Acórdão nº 89/16.0T8VGS.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução31 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO AA instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra, BB e CC, pedindo a condenação destes no pagamento solidário da importância de €25.790,00, acrescida de juros de mora vincendos desde a data da citação.

Articulou, com utilidade, ter celebrado com os Réus, dois contratos de mútuo, o primeiro no valor de €25.000,00, e o segundo no valor de €2.000,00, montantes que estes se obrigaram a restituir em prestações anuais, conforme a disponibilidade dos mesmos, o que não cumpriram, apenas lhe tendo restituído a quantia de €1.610,00, por conta do primeiro acordo.

Por força da nulidade do primeiro contrato de mútuo, por vício de forma, não são devidos os juros de mora convencionados e apenas o capital mutuado e, quanto ao segundo contrato de mútuo existe nulidade quanto à convenção de juros, sendo apenas devidos à taxa legal de 4% ao ano.

Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação e deduziram pedido reconvencional, apenas aceitando ter efectuado o primeiro dos alegados contratos de mútuo, relativamente ao qual pagaram a quantia global de €32.865,00, por conta de juros e capital.

Na sequência da alegação quanto ao montante pago, pediram que o Autor/Reconvindo seja condenado a restituir-lhes a quantia de €7.865,00 que entregaram indevidamente, já que os juros apenas poderiam ser calculados à taxa de 4% ao ano.

O Autor/Reconvindo replicou, alegando que é falso que os Réus/Reconvintes tenham efectuado os pagamentos que alegam, embora aceite ter recebido destes, quantia que não sabe concretizar, a título de juros de mora, até ao ano de 2013.

Mais alegou que os Réus/Reconvintes não podem pedir a devolução da quantia paga, porquanto isso configura abuso do direito.

Admitido o pedido reconvencional, foi proferido despacho saneador, tendo-se fixado o objecto do litígio, dispensando-se a enunciação dos temas de prova.

Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida decisão de facto e de direito, em cujo dispositivo se consignou: “Em face do exposto, e com os fundamentos de facto e de Direito supra exarados, decide-se: a) julgar a acção intentada por AA contra BB e CC parcialmente procedente, e, em consequência, declarar nulo, por vício de forma, o contrato de mútuo no montante de €25.000,OO celebrado entre o autor e os réus; b) absolver os réus do demais peticionado; c) julgar o pedido reconvencional deduzido por BB e CC contra AA parcialmente procedente e, em consequência, condeno este a restituir aos réus/reconvintes a quantia de €6.340,00, acrescida de juros de mora contados desde a notificação da reconvenção (23-06-2016) até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano.

Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 18% para os réus/reconvintes e em 82% para o autor/reconvindo (artigo 527°, n.o1 e 2 do Código de Processo Civil).” Inconformado, o Autor/Reconvindo/AA recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e altera-se a sentença nestes termos: 1. Julga-se a acção parcialmente procedente e condenam-se os RR. a pagar ao A. a quantia de € 3 960,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento; 2. Julga-se a reconvenção improcedente e absolve-se o A. do pedido reconvencional. Custas: 1. Na 1.ª instância: - da acção, por A. e RR. na proporção de vencido; - da reconvenção pelos RR.; 2. Na 2.ª instância, por Apelante e Apelados na proporção de vencido.” O Autor/Reconvindo/AA insurgiu-se contra a decisão proferida em 2.ª Instância, tendo interposto recurso de revista excepcional, (alínea c) do n.° 1, do art.º 672° do Código de Processo Civil), aduzindo as seguintes conclusões: “l.ª Os mutuários receberam aos 25/08/06, os 25.000,00€ que o recorrente lhes emprestou, por contrato verbal, importância que fizeram sua.

  1. Sem questionarem por qualquer forma a validade do contrato e as obrigações dele decorrentes, os mutuários pagaram os juros convencionados até 2010 e, embora não na totalidade, continuaram a pagar juros até 2105.

  2. Ao considerar que os juros pagos pelos mutuários constituem restituição (parcial) do capital mutuado, o douto Tribunal recorrido, violou o princípio da proibição do enriquecimento, constante do artigo 473º do CC, uma vez que faz cair apenas sobre o mutuante as consequências da nulidade formal, permitindo que os mutuários retirem proveitos do capital mutuado, à custa daquele.

  3. Esse computo constitui, por outro lado, flagrante violação do princípio da proibição do abuso de direito, e da boa fé contratuais, constante do artigo 334º do CC, uma vez que, ao procederem ao pagamento dos juros convencionados durante quatro anos, sem questionarem a validade do contrato fizeram nascer no credor a convicção séria de que assim continuariam a fazer.

  4. Deve, por isso, a douta decisão recorrida ser alterada, considerando como juros os juros efectivamente pagos pelos mutuários, e condenando estes a pagarem ao A. o capital com que se encontram enriquecidos, (23.390,00 €), fazendo com que essa decisão coincida com o entendimento levado ao douto acórdão fundamento, que proíbe os mutuários de extraírem da nulidade as consequências pretendidas, assim se fazendo a habitual e sã Justiça.” Foram apresentadas contra-alegações pelos Recorridos/Réus/BB e CC, nas quais, sem quaisquer conclusões, pugnam pela improcedência do interposto recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Remetidos os autos à Formação, foi proferido acórdão, onde se concluiu: “Não se verificando a dupla conforme, falha o requisito fundamental que desencadeia a revista excepcional e a intervenção desta Formação, nos termos do art. 672º nº 3 do C.P.Civil.

(…) Pelo exposto e de harmonia com o disposto no art. 672º n5 do mesmo diploma legal, remetam-se os autos à distribuição a fim de se possibilitar ao Conselheiro Relator o exame preliminar sobre a admissão da revista normal” Levado a cabo o exame preliminar sobre o recurso interposto, admite-se o mesmo, como de revista normal, preenchidos que estão os requisitos de que depende a respectiva admissibilidade, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO II. 1.

    A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Autor/Reconvindo/AA consiste em saber se: (1) Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, concretamente, a) resulta dos autos a violação do princípio da proibição do abuso de direito, e da boa-fé contratuais, uma vez que os mutuários, ao procederem ao pagamento dos juros convencionados durante quatro anos, sem questionarem a validade do contrato ajuizado, fizeram nascer no mutuante, credor, a convicção séria de que assim continuariam a fazer? b), outrossim, ao considerar que os juros pagos pelos mutuários constituem restituição (parcial) do capital mutuado, o acórdão recorrido, violou o princípio da proibição do enriquecimento sem justa causa, uma vez que faz cair apenas sobre o mutuante as consequências da nulidade formal do contrato ajuizado, permitindo que os mutuários retirem proveitos do capital mutuado, à custa daquele? II. 2. Da Matéria de Facto Factos considerados provados na sentença de 1ª Instância: “1. No dia 25-08-2006, AA, por acordo verbal, entregou a BB e CC, por solicitação destes, a quantia de € 25.000,00, com a condição de a mesma lhe ser restituída em prestações anuais, conforme as disponibilidades destes, acordando ainda que o empréstimo venceria juros anuais de 10%.

    1. O acordo referido em 1 foi titulado por letra aceite por BB e CC.

    2. DD e EE assinaram a letra referida em 2 no lugar do aceitante, mas pretenderam intervir como avalistas de BB e CC.

    3. BB e CC entregaram a AA: a) em 15-08-2007, a quantia de € 800,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; b) em 25-08-2008, a quantia de € 200,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; c) em 30-08-2009, a quantia de € 610,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; d) em data não concretamente apurada do ano de 2010, a quantia de € 1.000,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00 para pagamento de juros; e) em data não concretamente apurada do ano de 2011, a quantia de € 3.800,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; f) em data não concretamente apurada do ano de 2012, a quantia de € 500,00, para pagamento de capital e de € 2.500,00, para pagamento de juros; g) em data não concretamente apurada do ano de 2013, a...

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