes e absolvendo os réus e a autora dos pedidos ali deduzidos».

A autora recorreu desta sentença, com o fim de ser alterada a decisão da matéria de facto e, em consequência, a decisão sobre a matéria de direito, com a condenação dos réus no pedido; pelo meio invocou nulidades.

O réu contra-alegou defendendo a improcedência do recurso, no essencial seguindo a decisão recorrida, quer na parte da fundamentação de facto quer na de direito.

A ré contra-alegou dizendo, no essencial, que o recurso da autora em momento algum coloca em crise a absolvição da ré».

O Tribunal da Relação, apreciando julgou a apelação parcialmente procedente e revogando a sentença condenou o R. a pagar à A. €199.519,16, com juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, vencidos desde 22/01/2004 e vincendos até integral pagamento. No resto manteve a sentença.

Inconformado com o decidido, veio o Réu, DD interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes Conclusões: A) O Acórdão de que se recorre andou mal ao entender ter existido por parte do aqui Recorrente um reconhecimento tácito de uma dívida - art 217º e 458º do CC) B) Baseando-se no facto dos dois cheques estarem assinados e na posse de AA.

C) Entendendo ser motivo, pois, para se condenar o aqui Recorrente no pedido formulado pela contraparte, revogando a sentença de 1ª Instância.

D) Na verdade, a sentença recorrida incorre em erro de apreciação crasso ao entender, mesmo que fosse de forma tácita, que alguma vez se deduz ou se alcança da conduta do Recorrente alguma manifestação de reconhecimento do que quer que seja.

E) Ora, salvo o devido respeito, dados os factos considerados (e bem!) provados e não provados, aplicando-se o direito, jamais a decisão poderia ter sido no sentido que foi.

F) Primeiro porque resultou não se logrou provar a existência de qualquer mútuo, empréstimo ou acordo mediante o qual foi cedido um valor monetário pelo Recorrente a AA com a obrigação de devolução.

G) Até porque em vida AA nunca pediu directamente tal pagamento ao Recorrente nem encarregou ninguém de o fazer.

H) Tanto assim é que o seu Mandatário à data da sua morte desconhecia a existência dos referidos cheques a serem cobrados.

I) E a própria filha EE entendeu que os cheques não deviam ser cobrados pois eram uma antecipação da comissão de um negócio.

J) Mesmo que se argumente que, à la rigueur, este acto não consubstancia um perdão de dívida K) Sempre devendo ser atendido como indicação expressa para não cobrança.

L) Ao contrário do putativo reconhecimento de dívida por parte do Recorrente.

M) Que não tendo sido de modo nenhum expresso, também não se consegue descortinar mesmo que tacitamente.

N) E se é certo que no reconhecimento de divida o ónus da prova se inverte, sempre se dirá que se exigiria suporte escrito à luz do art. 458º, nº2 do CC O) Ou mesmo que fosse tácito o reconhecimento teria de haver decorrer de acto denotando a vontade real do Declarante – art. 217º, nº 1, 2ª parte do CC P) Teoria que cai pela base se atendermos ao facto do próprio Declaratário (AA) conhecer perfeitamente a vontade declarada pelo aqui Recorrente.

Q) Diferentemente de qualquer reconhecimento de dívida (muito menos devolução de quantia mutuada) mas uma simples entrega de cheque como meio de garantia.

R) Tal como tantas outras vezes requerido por AA.

S) E porque em matéria factual tal como expressamente se logrou (ou não) produzir prova cabal dúvidas não restam, o Tribunal a quo acabou por percepcionar algo sem qualquer correspondência possível com a realidade.

T) Arrepiando caminho na sequência conclusiva a retirar dos factos provados e não provados.

U) Certos que onde não existe algo, escusado procurar indício para inexistências em si mesmo.

V) Além do que se reitera: mesmo que existisse uma pretensa dívida, o aqui Recorrente de modo algum a reconheceu (nem podia!) W) E mesmo que assim fosse, o que se não aceita, sempre a mesma ficaria por liquidar por vontade de AA secundado por acto expresso por EE, sua herdeira.

X) Sendo por demais elementar nada ter a haver do Recorrente.

Y) Tornando tanto mais incompreensível e incrível a decisão de que aqui se recorre.

Deste modo o, apesar de tudo, Douto Acordão deverá ser revogado e substituído por outro que julgando não verificada qualquer assunção de dívida e/ou promessa de cumprimento, mantenha na íntegra o teor da sentença de 1ª Instância, absolvendo o aqui Recorrente, só assim se fazendo a Costumada JUSTIÇA!* **Respondeu a autora pedindo a improcedência da revista e a...

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