Acórdão nº 3922/16.3T8VIS.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução19 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AAe mulher BB demandaram, pela Secção Cível da Instância Central de ... e em autos de ação declarativa com processo na forma comum, CC, S.A.

, pedindo a condenação deste:

  1. A pagar-lhes a quantia de €115.000,00 acrescida de juros vincendos desde a citação até integral pagamento.

    Assim não se entendendo, b) Que seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o Réu invoque para ter aplicado os €100.000,00 que os AA entregaram ao Réu, em obrigações subordinadas SLN 2006; c) Que seja declarado ineficaz em relação aos AA a aplicação que o Réu tenha feito desses montantes; d) Que seja o Réu condenado a restituir a quantia de €115.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo pagamento; E sempre, e) Que seja o Réu condenado a pagar aos AA a título de dano não patrimonial, a quantia de €5.000,00.

    Para tanto alegaram, em síntese, que, em 24 de Abril de 2006, foram convencidos pelo gerente do Réu da respetiva Agência de …, onde tinham uma conta à ordem, a aplicarem €100.00,00 num produto que aquele lhes disse ser em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido pelo DD.

    O produto em causa eram “obrigações SLN”.

    Não foram informados em concreto das características dessa aplicação, nem que se tratava de um produto de risco, porque se o soubessem não teriam autorizado a aplicação.

    Os Autores, que estavam convencidos de terem aplicado o dinheiro a prazo no Banco, viram-se confrontados, em Maio de 2016, aquando do vencimento da aplicação, com a recusa do Réu a restituir-lhes o dinheiro aplicado.

    Além da não restituição dos €100.000,00, o Réu deixou de pagar os juros desde novembro de 2015 e, além disso, vinha pagando desde maio de 2009 juros a taxa inferior à acordada, com o que sofreram os Autores o prejuízo de €15.000,00.

    A descrita situação tem criado aos Autores grande ansiedade e preocupação, dano não patrimonial este que deve ser compensado com uma indemnização não inferior a €5.000,00.

    + Contestou o Réu, concluindo pela improcedência da ação.

    Entre o mais que já aqui não importa, alegou que os Autores tinham experiência em investimentos bancários, sabendo o tipo de produto que subscreviam, tendo sido informados de todas as condições do investimento. Mais alegou que o produto financeiro em causa era, à data da sua emissão, seguro, tendo o seu incumprimento tido origem num facto imprevisível e anormal: a nacionalização do Banco e a insolvência da emitente das obrigações subscritas (SLN). Disse ainda que o Banco nunca referiu aos Autores que garantiria o capital, sabendo estes caber tal obrigação à SLN.

    + Seguindo o processo seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que julgou o pedido parcialmente procedente, sendo o Réu condenado a pagar aos Autores as quantias de €100.000,00 (acrescida de juros desde 9 de Maio de 2016) e de €3.000,00 (acrescida de juros desde a notificação da sentença), sendo esta última quantia fixada a título de danos não patrimoniais.

    + Inconformado com o decidido, apelou o Réu.

    Fê-lo sem êxito, pois que a Relação de Coimbra confirmou a sentença.

    + Mantendo-se inconformado, pediu o Réu revista.

    Introduziu o recurso sob o figurino de revista excecional.

    Porém, a formação de juízes a que alude o n.º 3 do art. 672.º do CPCivil decidiu que o recurso deveria ser distribuído como revista normal, isto com vista ao prévio conhecimento do recurso na parte em que o Réu contestava a legalidade do acórdão recorrido no tocante à rejeição da impugnação da matéria de facto, por isso que tal conhecimento poderia eventualmente prejudicar a apreciação dos demais fundamentos da revista.

    Tendo sido proferido acórdão que julgou improcedente a revista na dita parte, regressaram os autos à competente formação, que admitiu a revista excecional.

    Cumpre pois conhecer do recurso na parte que parte que vale como revista excecional.

    + Da respetiva alegação extrai o Recorrente as seguintes conclusões (suprimem-se as conclusões 1) a 9), cujo objeto se mostra já exaurido): 10) Não seria sequer porque teria sido afirmado aos Recorrentes que a aplicação financeira tinha “capital garantido e juros garantidos”, que poderíamos alguma vez concluir que o Banco assumiu a dívida da SLN! Ou sequer que a tenha garantido! 11) Uma dita garantia tratar-se-ia inevitavelmente de uma fiança. Ora, tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C - a forma escrita! 12) Estas notas são referentes, mais do que à forma dos negócios, a um ritualismo próprio de negócios pelos quais alguém assuma uma obrigação, ademais uma obrigação que, à partida não seria própria! Mais do que isso, são referentes a um ritos (sic) que deverão ser esperados por quem é credor de tais obrigações.

    13) A declaração de uma garantia ou assunção de dívida deve ser específica e expressamente emitida, não sendo consentânea com declarações vagas e de sentido dúbio... (vide douto acórdão do STJ de 12 de Janeiro de 2017).

    14) A teoria de impressão do destinatário vale para a interpretação de declarações negociais, mas já não para avaliar, por si só, da efectiva existência de uma declaração negocial e concretamente de estarmos ou não perante uma expressão de uma vontade de vinculação pessoal.

    15) O critério, prévio - necessariamente -, para aferir da existência de uma declaração negocial é o da vontade de vinculação da parte que emite a declaração - será sempre essencial que seja criada uma aparência a um normal declaratário de que a parte está a emitir uma declaração verdadeira tradutora da sua efectiva vontade negocial. Ou seja, a aparência em causa não se pode resumir à mera declaração, enquanto elemento externo, mas deve ser igual e paralelamente criada quanto à efectiva vontade da parte se vincular a efeitos práticos e jurídicos por aquela manifestação.

    16) No caso dos autos, os Recorrentes valem-se de expressões soltas ditas a propósito da caracterização do instrumento financeiro objecto da intermediação para virem afirmar que, ao abrigo da impressão do destinatário, os clientes se convenceram que o Banco assumiria obrigações a título principal. Ou seja, algures entre a descrição de várias características do produto financeiro objecto de apresentação, como o prazo, a remuneração, a garantia de capital, a liquidez por endosso ou por colateral de linha de crédito, segurança, não se concebe que alguém veja apenas numa destas alíneas uma vontade do Banco-colocador se vincular contratualmente nos termos dessa informação entre outras informações! 17) Assim, e desde logo, falta a prova de que a declaração em causa não fosse mais do que uma mera caracterização do produto.

    18) O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea aplicação ou interpretação o disposto no artº 236º do Código Civil.

    19) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até - em alguns casos -, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

    20) E, quanto ao risco, se o art. 312.º n.º 1 alínea e) do CdVM, obriga o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”, não é menos certo que tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira (no caso a execução de ordens) enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

    21) Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si.

    22) O n.º 2 do art. 312.º-E obriga a que a explicação dos riscos do tipo do instrumento em causa inclua apenas:

  2. Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento; b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado; c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo; d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

    23) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

    24) O investimento em Obrigações de capital garantido não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

    25) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso! Sublinhe-se aliás que todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital... basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! 26) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! 27) Ora, o risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação! A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação civil ou comercial! 28) O cumprimento e incumprimento das obrigações são as duas faces da mesma moeda ou, como afirma, BRANDÃO PROENÇA o “reverso” um do outro, ou “fenómenos opostos”, como afirma ALMEIDA COSTA.

    29) A sensação que fica é que o Tribunal censura o aqui Recorrente por considerar que o facto do gerente bancário do Réu ter assegurado ao Autor que a aplicação financeira em causa tinha garantia de capital e juros no termo do prazo configura a prestação de uma informação falsa (além da já rebatida...

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