Acórdão nº 933/03.2TBSTB-F.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução22 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

Em 20.4.2017, “Transportes AA, Lda” instaurou incidente de liquidação de sentença contra “BB, S.A.” pedindo que a responsabilidade da ré pelos danos que foi condenada a pagar-lhe na ação principal seja fixada em EUR 112.093,75, acrescidos de juros vincendos até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que: Por sentença proferida em 16.05.2008, na ação ordinária n.º 933/03.2TBSTB a ré, BB, S.A.”, foi condenada, no que agora importa, a pagar à autora, “Transportes AA, Lda, o «que se liquidar em sentença relativo à imobilização do veículo», valor que a autora veio agora liquidar de harmonia com o decidido.

  1. Foi deduzida oposição, alegando-se, em resumo, que: O presente incidente não é de admitir, uma vez que a sentença liquidanda ainda não transitou em julgado, por ter sido instaurado recurso extraordinário de revisão.

    Por outro lado, a decisão que viesse a ser proferida no presente incidente estaria a violar o caso julgado, entretanto formado por sentença proferida em 5.12.2013, já transitada em julgado, no âmbito de um anterior incidente de liquidação respeitante à mesma sentença.

    Foi, ainda, impugnada a factualidade alegada pela autora, concluindo-se pela improcedência do pedido.

  2. A autora veio responder às exceções deduzidas, sustentando que a interposição de recurso extraordinário de revisão não impede o trânsito em julgado da sentença revidenda e que a decisão de improcedência proferida no anterior incidente não obsta a que se requeira nova liquidação.

  3. Seguidamente, foi proferida sentença que, considerando que o pedido formulado neste incidente já tinha sido objeto de decisão judicial, transitada em julgado, julgou extinta a instância.

  4. Desta decisão, a requerente interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação proferido acórdão a confirmar a sentença recorrida.

  5. De novo irresignada, veio a requerente interpor revista excecional, nos termos previstos no art. 672º, nº1, als. a) e c), do Código de Processo Civil, tendo sido proferido acórdão pela Formação de Juízes Conselheiros a que se alude no nº 3, do art. 672º, daquele Código, a rejeitar a revista excecional e a ordenar a distribuição como revista normal, considerando que, tendo a ação principal dado entrada em juízo em data anterior a 1.1.2008, não tem aplicação ao caso o disposto no art. 671º, nº3, do atual CPC.

  6. Nas alegações da revista, a recorrente, em conclusão, disse: A. A recorrente vem pelo presente recurso de revista excecional, impugnar o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora que confirmou a sentença da primeira instância, invocando uma errónea aplicação do direito ao caso concreto, que, pela gravidade e seriedade da desconformidade, exige a subida ao digníssimo Supremo Tribunal de Justiça, com vista à superior apreciação das questões subjacentes de modo claramente necessário à melhor aplicação do direito.

    1. Pretende-se, por esta via, conformar os limites e alcance do direito à liquidação, por via da indagação oficiosa, tornada necessária em face da omissão de preenchimento do ónus probatório por parte do autor/requerente/recorrente, de forma a suprir a dúvida e aplicar o direito de forma conforme.

    2. Desse modo, entende-se que é preciso conformar que a instância se renova apenas para que renasça o poder jurisdicional, com essa reserva de quantificação, não sendo oponível que lhe tenha antecedido outra renovação já "encerrada".

    3. O primeiro incidente terminou com um (novo) "fechar" da instância "principal", retornando à situação irresolvida inicial que se "mantém" na instância "incompleta".

    4. Ao "renovar" permite-se que o julgador aprecie o quantum condenatório ainda não concretizado, de forma a respeitar e preencher o alcance do caso julgado.

    5. Caberá ao julgador o dever legalmente consagrado de liquidar, mesmo que através do suprimento das carências probatória por via oficiosa, regra essa que cumpre afirmar e cuja relevância se basta por si, refletindo-se na suscetibilidade no "dever" de procedência do incidente declarativo de liquidação proposto após a sentença, ou, pelo contrário, da insusceptibilidade de improcedência sem prévio preenchimento das possibilidades de indagação oficiosa por parte do julgador.

    6. Pretende assim conformar o direito, quanto à definição dos limites e alcance do direito à liquidação, por via da indagação oficiosa, tornada necessária em face da omissão de preenchimento do ónus probatório por parte do autor/requerente/recorrente, de forma a suprir a dúvida e aplicar o direito de forma conforme.

    7. Quanto à admissibilidade da renovação da instância no incidente de liquidação, ela está prevista no artigo 358°, n.º 2 do Código do Processo Civil, pelo que é matéria incontroversa que se esgota na interpretação literal do citado normativo.

      I. Questão distinta é a de saber se essa renovação se poderá verificar por mais de uma vez, quanto ao mesmo tipo de incidente declarativo. Isto é: se o autor pode deduzir dois (ou mais) incidentes de liquidação, renovando a instância extinta por uma segunda vez, com fundamento no fracasso do resultado da primeira renovação, e da improcedência da liquidação. No entendimento do recorrente, não se verifica qualquer fundamento que possa obstaculizar tal possibilidade.

    8. Pretende-se, com o recurso de revista excecional, definir o direito do autor a renovar, mais de uma vez, a instância extinta, com fundamento na necessidade de liquidação da sentença condenatória genérica, no caso da primeira renovação, por via incidental posterior, ter culminado com uma não apreciação da questão de facto, eximindo-se á apreciação de mérito que deixou ilíquida parte da condenação da ré, e por isso, não preencheu a totalidade do escopo condenatório resultante da sentença.

    9. Atente-se à inversão lógica que resulta dos doutos arestos que antecedem. A douta sentença confirmada pelo digníssimo Tribunal da Relação de Évora fere e viola a autoridade do caso julgado (resultante da sentença) usando como fundamento essa mesma proteção, impendido a execução da sentença.

      L. O objetivo único da liquidação é efetivamente definir, concretizar, quantificar o resultado da condenação genérica. A sentença já condenou a Ré ao pagamento e transitada em julgado essa decisão não pode ser revogada senão por via do recurso, nos termos da lei processual.

    10. A única parte da decisão na condenação genérica já transitada, que ao julgador é permitido apreciar é o quantum dessa condenação. Quanto ao restante sobrevém a extinção dos poderes jurisdicionais.

    11. O julgador da liquidação está vinculado ao respeito pelos limites dessa mesma condenação, não podendo "deixar de condenar" num qualquer quantitativo. É por esse motivo que o legislador (como já supramencionado) proveu o julgador com a possibilidade de indagação oficiosa com vista à determinação quantitativa.

    12. Trata-se então de aferir do alcance do caso julgado no incidente autónomo de liquidação, posterior à sentença, nos casos de improcedência da liquidação, entendendo o recorrente que o mesmo não se forma, salvo quando há um conteúdo positivo e conformador que resulte da sentença da liquidação.

    13. O douto acórdão do tribunal a quo (confirmativo da douta sentença) representa uma nítida denegação de justiça.

    14. constitui uma negação de decisão com fundamentos desconforme à lei e deve ser revogado como as legais cominações.

  7. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.

    *** 9.

    Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.

    Por sua vez – como vem sendo repetidamente afirmado – os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal a quo.

    Sendo assim, a única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se, após ter sido proferida decisão, transitada em julgado, que julgou improcedente o incidente de liquidação da sentença liquidanda, pode ser instaurado novo incidente, com vista à concretização do objeto da condenação genérica ali sentenciada.

    *** II – Do contexto processual relevante 10.

    Vem dado como assente que: 1. Por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT