Acórdão nº 107/15.0GAMTL.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução20 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

No Juízo Local Criminal de ---, da Comarca de ---, foi a arguida AA, identificada nos autos, condenada por sentença de 10 de Outubro de 2017, pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de dois crimes de homicídio negligente, p. e p. pelos artigos 137.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão por cada um deles, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo e na inibição temporária da faculdade de conduzir pelo período de 1 (um) ano.

  1. Pelos assistentes BB, por si e em representação dos seus filhos menores CC e DD, e EE, filhos da vítima, e por FF, em representação dos seus filhos menores CC e DD, foi deduzido de pedido de indemnização civil contra “GG Seguros”, pedindo a condenação desta no pagamento dos montantes de: - €10.000,00, a título de danos patrimoniais, pela perda total do veículo automóvel conduzido pelo falecido HH no momento do acidente, a atribuir em partes iguais aos demandantes filhos; - €150.000,00 pelos danos morais do demandante BB; - €150.000,00 pelos danos morais do demandante EE; - €100.000,00 pelos danos morais do demandante CC; - €50.000,00 pelos danos morais da demandante DD, no total de € 470.000,00, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa legal, contados desde a data da notificação desde a data de citação até integral pagamento.

    Pela sentença proferida em 1.ª instância, foi, quanto a estes pedidos, decidido (transcrição): “f) julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por BB por si e em representação dos seus filhos menores CC e DD, FF em representação dos seus filhos menores CC e DD e EE, e condenar a demandada GG Seguros, a pagar a cada um dos demandantes BB e EE a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, acrescida de juros moratórios computados à taxa legal desde a data da presente sentença até pagamento integral e efectivo; g) absolver a demandada do mais peticionado”.

  2. Inconformados com o decidido pelo tribunal de 1.ª instância quanto à matéria cível, recorreram os demandantes cíveis para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, por acórdão proferido a 8 de Maio de 2018, decidiu alterar o ponto 4 da matéria de facto não provada, acrescentar o facto enumerado como ponto 28.ºB à descrição da matéria de facto provada e, quanto aos pedidos cíveis: - Condenar a demandada “GG Seguros”, “a pagar a cada um dos demandantes BB e EE a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, acrescida de juros moratórios computados à taxa legal desde a data da sentença até pagamento integral e efectivo”; - Condenar a demandada “GG Seguros”, “a pagar a CC e DD, filhos de BB e sua companheira, as quantias de € 30.000,00 (trinta mil euros) e € 15.000,00 (trinta mil euros), respectivamente, a título de danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, acrescida de juros moratórios computados à taxa legal desde a data da sentença até pagamento integral e efectivo”.

  3. Inconformada com o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, veio a demandada civil “GG Seguros, S.A”., interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quanto à condenação no pedido de indemnização civil, apresentando motivação em que conclui nos seguintes termos (transcrição): “1. Ao ter arbitrado a cada um dos Demandantes civis II e JJ, quantia superior a €50.000, para compensação do dano de natureza não patrimonial por cada um deles sofrido em consequência da morte de seus pais, o douto acórdão recorrido violou o disposto no art.º 496.º, n.º 4, do Código Civil devendo por isso ser substituído por outro que condene a Demandada ora Recorrente a pagar a cada um deles a quantia de €50.000; 2. Ao ter condenado a ora Demandante a pagar ao menores CC uma quantia para compensação pelos danos de natureza não patrimonial por eles eventualmente sofridos em consequência da morte de seus avós, sobrevivendo a estes os Demandantes II e JJ, seus filhos, o douto acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 do art.º 496.º do Código Civil, pelo que deverá ser substituído por outro que, a tal título, não condene a Demandada ora Recorrente a pagar aos referidos menores qualquer montante, e antes a absolva quanto a tal”.

  4. Os demandantes civis responderam ao recurso, motivando-o, em suma, nos seguintes termos (transcrição): “(…) Com efeito, na indemnização fixada o tribunal usou de critérios de equidade, como fatores de ponderação e de equação socialmente relevantes, fez intervir os elementos ético socialmente censuráveis e reprováveis inerentes ao desvalor da ação lesiva, atendeu ao grau de culpabilidade da lesante, ao modo como a ação lesiva foi consumada, aos efeitos e consequências que essa ação provocou e à perturbação que causou na vivência e nos estados psicológicos e emotivos dos demandantes (cfr. o acórdão do STJ de 10/5/2017, proc.º 131/14.0GBBAO.P1.S1).

    De outro modo, como pretende a demandada/recorrente, apresentaria contornos de meramente simbólica, revelar-se-ia miserabilista e traduziria a banalização do dano sofrido pelos demandantes.

    Recorde-se que estes perderam não um mas ambos os progenitores (e os seus filhos, os menores CC e DD, os dois avós paternos), em consequência direta e necessária de uma atuação absurdamente imprudente da arguida na prática da condução automóvel, em resultado de um acidente de viação de que ela foi a única e exclusiva responsável; que os demandantes e toda a família nuclear (os menores CC e DD incluídos), incluídas as vítimas, se aprestavam para iniciar um período de férias em família, como sempre faziam; que foram confrontados, na estrada, com os pais e os avós mortos, como se o veículo em que se faziam transportar tivesse sido atingido por uma qualquer bomba; que a morte dos pais representou para os demandantes a quebra definitiva de um projeto de vida comum que vinham percorrendo; que os pais dos demandantes eram o seu pilar, quer afetiva quer profissionalmente; e que esse projeto de vida comum se perspetivava, na normalidade das coisas e da vida, pelo menos por mais duas décadas e meia; feneceu o progenitor dos demandantes, que tinha um papel imprescindível na vida profissional de ambos; e foi ceifada a vida da mãe, esteio afetivo incontornável da vida familiar de ambos.

    Em suma, tudo, na sua relação tão próxima com as vítimas, foi súbita, inesperada e brutalmente sonegado aos demandantes e aos menores CC e DD.

  5. A indemnização por danos não patrimoniais cabe naturalmente às pessoas que o legislador entendeu mais ligadas aos falecidos por laços afetivos. Isto é, ao elenco enunciado no n.º 2 do artigo 496º do Código Civil, aí se incluindo, no caso, os menores CC e DD.

    Na verdade, o legislador estabeleceu que a indemnização daquela natureza, reportada à lesão de bens ou interesses de ordem eminentemente pessoal, deve necessariamente reverter, em bloco, para quem, como resultou provado, está numa relação familiar ou afetiva de particular intensidade com os defuntos, como é o caso dos menores CC e DD.

    A interpretação "cega" e "dura" que a demandante/recorrente faz do disposto no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil vai ao arrepio do entendimento (cfr. o acórdão do STJ de 30/4/2015, proc.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1) de que, no caso da morte da vítima, a titularidade do direito à indemnização por danos não patrimoniais pela perda da vida é atribuída ex lege aos familiares ali referidos, afastando a lei a aplicabilidade do regime sucessório, como a demandante/recorrente pretende.

    Em conclusão: Perante a matéria de facto fixada, o acórdão recorrido, na fixação dos montantes indemnizatórios fixados aos demandantes e aos menores pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência da morte de seus pais e avós, fez correta aplicação dos comandos normativos inscritos nos artigos 494.º e 496.º, n.ºs 1, 2 e 4, do Código Civil, pelo que o recurso da demandante deverá ser julgado improcedente, confirmando-se o ali decidido.” 6.

    O Senhor Procurador da República junto do Tribunal da Relação, apresentou resposta, dizendo: “O objecto do Recurso versa exclusivamente sobre matéria cível enxertada na acção penal e apenas afecta os interesses particulares dos assistentes e demandante civil, os quais se encontram devidamente representados por Mandatários Forenses.

    Deste modo, o Ministério Público não se encontra especialmente legitimado para ponderar questões que não afectam os interesses cuja defesa e tutela lhe estão legalmente consagrados.

    Todavia, sempre dirá, que o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora deverá ser mantido in totum, improcedendo o recurso interposto, já que, perante a matéria de facto fixada, o Acórdão ora posto em crise na fixação dos montantes indemnizatórios fixados aos demandantes e aos menores pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência da morte dos respectivos pais e avós, fez uma correcta e equitativa aplicação dos arts. 494º e 496º, n.ºs 1, 2 e 4, ambos do Código Civil.

    Assim, se conclui: 1º - Não ter sido violada qualquer disposição legal.

    2º - O Tribunal da Relação de Évora bem como o Tribunal a quo terem efectuado uma correcta apreciação da prova e demais elementos disponíveis, decidindo fundamentadamente em conformidade.

    3º - Terem, ainda, feito uma correcta e criteriosa aplicação dos preceitos legais que disciplinam a aplicação e fixação dos quantum indemnizatórios e a respectiva titularidade.

    4º - Não existir qualquer motivo para ser concedida razão à recorrente pelo que deve a douta decisão recorrida ser mantida in tottum, negando-se provimento ao recurso.” 7.

    Neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral-Adjunto, na oportunidade conferida pelo n.º 1 do artigo 416º do CPP, consignou que, não representando qualquer das partes, o Ministério Público carece...

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