Acórdão nº 6295/16.0T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelCABRAL TAVARES
Data da Resolução06 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA e Mulher, BB, intentaram ação contra, Banco CC, SA, pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 313.646,09, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que o DD, à data dos factos, era detido totalmente pela EE, SA (EE) e tinham ambos o mesmo presidente de conselho de administração. Os Autores são clientes do banco há mais de 12 anos. Desde pelo menos 1993 que o DD estava registado como intermediário financeiro. Tinha o dever de categorizar os Autores como investidores não qualificados. O DD, em 2004, engendrou um plano de empossamento das quantias depositadas pelos seus clientes e lançou uma operação de emissão de obrigações subordinadas, SLN Rendimento Mais 2004, a 10 anos, cujos valores captados serviram para reforçar os rácios de capital do DD. Foram dadas instruções aos funcionários para não ser entregue aos clientes a nota informativa do produto e para ser vendido como um sucedâneo de um depósito a prazo. Em Outubro de 2004 um funcionário do Réu telefonou ao Autor marido dizendo que tinha subscrito por ele três obrigações SLN Rendimento Mais 2004, tendo o Réu procedido para o efeito ao resgate de 150 000€ que o Autor tinha depositado a prazo. Não foi dado qualquer documento a assinar ao Autor marido. Não foi dada aos Autores nota informativa da operação, mas os funcionários do banco informaram que se tratava de produto sem qualquer risco, que o banco garantia o retorno dos valores em causa e que os podiam resgatar em qualquer altura, o que convenceu os Autores. Repetindo a operação, em 2006 o DD voltou a lançar Obrigações SLN 2006, igualmente a 10 anos, no valor de 50 000€ cada, igualmente vendidas como sucedâneo de depósito a prazo; mais uma vez foram dadas instruções aos funcionários do Réu para não facultarem a nota informativa do produto. Os valores captados serviram para reforçar os capitais do banco. Igualmente, o Autor marido recebeu um telefonema de um funcionário do Réu, em 08/05/2006, a dizer-lhe que tinha subscrito por ele uma Obrigação SLN 2006 no valor de 50 000€. Tudo se passou à revelia dos Autores que nada assinaram. Do mesmo modo, em 05/12/2008, o empregado do Réu telefonou ao Autor marido a dizer-lhe que tinha adquirido por ele duas obrigações SLN Rendimento Mais 2006. Mais uma vez, tudo se passou à revelia dos Autores que nada assinaram. Aos Autores não foi dito nem sabiam que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de Outubro de 2014 e de Abril de 2016; se o soubessem, não teriam aceitado subscrever o produto, o que era do conhecimento dos funcionários do banco. Os valores mobiliários em causa não estavam à data depositados em qualquer conta de valores mobiliários escriturais do DD ou da EE. O DD não forneceu informação sobre a relação que tinha com a EE. O DD violou os deveres de proteção e de informação, induzindo os Autores a contratar em erro nos termos em que o fizeram.

Contestou o Réu. Excecionou, ao abrigo do artº 324º do CVM, a prescrição do direito dos Autores, dado os mesmos terem tido conhecimento da alegada subscrição abusiva desde início de 2009. Impugnou no essencial a factualidade invocada. Confirmou que o Autor marido subscreveu uma Obrigação Rendimento Mais 2006, tendo perfeito conhecimento do produto em causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez; sabia que não estava a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente. Foi informado ao Autor que a única forma de obter liquidez antes do prazo de 10 anos seria através de cedência das obrigações a um terceiro. O Autor recebeu sempre o extrato mensal no qual figuram as obrigações na sua carteira de títulos e recebeu os cupões de juros e nunca efetuou qualquer reclamação. Negou que o banco Réu tenha garantido o pagamento da emissão das obrigações.

Responderam os Autores.

Prolatada sentença, a julgar a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido.

  1. Apelaram os Autores, impugnando a decisão em matéria de facto e de direito.

    A Relação manteve a matéria de facto fixada pela 1ª instância; julgou parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e condenando o Réu a pagar aos Autores a quantia de € 300.000,00, acrescida de juros de mora a partir da data de citação.

  2. Pede revista o Réu, formulando, a final da alegação, as seguintes conclusões: «1) Não pode o Banco-R. conformar-se com a decisão proferida, e essencialmente com a fundamentação apresentada para a mesma.

    2) O princípio do dispositivo obriga as partes a alegarem factos com que limitam o âmbito do processo. E ao fazê-lo, devem apresentar a sua "estória", os factos que alegam, de forma coerente e com vista à sua subsequente prova.

    3) Nos autos rapidamente passamos de uma petição inicial em que os AA. alegam simplesmente não ter dado qualquer ordem de subscrição de nada, para uma realidade alternativa em que passamos a discutir a informação dada de forma a sustentar a decisão de dar a ordem (a mesma que os AA. alegam expressamente nunca ter dado)! 4) Não nos referimos aqui à mera contradição dos factos alegados na PI. Estamos a falar de factos que acabam por ser claramente diferentes dos alegados, não por força da mera impugnação ou contradição de prova, mas pura e simplesmente porque distintos na sua própria natureza - todo o aresto recorrido é baseado num pressuposto de informação tendente à sedução dos clientes para a subscrição de produtos financeiros, quando estes mesmo clientes alegam nunca ter subscrito nada! 5) Entendemos modestamente, por isso, que foi violado o princípio do dispositivo, tal qual concretizado no Código de Processo Civil, nos artºs 5º e 260º do Código de Processo Civil.

    6) O uso da expressão "capital garantido" apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade - ao par (vide facto provado 6º).

    7) A garantia de capital resume-se a uma característica do instrumento de manutenção do valor do crédito ao longo de todo o prazo de vigência do instrumento.

    8) E por isso mesmo, e apenas por isso, esta informação prestada não é falsa! 9) É utópico, carecendo de fundamento empírico, pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento, ou melhor uma garantia no sentido estritamente jurídico do termo, de prestação ou devedor alternativo à prestação ou obrigado principais; 10) Mesmo que se compare o investimento efectuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro -o depósito a prazo - (e enquanto tal também invocado na P.I.), essa garantia não existe em nenhum contrato! 11) A afirmação de que as Obrigações SLN eram um produto de risco é uma falácia, que confunde a causa com a consequência - não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco! 12) Tal juízo tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.

    13) As Obrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.

    14) Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu.

    15) Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro.

    16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações EE, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da EE estava indexado ao risco do próprio Banco.

    17) Além do mais, nesse momento não havia qualquer indiciação de que a emissão pudesse vir a não ser paga (não havia histórico nesse sentido) ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

    18) A este propósito e no mesmo sentido do que vimos de alegar, aliás, pronunciou-se já esse douto Supremo Tribunal de Justiça em douto acórdão de 6 de Junho de 2013, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, onde se afirma que "no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (afinal, até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias)".

    19) Ou ainda no douto acórdão desse mesmo Tribunal, de 12 de Janeiro de 2017, onde se sumaria que: "A garantia do intermediário financeiro do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro ( ... )".

    20) A informação de que se tratava de um produto de capital garantido nunca teve implícita ou explícita qualquer atribuição de responsabilidade ao Banco-colocador, e muito menos de assunção de uma responsabilidade própria. Nem tanto resulta, de qualquer forma, da matéria de facto considerada como provada.

    21) Não podemos deixar de sublinhar o facto singelo, mas óbvio, de o acórdão recorrido tratar indistintamente o dever de informação tal qual previsto antes da transposição da Directiva dos Mercados e Instrumentos Financeiros (DMJF), pelo Dec. Lei nº 357-A/2007 de 31 de Outubro), ou depois da entrada em vigor deste diploma! 22) São exemplos de obrigações citadas no Acórdão recorrido, então inexistentes, os artºs 304-A, 314, 309 e 312 do CdVM ou 77 nº 1 do RGICSF.

    23) Resulta da matéria de facto considerada como provada que os AA. adquiriram as obrigações objecto destes autos em 25 de Outubro de 2004 (3 Obrigações SLN 2004), em 8 de Maio de 2006 (1 Obrigação SLN 2006) e em 4/12/2008 (2 Obrigações SLN 200G) e o diploma acima referido entrou em vigor no dia 1 de Novembro de 2007, pelo que de todas as transacções acima elencadas apenas seria aplicável à última, de Dezembro de 2008.

    24) A redacção do CdVM anterior à DMIF era muito mais ligeira na obrigação de informação do intermediário financeiro.

    25) À data da subscrição das Obrigações, não existia sequer qualquer dever...

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