Acórdão nº 2760/14.2T3SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA, [...], nascido em ... de 1957, com os demais sinais dos autos, foi julgado no âmbito do processo em epígrafe, do Juízo Central de ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., onde, por acórdão do tribunal colectivo de 10 de Maio de 2017, foi absolvido da prática dos crimes por que fora pronunciado, de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art.º 173.º, n.º 1 e de violação, p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 1, alín. a), ambos do Código Penal.

Inconformados com tal decisão, dela recorreram o M.º P.º e o assistente BB para o Tribunal da Relação de Lisboa que, com base na mesma matéria de facto provada, por acórdão de 4 de Abril de 2018 e após alteração da qualificação jurídica dos factos previamente comunicada ao arguido para exercer, como exerceu, o contraditório, condenou o recorrente pela prática de um crime de importunação sexual, p. e p. pelo art.º 170.º do CP, na pena de 4 meses de prisão e pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 1, alín. a), do CP, na pena de 4 anos de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão e ainda na pena acessória de 2 anos de suspensão do exercício de funções.

Inconformado, recorreu agora o arguido para este STJ, concluindo a respectiva motivação com as seguintes conclusões: “1. O presente Recurso vem interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no art.º 204.º da CRP, e art.ºs 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e 432.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal interpretados em conformidade com o art.º 32.º, n.º 1, da Constituição (doravante CPP), com subida imediata (artigo 407.º, n.º 2, al. a)), nos próprios autos (artigo 406.º, n.º 1) e com efeito suspensivo (art.º 408.º, a contrario); 2. Nota-se que, em obediência aos acórdãos […] n.ºs 412/2015 e 429/2016 do Tribunal Constitucional, processo n.º 1002/14, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 192, de 06/10/2016, a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que inovatoriamente, face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro é inconstitucional, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição; 3. Tal norma, com o sentido e alcance apontado, viola ainda o artigo 14.º, n.º 5, do PIDCP, o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e os artigos 1.º, 47.º e 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; Posto isto, 4. O Arguido não cometeu os crimes por que vem condenado; 5. O Arguido foi vítima de uma justiça coxa, inclinada, que desde cedo o marcou como autor de actos da maior gravidade, à revelia da prova produzida e em desrespeito dos mais elementares direitos a um processo justo e equitativo; e em razão deste processo penal, com excepção da sua família, o Arguido tudo perdeu – a profissão, a cara e até a sanidade; 6. É preciso ver que o Arguido vem condenado na prática de factos que segundo o Tribunal da Relação de Lisboa são coordenáveis à prática do crime de violação: A. Que não foram presenciados por ninguém para além do Assistente; B. Tendo única e exclusivamente por base o depoimento do Assistente; C. Apesar do Arguido sempre ter negado as referidas acusações; D. Sem que haja uma qualquer pessoa que tenha ouvido um grito ou qualquer facto indiciador da sua ocorrência, E. Que violam as regras da lógica e da experiência comum, e F. Qual cereja no topo do bolo, sem que tenha sido realizado qualquer exame médico-legal que confirme as alegações do Assistente, designadamente, recolha de ADN.

  1. É chocante e profundamente vexatório para a Justiça Portuguesa que alguém que é primário, pai de 4 filhos, marido e filho seja alvo de processos desta natureza sem que tenha sido produzida prova cabal da sua prática, em patente violação do in dubio pro reo; 8. É ainda mais dramático e incompreensível que, nestas circunstâncias, o Tribunal da Relação de Lisboa o condene a uma pena de prisão efectiva de 4 anos e 2 meses, sem sequer atentar na sua condição pessoal! Com efeito, 9. Ao dar como provados os factos 7 a 9 e 15 a 24, o Tribunal violou o princípio do in dubio pro reo nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 410.º, n.º 2, do CPP e 32.º da CRP, impondo-se a revogação da decisão em conformidade; 10. Contrariamente ao que se conclui no Acórdão recorrido, a matéria assente não é susceptível de preencher (i) nem o elemento objectivo do tipo de importunação sexual (ii) nem o respectivo elemento subjectivo; 11. O Tribunal não identifica os factos coordenáveis ao elemento objectivo e subjectivo do tipo de importunação sexual, pelo que se desconhece o iter cognoscitivo do julgador a este respeito. A decisão enferma, pois, de falta de fundamentação, o que desde já se alega para todos os devidos efeitos legais, em conformidade com o disposto no art.ºs 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, sendo por isso nula, o que impõe a sua revogação; 12. A factualidade descrita nos pontos 14 a 19 e 22 e 23 é atípica, não sendo coordenável ao crime de importunação sexual p. e p. pelo artigo 170.º do Código Penal; a decisão enferma, pois, de insuficiência da matéria de facto em conformidade com o disposto no art.º 410.º, n.º 2, al. a), do CPP; ou, caso assim não se entenda, de erro de julgamento; 13. A matéria provada também não é coordenável ao crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, sendo atípica; também por esta razão a decisão enferma de insuficiência da matéria de facto em conformidade com o disposto no art.º 410.º, n.º 2, al. a), do CPP; ou, caso assim não se entenda, de erro de julgamento; 14. Conforme concluiu - e bem - a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, “Ora, salvo melhor entendimento do ato subitamente empreendido pelo arguido não pode extrair-se, sem mais, que o arguido usou de violência para introduzir o pénis no ânus do menor, nem tão pouco que o ameaçou, e muito menos de forma grave, faltando, designadamente, a alegação e a prova de que para vencer alguma resistência oferecida pelo ofendido, o arguido utilizou algum dos referidos meios típicos de coacção”; 15. Todavia e ainda que assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se concede, o comportamento do Arguido estará a coberto de uma causa de exclusão da ilicitude; 16. Por conseguinte, encontrando-se o Arguido em erro sobre a ilicitude, por achar que actuava com o consentimento do Assistente, nomeadamente erro de valoração sobre o consentimento, age sem culpa, de acordo com o disposto no artigo 17.º, n.º 1 do Código Penal; 17. Ao concluir que o Arguido se encontrava numa situação de erro sobre a ilicitude da sua conduta – erro de valoração sobre o consentimento – nos temos e para os efeitos do disposto no art.º 17.º do Código Penal, a decisão em crise enferma de erro de julgamento, devendo, também por este motivo, ser revogada; 18. Caso, por absurdo assim não se entenda, o que, sem conceder, por mera cautela de patrocínio se admite, é igualmente patente que o Tribunal recorrido errou ao condenar o Arguido numa pena de prisão efectiva, para mais com a duração de 4 anos e 2 meses, à revelia de qualquer Relatório Social; 19. A Decisão em crise viola, pois, igualmente, o art.º 50.º do CP; a suspensão da execução da pena de prisão mostra-se adequada à satisfação quer [na] perspectiva das necessidades de prevenção especial, quer também na perspectiva das necessidades de prevenção geral positiva; de resto, as exigências de prevenção geral sempre serão acauteladas com a inibição do exercício da sua actividade profissional; 20. Por forma a habilitar o Tribunal a pronunciar-se sobre o presente pedido, o Arguido requer a V. Exa se digne solicitar à DGRSP a realização do necessário Relatório Social”.

    O Exmo. Procurador-Geral da República junto da Relação, em resposta bem estruturada, respondeu ao recurso no sentido da sua improcedência.

    Também neste Supremo Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu proficiente parecer no mesmo sentido.

    Cumprido o disposto no n.º 2 do art.º 417.º do CPP, o recorrente não respondeu.

    Após vistos e realizada a conferência cumpre decidir, decisão que versa sobre as seguintes questões: a)– Admissibilidade do recurso (cls. 1.ª a 3.ª); b) – Ausência de prova (cls. 4.ª a 8.ª); c) – Violação do princípio in dubio pro reo (cls. 9.ª); d) – Nulidade por falta de fundamentação quanto ao elemento objectivo e subjectivo do crime de importunação sexual (cls. 10.ª e 11.ª) e não preenchimento deste tipo legal de crime; e) – Vício da alín. a) do...

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