Acórdão nº 84/07.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO AA e mulher BB, intentaram acção de impugnação pauliana, sob a forma de processo ordinário, contra: - DD e mulher EE(1ºs réus); - FF e mulher GG (2ºs réus), pedindo:

  1. Que se declare a ineficácia das cessões de quotas identificadas nos artigos 1º a 9º (cf., documentos 1 e 3), reconhecendo-se a possibilidade dos autores impugnantes executarem no património dos 2ºs réus as identificadas quotas; b) Que se declare o direito dos autores a praticarem sobre as aludidas quotas todas as medidas conservatórias de garantia patrimonial do seu crédito.

    Em síntese, alegaram o seguinte: No dia 26/10/2006, os 1ºs réus cederam aos 2ºs réus a totalidade do capital social da sociedade HH, Lda, bem como duas quotas de que eram titulares na sociedade II, Lda, tendo tais cessões sido efectuadas por preços iguais aos valores nominais das quotas.

    E, através de tais cessões, os 2ºs réus passaram a ser titulares, directa ou indirectamente, da totalidade do capital social daquelas sociedades; Sendo a II Lda, a proprietária do edifício onde está instalado o Hotel ..., que é gerido e explorado pela sociedade HH, Lda.

    Os autores e 1ºs réus, por escrito datado de 01/01/2006, outorgaram contrato promessa de Cessão de Quotas e Acordos Complementares, tendo por base as quotas supra enunciadas.

    Acordaram na entrega, pelos autores aos 1ºs réus, do sinal no montante de € 2.600.000,00, tendo, logo no acto da assinatura do contrato pago aos 1ºs réus a quantia de € 1.582.906,80; Sendo que, desde logo, por deliberação da assembleia-geral de 11/01/2006, foi o autor marido designado gerente da HH, Lda, em substituição na gerência do 1º réu marido DD.

    Em 11/10/2006, às ocultas dos autores, os 1ºs réus lavraram acta da assembleia-geral da HH... da, na qual deliberaram destituir o autor marido da gerência, designando um gerente “de palha”. E, paralelamente, desapossaram os autores do hotel, impedindo-os de entrarem nas instalações do mesmo, incumprindo, de forma frontal e definitiva, o contrato celebrado em 11/01/2006. O que fizeram em virtude de terem negociado com os 2ºs réus os mesmos bens (quotas). Em virtude de tal incumprimento dos 1ºs réus, têm os autores o direito de exigir-lhes, em dobro, as quantias entregues a título de sinal e princípio de pagamento.

    Os actos impugnados foram outorgados dolosamente com o fim de impedir a satisfação do crédito dos autores. Pois os 1ºs réus não possuem em Portugal património suficiente para responder por tal avultado crédito dos autores.

    Os 1ºs e 2ºs réus são sócios e amigos de longa data e os 2ºs réus sabiam do negócio que os 1ºs réus tinham celebrado com os autores.

    Todos os réus agiram concertadamente e com plena consciência de que estavam a lesar os direitos dos autores, quando outorgaram as cessões de quotas ora impugnadas.

    Ou seja, tiveram plena consciência de que com as cessões de quotas tornavam difícil ou impossível a satisfação do crédito dos autores. Os réus quiseram apenas simular as cessões de quotas e os cessionários, 2ºs réus, são meros “testas de ferro” dos 1ºs réus.

    Os 2ºs réus não pagaram sequer o preço que declaram nas escrituras (500.973,09 €), pois o que celebraram foram negócios gratuitos, destinados exclusivamente a colocar no lugar dos 1ºs réus os 2ºs réus, quanto à titularidade do capital social das duas sociedades.

    Os 2ºs réus contestaram, alegando, em síntese, o seguinte: Desconhecem os termos e condições em que os autores vieram negociar e a assinar com os 1ºs réus o referenciado contrato promessa de Cessão de Quotas. Remonta ao ano de 2004 o interesse do 2º réu marido em adquirir uma participação social nas identificadas sociedades.

    Fruto de ter pago a totalidade do sinal perante os anteriores donos das quotas, na sequência de contrato-promessa entretanto celebrado, e cuja participação cedeu aos 1ºs réus, bem como de empréstimo que lhes efectuou posteriormente, os 1ºs réus ficaram com uma dívida perante o 2º réu, a qual, em Março de 2005, ascendia ao montante de 2.470.000,00 €.

    Em Janeiro de 2006, o 2º réu teve conhecimento que havia nova gerência no hotel e que o mesmo iria ser vendido.

    Pelo que interpelou de imediato o 1º réu, já que tinha uma quantia avultada para receber, tendo então tomado conhecimento do contrato promessa outorgado com os ora autores. Contactaram então contactado com estes, e reunido posteriormente com os mesmos em 19/04/2006, onde expôs a sua situação, dando-lhes conhecimento do crédito que tinha sobre os 1ºs réus.

    E pedindo-lhes que o informassem da data e local da outorga da escritura de cessão das quotas das sociedades, de forma a que, no acto do pagamento do remanescente do valor, pudesse ver de imediato o seu crédito satisfeito.

    No início de Outubro de 2006, o 1º réu marido contactou o 2º réu marido e deu-lhe conta do incumprimento contratual dos ora autores.

    Mencionando que, por causa desse incumprimento, a venda já não se iria realizar, o que colocava o Hotel ... em difícil situação financeira.

    Pelo que, receando a não satisfação do seu crédito, que se situava na quantia de 2.170.000,00 €, os 2ºs réus propuseram aos 1ºs réus a compra do Hotel, através da alienação total do capital social das firmas II e HH..., pelo preço global de 5.000.000,00 €, incluindo neste o preço de todas as despesas com as obras de ampliação do Hotel e sua remodelação.

    O que foi aceite pelos 1ºs réus em 20/10/2006, que lhes apresentaram cópia de uma carta de destituição de gerente, datada de 11/10/2006, bem como cópia de uma carta enviada aos autores, comunicando a cessação dos efeitos do contrato promessa, por incumprimento deste.

    O que convenceu os 2ºs réus que o negócio tinha ficado sem efeito e determinou a cessão das quotas ora impugnada, as quais foram efectivamente realizadas e declaradas pelo valor nominal das quotas e não pelo valor real do negócio, por exigência dos 1ºs réus, que invocaram questões relacionadas com mais-valias, a que os 2ºs réus acederam.

    Conforme demonstram, o negócio foi efectivamente realizado pelo preço de 5.000.000,00 €, tendo os 2ºs réus sempre actuado em plena boa-fé.

    Poucos meses após a aquisição, os 2ºs réus já injectaram no referido estabelecimento mais de 350.000,00 €, situação que só se compadece com quem efectivamente adquiriu tais firmas com o objectivo de nelas exercer a sua actividade.

    Concluem pela total improcedência da acção, devendo os réus ser absolvidos do petitório deduzido.

    O 1ºs réus contestaram, aduzindo, em síntese, o seguinte: Em Dezembro de 2005 o hotel necessitava de efectuar obras de elevado valor, não só fruto da degradação existente, como ainda para obter o devido licenciamento. Não tendo capacidade económica para realizá-las e tendo uma dívida para com os 2ºs réus superior a 2.000.000,00 €, os 1ºs réus decidiram ceder as quotas nas duas identificadas sociedades pelo preço de 6.000.000,00 €.

    Após terem sido procurados por vários interessados, os autores contactaram-nos em Dezembro de 2005, afirmando-se igualmente interessados na aquisição do “Hotel ...”.

    Após inteirarem-se da situação do hotel, os autores solicitaram uma redução do preço, fruto do elevado valor que calculavam necessário para a realização das obras, propondo o valor de 5.500.000,00 €, o que foi aceite pelos 1ºs réus.

    Acordando no pagamento do sinal de 2.600.000,00 €, sendo que o demais montante de 2.900.000,00 € seria pago no acto da realização da escritura definitiva.

    Pelo que, de imediato pagaram, a título de sinal, o montante de 1.582.906,80 €, retendo a demais parte – 1.017.093,20 € - para pagamento das dívidas ao JJ, KK e LL.

    Foi então outorgado contrato promessa de cessão das quotas, acordando-se que a escritura seria celebrada no prazo de 90 dias a contar da data aposta no contrato (01/01/2006), e que, se a escritura não pudesse ser celebrada nesse prazo, poderia ainda ser realizada até ao máximo de 180 dias após o prazo inicial acordado, ou seja, até 01 de Outubro de 2006, sem penalização para os autores, ou com ela, dependendo de a escritura ser celebrada até 01 de Julho de 2006, ou depois dessa data até ao prazo limite de 01/10/2006.

    Nunca se tendo combinado ou sequer falado que a escritura poderia ser celebrada no prazo de um ano. Os autores não procederam à regularização do passivo com que se tinham comprometido.

    Sendo que o empréstimo autorizado em assembleia-geral da HH... destinava-se à realização das obras necessárias, e nunca ao financiamento da operação de aquisição das quotas sociais.

    Os autores nunca tiveram a intenção de pagar a restante parte do preço acordado, com dinheiro próprio, nem de efectuar obras, no valor de 4.500.000,00 € ou aproximado.

    Tendo incumprido o acordado com os réus promitentes cedentes.

    Pelo que, chegados ao termo final para a realização da escritura definitiva atinente ao contrato promessa, cuja marcação incumbia aos autores, estes não tinham liquidado as dívidas bancárias (que fazia parte do pagamento do sinal), o pagamento à MM e não tinham procedido à marcação da escritura pública, de forma a pagarem a restante parte do preço, entrando assim em incumprimento.

    E, no exercício da gerência, o autor marido gerou conflitos com várias entidades (fornecedores, bancos, empreiteira, agências), com os trabalhadores e mesmo com os clientes que se relacionavam com o hotel.

    Levando a que este tivesse perdido clientela e sofrido perdas, o que levou à destituição do autor marido como gerente do hotel. E, em 17/10/2006, os 1ºs réus remeteram aos autores carta a comunicar que faziam cessar os efeitos do contrato-promessa de cessão de quotas, resolvendo o mesmo, com as necessárias consequências legais, discriminando, ainda, as respectivas razões.

    Através do incumprimento contratual dos autores, e da sua HHão ruinosa e danosa para o hotel, os 1ºs réus vivenciaram uma situação económica e financeira muito complicada, com dívidas à Banca, à empreiteira MM e sendo constantemente pressionados pelos 2ºs réus para lhes pagarem o montante em dívida.

    Pelo que, não...

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