Acórdão nº 7651/16.0T8STB.E1.S3 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I – O Exmo. Magistrado do Ministério Público intentou contra AA e BB, CC, DD e EE, e FF a presente ação declarativa constitutiva extintiva, pedindo que seja declarada a anulabilidade dos negócios jurídicos constantes de quatro escrituras de justificação notarial através das quais os 1.ºs, 2.º, 3.ºs e 4.ª réus invocaram o direito de propriedade, adquirido originariamente por usucapião, de parcelas de terreno compostas de terra de semeadura, sitas em …, freguesia e concelho de …, com as áreas de 1.357,00, 3.146,00, 1.573,00 e 1.473,00 metros quadrados, respetivamente, suprindo, desta forma, a inexistência de títulos adequados para procederem ao registo.

Para tanto alega, em síntese, que as parcelas de terreno em causa foram desanexadas de um prédio rústico composto de vinha e horta, em violação do disposto no art. 1376.º do Código Civil quanto ao fracionamento dos prédios rústicos; logo, é proibida por lei a divisão dos prédios originais operada por esses negócios jurídicos.

Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, decidindo “não anular as escrituras públicas de justificação outorgadas pelos réus AA e BB, CC, DD e EE e FF em 22 de Novembro de 2013, no Cartório Notarial da Lic. GG em ….” Interposta apelação pelo Magistrado do M. P., veio a Relação de … a proferir acórdão que a julgou improcedente, confirmando a decisão da 1ª instância.

Ainda inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para este STJ, em primeira linha como revista normal e, subsidiariamente, como revista excecional.

Distribuído o recurso como revista normal, pelo então Relator foi proferido despacho que o não admitiu como tal e determinou a remessa do processo à Formação a que alude o art. 672º, nº 3 do CPC, em ordem a aferir a verificação dos invocados pressupostos da revista excecional.

Por esta Formação foi proferido acórdão que admitiu a revista como excecional.

Nas alegações apresentadas, o recorrente, pugnando pela revogação do acórdão impugnado, formula as conclusões que seguidamente se transcrevem, expurgadas da parte relativa à admissibilidade da revista: (…) III - As escrituras de justificação, embora não constituindo actos translativos da propriedade, não deixam por isso de constituir actos de fracionamento, que só a partir da sua celebração é possível impugnar, porque só então é possível ter acesso a um documento escrito onde fica visível a violação das regas impeditivas do fracionamento.

IV - Uma adequada interpretação do art° 1379° n° 3 do CC, quando dispõe que " A acção de anulação caduca no fim de três anos, a contar da celebração do acto ..." leva a concluir que o único acto "celebrado", a partir do qual começa a correr o prazo para anulação do fracionamento, só pode ser o da " celebração" da escritura de justificação onde é invocada a usucapião, dado que no início da posse não houve qualquer acto "celebrado", mas apenas uma divisão material e uma doação verbal.

V - Deve, por isso entender-se que, na realidade, o fracionamento só se tornou operante com as escrituras de justificação, uma vez que só nesse momento os justificantes obtiveram título jurídico válido do fracionamento realizado.

VI - Porém, se se entender dever ser seguido o entendimento do acórdão recorrido, de que as escrituras de justificação não constituem acto de fracionamento, tem este de considerar-se como realizado, não no momento das posteriores doações, mas sim no momento da divisão material do prédio, a qual se verificou em 1969, pelo que teria então de ser apreciado se esse acto de fracionamento, praticado em 1969, violava as normas então vigentes relativas ao fracionamento.

VII - Dado que se encontrava em vigor em 1969 o disposto no art° 107° do Decreto n° 16731, de 13/4/1929, que proibia, sob pena de nulidade, a divisão de prédio rústico em novos prédios de menos de meio hectare, como sucede no caso dos autos, o fracionamento então realizado pela divisão do prédio em parcelas posteriormente doadas, é nulo, podendo ser como tal declarado a todo o tempo.

VIII - Dispondo o art° 1287° do CC, que a usucapião opera, "salvo disposição em contrário", deverá entender-se que tal disposição em contrário é a constante do art° 1376° do CC, que impede o fracionamento de prédios rústicos em novos prédios com área inferior à unidade de cultura.

IX - Tal entendimento mostra-se reforçado quando se compara tal norma com a correspondente disposição do Código Civil de 1867, em cujo art° 530° se estabelecia o seguinte: “As disposições dos artigos antecedentes, com relação à prescrição de direitos imobiliários, só podem ter excepção nos casos em que a lei expressamente o declarar." X - O Código Civil vigente deixou de exigir para exclusão da usucapião uma excepção expressamente declarada, bastando-se com a existência de uma "disposição em contrário", o que, manifestamente ocorre com a existência do art° 1376°.

XI - As regras de ordenamento do território, nelas se incluindo tanto as respeitantes a loteamentos e destaques, como as de proibição de fracionamento, por revestirem inequívoca natureza pública, devem prevalecer sobre as normas de direito privado relativas à usucapião, sob pena de, assim não se entendendo, se estar a deixar sem qualquer protecção o ordenamento do território nacional.

XII - Ao alterar a redacção do disposto no art° 1379° n° 1 do CC, passando a impor a sanção de nulidade para os actos de fracionamento violadores da unidade de cultura, a Lei n° 111/2015, de 27/08, reafirmou o carácter imperativo do disposto no art° 1376° do CC e confirmou, sem qualquer dúvida, a não prevalência da usucapião sobre as regras legais de proibição de fracionamento.

XIII - O legislador demonstrou claramente, na exposição de motivos da Lei n° 111/2015, que pretendeu intervir "através da possibilidade de impedimento dos atos jurídicos que contrariem esses limites, com o objetivo de se garantir a sustentabilidade das estruturas fundiárias." XIV - Assim, é de acolher, no caso dos autos, a posição jurisprudencial que decorre dos Acórdãos do STJ de 30/4/2015 e de 26/1/2016 (Procs. n° 10495/08.9TMSNT.L1.S1 e n° 5434/09.2TVLSB.L1.S1), bem como dos acórdãos da Relação de Évora de 25/5/2017 e 26/10/2017 (Procs. n° 1214/16.7T8STB.E1 e n° 7859/15.5T8STB.E1), tendo estes últimos decidido, em situação absolutamente idêntica, no sentido de que a usucapião não prevalece sobre as regras de proibição do fracionamento.

XV - Uma vez que, na presente acção, cada uma das parcelas fraccionadas tem área inferior a 0,5 ha, - valor mínimo da unidade de cultura prevista na Porta n° 202/70 e igualmente inferior à área de 0,5 ha, prevista no art° 107° do Decreto n° 16731 de 13/4/1929, - não pode a usucapião ser reconhecida como eficaz, dado que não prevalece sobre norma imperativa de proibição de fracionamento, quer a contida no art° 1376° n° 1 do C Civil, quer a contida no art° 107° do Decreto n° 16731, de 13/4/1929.

XVI - Não tendo assim decidido violou o douto acórdão recorrido o disposto nos art°s 286°, 294°, 1287°, 1376° e 1379° do Código Civil, devendo ter interpretado os mesmos com o sentido que decorre das conclusões que antecedem.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as de saber se: - as escrituras de justificação podem ser consideradas como atos de fracionamento para efeitos do que dispõe o art. 1379º do CC, na redação aplicável, a anterior à introduzida pela Lei nº 111/2015, de 27.08 – conclusões III a V; - tendo ocorrido em 1969, por então se ter operado a divisão material do imóvel, o fracionamento em causa está ferido de nulidade – conclusões VI e VII; - a usucapião prevalece, ou não, sobre as regras de proibição do fracionamento de prédios rústicos – demais conclusões.

II – Vêm descritos como provados os seguintes factos: 1. No dia 22 de Novembro de 2013, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial da Lic. GG em …, os 1.ºs réus justificaram a posse de uma parcela de terreno com a área de 1 573, 00 m2, sita em …, freguesia de …, concelho de …, composta de terras de semeadura, confrontando de Norte com HH, de Sul com Rua …, de Nascente com II e de Poente com DD.

  1. No dia 22 de Novembro de 2013, por escritura pública celebrada no mesmo Cartório Notarial, o 2.º réu justificou a posse de uma parcela de terreno com a área de 3 146, 00 m2, sita em …, freguesia de …, concelho de …, composta de terras de semeadura, confrontando de Norte com HH, de Sul com Rua … e JJ, de poente com o DD e de Nascente com JJ.

  2. No dia 22 de Novembro de 2013, por escritura pública celebrada no mesmo Cartório Notarial, os 3.ºs réus justificaram a posse de uma parcela de terreno com a área de 1 573, 00 m2, sita em …, freguesia de …, concelho de …, composta de terras de semeadura, confrontando de Norte com HH, de Sul com Rua …, de poente com AA e de Nascente com CC.

  3. No dia 29 de Novembro de 2013, por escritura pública celebrada no mesmo Cartório Notarial, a 4.ª ré justificou a posse de uma parcela de terreno com a área de 1 473, 00 m2, sita em …, freguesia de …, concelho de …, composta de terras de semeadura, confrontando de Norte com HH, de Sul com Rua …, de poente com KK e de Nascente com II.

  4. Tais prédios foram, assim e naquela data, desanexados de um prédio rústico composto de vinha e horta, inscrito na matriz sob o art.º 60-S- da Freguesia de ….

  5. A totalidade do prédio veio à posse de LL e marido MM por óbito dos pais dela, por adjudicação em partilha verbal, por...

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