Acórdão nº 30/18.6YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução21 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA veio impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 06/02/2018, proferida no processo n.º 2017-17/OJ, que negou provimento ao recurso administrativo especial por aquele interposto da deliberação do Plenário do Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) de 09/11/2017, tomada no âmbito processo disciplinar n.º 87-DIS/17, mantendo assim a condenação do ora demandante, na qualidade de oficial de justiça, na categoria de escrivão auxiliar, na pena única de demissão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 89.º do EFJ, 3.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e g), 3, 4 e 9, 9.º, n.º 1, alínea d), 10.º, n.º 5, e 18.º da Lei n.º 58/2008, de 09/09 (EDTEFP). O demandante fundou tal impugnação na violação da lei, invocando, em primeira linha, a prescrição relativa aos prazos estabelecidos quer para a instauração do processo disciplinar quer para a sua conclusão e ainda na violação do princípio ne bis in idem, sustentando, em síntese, que: .

Os factos que lhe vêm imputados ocorreram em 2010, tendo dado origem ao processo criminal n.º 2340/10.1TAVCT e à instauração do processo disciplinar n.º 243-DIS/10, iniciado em 17/11/2010; .

No âmbito desse processo disciplinar, foi aplicada ao arguido a pena de 40 dias de suspensão, conforme acórdão do COJ de 27/04/2012, confirmado pelo CSM em sede recurso hierárquico no processo n.º 2012-13/OJ, pena essa que o demandante já cumpriu; .

Não obstante isso, em 04/06/2015, foi decidido pelo COJ instaurar novo processo disciplinar, o qual culminou na deliberação ora impugnada, mas que tem por objeto os mesmos factos sobre que incidiu o processo disciplinar n.º 243-DIS/10; .

Assim, aquele novo processo disciplinar foi instaurado para além dos 30 dias a contar da data em que o COJ teve conhecimento dos factos de que se ocupa, daí resultando a prescrição do direito de instaurar tal procedimento; .

Por outro lado, foi ultrapassado o prazo de 18 meses previsto no art.º 6.º, n.º 6, do EDTEFP entre a deliberação do COJ que determinou a instauração do novo processo disciplinar e a deliberação final do CSM notificada ao arguido em 09/02/2018, com o que também se encontra prescrito o procedimento disciplinar aqui em referência. .

Por fim, a identidade verificada entre os factos que foram objeto do processo disciplinar n.º 243-DIS/10 pelos quais o arguido foi condenado e os que servem de base ao processo disciplinar a que respeita a deliberação ora impugnada traduz-se em violação do princípio ne bis in idem.

Nessa conformidade, o demandante concluiu pela nulidade da deliberação impugnada, pedindo a sua absolvição.

2.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) deduziu resposta, sustentando, no essencial, que: .

O Recorrente foi arguido nos seguintes processos: i) – Processos criminais: - n.º 2340/10.TAVCT, com acórdão proferido em 18/05/2016 transitado em julgado em 17/06/2016; - n.º 1955/16.9T8VCT, com acórdão proferido em 16/02/2017 transitado em julgado em 20/03/2017; ii) – Processos disciplinares: - n.º 243-DIS/10, relativo a condutas ocorridas em exercício de funções nos processos criminais n.º 192/09.3GAPCR e n.º 200/09.8GAPCR; - n.º 087-DIS/15, relativo a condutas ocorridas em exercício de funções nos processos criminais n.º 18/09.8GAPCR e n.º 222/09.9GAPCR; - n.º 085-DIS/17, relativo a condutas ocorridas em exercício de funções nos processos criminais n.º 192/09.3GAPCR apuradas no processo crime n.º 1955/16.9T8VCT e não consideradas no processo disciplinar 243-DIS/10.

.

A deliberação aqui impugnada respeita à pena de demissão aplicada no âmbito do processo disciplinar n.º 085-DIS/17, tendo por base factos ocorridos em processo judicial, distintos dos que foram considerados tanto no processo disciplinar n.º 243-DIS/10 como no processo disciplinar n.º 085-DIS/15; .

Em 16/02/2017, foi proferido acórdão, transitado em julgado em 20/03/217, no processo criminal n.º 1955/16.9T8VCT; .

Mediante despacho do Vice-Presidente do COJ de 23/05/2017, ratificado pelo respetivo plenário em 01/06/2017, foi determinada a instauração do processo disciplinar n.º 085-DIS/17 sobre matéria constante da acusação deduzida no processo criminal n.º 192/09.3GAPCR não considerada no processo disciplinar n.º 243-DIS/10; .

No referido processo disciplinar n.º 085-DIS/17, foi deduzida acusação em 21/06/2017 por indiciação de factos passíveis de sanção disciplinar de demissão, que culminou no relatório final do inspetor/instrutor de 13/10/2017 com a proposta de aplicação da pena única de demissão, a qual foi acolhida por deliberação do Plenário do COJ de 09/11/2017 que, sendo objeto de impugnação, foi confirmada por deliberação do CSM de 06/02/ 2018 notificada ao arguido por ofício datado de 09/02/2018; .

Assim, tendo o órgão responsável máximo tomado efetivo conhecimento da factualidade apurada em 01/06/2017, não ocorreu a invocada prescrição do direito de instaurar o respetivo procedimento disciplinar, como também não se verificou a alegada prescrição deste procedimento, nos termos do artigo 6.º, n.º 1 e 2, do EDTEFP, aprovada pela Lei n.º 58/2008, de 09/09, tanto mais que, estando perante factos também qualificados de infração criminal, são aplicáveis os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal.

.

Uma vez que os factos em que se funda a deliberação aqui impugnada são distintos dos que serviram de base à condenação proferida no processo disciplinar n.º 243-DIS/10, não ocorre a alegada violação do princípio ne bis in idem.

Concluiu o respondente pelo não provimento do recurso.

  1. Só o CSM apresentou alegações a reiterar o já anteriormente alegado em sede da respetiva resposta. 4.

    Por fim, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 143 a 171, em que, depois de convocar todo o contexto processual relevante com a seleção dos factos tidos por pertinentes, procedeu ao seu enquadramento jurídico para concluir pela improcedência de toda a impugnação deduzida.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II – Delimitação do objeto impugnatório Como emerge do já precedentemente relatado, as questões a resolver circunscrevem-se ao seguinte quadro: i) – A questão de saber se ocorre a invocada dupla violação de lei, relativamente à prescrição: a) – do direito de instaurar o procedimento disciplinar tramitado no processo n.º 085-DIS/17, no âmbito do qual foi proferida a deliberação do Plenário do CSM, de 06/02/2918, que confirmou a pena de demissão aplicada ao demandante através da deliberação do Plenário do COJ de 09/11/2017; b) – daquele mesmo procedimento disciplinar pelo decurso de 18 meses entre a data da instauração do processo disciplinar e a decisão final aqui impugnada; ii) – A questão consistente na invocada violação do princípio ne bis in idem, sustentada na identidade dos factos em que se funda a deliberação ora impugnada e os que serviram de base à condenação proferida no processo disciplinar n.º 243-DIS/10 por decorrência do processo criminal n.º 2340/10.1TAVCT.

    Posto que a invocada violação do princípio ne bis in idem, a verificar-se, traduzir-se-ia em vício de nulidade da deliberação impugnada, à luz do artigo 161.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo (CPA/2015), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 4/2015, de 07/01, e as questões de prescrição do procedimento disciplinar configurariam vício de anulabilidade daquela deliberação, nos termos do art.º 163.º, n.º 1, do mesmo Código, a apreciação do objeto da presente impugnação será feita pela seguinte ordem metodológica: i) – Em primeiro lugar, conhecer-se-á da questão da violação do princípio ne bis in idem; ii) – Seguidamente, se for caso disso, conhecer-se-á das questões de prescrição do procedimento disciplinar: - em primeiro lugar, da prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar; - depois, da prescrição na conclusão do mesmo.

    III – Fundamentação 1. Factualidade provada Da prova produzida nos autos resulta como provada a seguinte factualidade: 1.1.

    AA exerceu, durante mais de 30 anos as funções de oficial de justiça, ultimamente na categoria de escrivão auxiliar, tendo sido desligado do serviço, em fevereiro de 2018, em virtude de aplicação da pena disciplinar de demissão; 1.2.

    No ano de 2010, o demandante esteve colocado no então designado Tribunal da Comarca de ..., onde, de resto, decorreu a maior parte da sua carreira profissional; 1.3.

    Em novembro de 2010, o Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) determinou a instauração ao ora demandante de processo disciplinar que correu termos sob o n.º 243-DIS/10 para averiguação de factos por ele praticados no processo criminal abreviado (PAbr.) n.º 192/09.3GAPCR e no processo criminal singular (PCS) n.º 200/09.8GAPCR do referido Tribunal; 1.4.

    Do PAbr. n.º 192/09.3GAPCR, no que aqui releva, consta o seguinte: 1.4.1.

    No processo n.º 192/09.3GAPCR, que correu termos no Tribunal Judicial do Tribunal de ..., por decisão de 07/01/ 2010, foi aplicada [...] [a] BB, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses.

    1.4.2.

    Na data do julgamento, em 07/01/2010, foi [...] notificado, na pessoa do seu defensor, para no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da sentença, entregar a carta de condução no Tribunal ou em qualquer posto policial da área da sua residência.

    1.4.3.

    Depois do julgamento e do depósito da sentença, o arguido AA lavrou um “Termo de Entrega” com data de 19/01/ 2010, consignando que, naquela data, por CC, pai do arguido BB, foi entregue a Carta de Condução n.º ..., emitida em 14/06/2006 por ...

    1.4.4.

    Aquele “Termo de Entrega” mostra-se assinado por CC, a esferográfica azul.

    1.4.5.

    Embora a data constante do “Termo de Entrega” seja a de 19/ 01/2010, data correspondente ao termo que foi elaborado no programa habilus pelo arguido, a folha em que foi lavrado apresenta uma Certificação CITIUS: Elaborado em: 18-05- 2010.

    1.4.6.

    «No mesmo processo, foi junto pelo...

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