Acórdão nº 19/14.4T8VVD.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | OLIVEIRA ABREU |
Data da Resolução | 22 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO AA e BB intentaram contra CC e outros a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, na qual peticionam: 1.º) Se declare que o prédio melhor identificado no artigo 1.º é propriedade dos Autores; 2.º) Sejam os Réus condenados a reconhecerem que o caminho objecto da discórdia faz parte integrante do prédio melhor identificado no artigo 1.º, e a restituir-lhes o livre acesso ao caminho que faz desse prédio, livre e desocupado de pessoas e bens, encargos e obrigações; 3.º) Sejam os Réus condenados a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam o livre acesso pelo caminho, a pé, de carro de bois e tractor para o prédio.
Articularam, com utilidade: - Encontra-se inscrito a favor dos Autores, na matriz predial rústica da freguesia da ..., sob o art.º 500, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 263, o seguinte prédio: campo do sobreiro, de cultivo, com 2 (duas) oliveiras, 03 (três) castanheiros e 23 (vinte e três) uveiras, com área de 4.030 m2, a confrontar de norte com DD, nascente e poente com EE e a Sul com FF, sito no lugar de ..., concelho de ...; - Tal prédio tem vindo a ser utilizado há pelo menos 50 (cinquenta) anos por GG e HH, pais da ora Autora, e, após a sua morte, pelos Autores; - Que o têm usado à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja; - Cultivando-o, lavrando-o, tratando das árvores e videiras que nele existem e colhendo os frutos dessa actividade; - Na convicção de serem os únicos e exclusivos donos do prédio; - A 1.ª Ré, na qualidade de proprietária de raiz, e a 2.ª Ré, na qualidade de usufrutuária, são, respectivamente, dona e legitima possuidora do prédio inscrito na matriz predial urbJJ da freguesia da ..., sob o art.º 1724, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1596; - Por sua vez, os 3ºs Réus são donos e legítimos possuidores do prédio inscrito na matriz predial rustica da freguesia da ..., sob o art.º 495, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1577; - O acesso ao prédio dos Autores foi sempre, desde há mais de 50 anos, feito a pé, de carro de bois e ainda de tractor por um caminho que se inicia junto da estrada de ..-...; - Confrontando a nascente com os prédios melhor identificados nos artigos 6.º e 7.º do petitório; - Com um comprimento de cerca de 30 m e 2,5 m de largura; - Os Autores e seus antecessores têm utilizado o mencionado caminho para acederem ao seu prédio; - E esse caminho foi sempre feito de pé, de carro de bois e ainda de tractor, sem a oposição de ninguém; - Ostensivamente e publicamente, pois à vista de toda a gente; - Sempre o usando na convicção que o mesmo era parte integrante do prédio melhor identificado no artigo 1.º do petitório; - Sempre convictos de exercerem um direito próprio, e pois, não lesando terceiros; - Caminho que sempre, ao longo de várias dezenas de anos, se apresentou com sinais visíveis, permanentes e inequívocos, como as divisões feitas em pedra, delimitando o mesmo dos prédios que a nascente se encontram; - No início de 2005, o marido da 2.ª Ré, II, sem que para tal estivesse autorizado, resolveu cimentar o caminho supra mencionado, numa área de 10m de comprimento, com início junto da estrada pública que liga Turiz-...; - Posteriormente, no ano de 2009, a 2.ª Ré, sem o conhecimento e contra a vontade dos Autores, colocou paletes de madeira e ainda paletes com blocos de cimento, obstruindo, e impedindo o trânsito de pessoas e veículos pelo mesmo; - Apesar das várias interpelações feitas aos Réus, no sentido de reporem a acessibilidade do caminho, as mesmas saíram todas goradas.
Regularmente citados os Réus, a Ré/CC contestou, impugnando parcialmente a matéria de facto alegada na petição inicial e invocando a sua ilegitimidade para a presente acção, alegando, em síntese, que: - A Ré é parte ilegítima na presente acção, porquanto os Autores alegam que a causa de pedir da presente demanda assenta na existência ou não de um caminho de servidão que onera o prédio da Ré CC (raiz) e de sua mãe JJ (Usufruto), a saber: prédio urbano sito no lugar do Sobreiro, ..., inscrito no artigo 1724 e descrito na matriz sob artigo ...; - Contudo, a configuração de um caminho de servidão que existiu em tempos imemoriais, mas que deixou de ser usado há mais de trinta anos, não atravessa o prédio urbano das Rés CC e JJ, identificado no artigo 6.º da Petição Inicial; - Mas, antes, atravessa o prédio urbano designado como barracão de rés-do-chão com uma divisão, para indústria de fabricação de blocos de cimento, com a área coberta de 500 m2, a confrontar do Norte com Herdeiros de II e Caminho público; sul com herdeiros de II, Nascente com ... e Poente com Caminho de Servidão, inscrito na matriz sob o artigo 639 Urbano da ...; - Porquanto, aquando da realização das Partilhas por óbito de II, falecido em 12 de Junho de 2009, os seus legais herdeiros (esposa JJ e três filhos: CC, AA e EE) fazem a partilha de todo o património do dissolvido casal; - Por força da partilha outorgada em 3.08.2012 no cartório Notarial de ... do Dr. ..., a folhas 88 a 91v, do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 151 - A, é adjudicado ao filho LL, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 639, que se localiza entre o prédio urbano das Rés CC e JJ e o prédio do vizinho; - As Rés, JJ e CC são partes ilegítimas na demanda, facto que é do conhecimento dos Autores, pois que vivem a cerca de 20 metros do local em causa.
Mais requereram a intervenção principal, do lado passivo, de LL e ....
Os Autores exerceram o contraditório quanto à excepção invocada pela Ré e quanto ao incidente de intervenção de terceiros, pugnando pela improcedência da excepção e declarando nada ter a opor à requerida intervenção principal.
Por despachos de fls. 224 a 228 foi indeferido o incidente de intervenção principal provocada e julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual deduzida pela Ré.
Foi citado o Ministério Público em representação dos herdeiros incertos de MM, após o que, na sequência da identificação desses herdeiros, prosseguiu a acção contra, ..., ..., ..., ..., ... e ....
Calendarizada e realizada a audiência final foi proferida decisão de facto e de direito, constando do respectivo dispositivo: “Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência:
-
Declaro que o prédio identificado no ponto 1 dos Factos Provados é propriedade dos Autores; b) Declaro que o caminho referido nos pontos 8 a 16 dos factos Provados é parte integrante do prédio identificado no ponto 1 dos Factos Provados; c) Condeno os Réus a restituir aos Autores o livre acesso ao caminho referido em b), livre e desocupado de pessoas e bens, encargos e obrigações; d) Condeno os Réus a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam o livre acesso pelo caminho referido em b).” Inconformada, apelou a Ré/CC, tendo o Tribunal da Relação conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação procedente e em conformidade alteram a sentença recorrida nos seguintes termos: a) Declara-se que o prédio identificado no ponto 1 dos Factos Provados é propriedade dos Autores; No mais absolvem-se os réus do pedido.” Inconformado com o proferido acórdão, os Autores/AA e BB, interpuseram recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões: “I - Antes de mais, ressalvando desde já o devido respeito por melhor entendimento, consideram os Recorrentes que o acórdão está ferido de nulidades, as quais estão vertidas e tipificadas na al. b) e c) do n.° 1, do Art. 615°, ex vi al. c) do n.° 1 do Art. 674.°, ambos do C.P.C, designadamente por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ainda por ter os fundamentos em clara oposição com a decisão, bem como conter ambiguidades e obscuridades que tornam a decisão ininteligível, isto pelo seguinte; II - O Tribunal a quo considerou que os factos dados como provados seriam suficientes para a prova da aquisição de um direito de servidão de passagem por usucapião.
III - Ora, para além dos requisitos comuns da constituição dos direitos reais por usucapião, designadamente da posse (elemento material "Corpus" e elemento psicológico "Animus") e ainda da sua manutenção por certo lapso de tempo, o Tribunal a quo, sem que perceba onde alicerçou os fundamentos, considerou existir a demonstração que a pretensa servidão seria aparente.
IV - Pese embora tal facto, e para o que aqui interessa, extrai-se que o Tribunal a quo considerou que os Autores provaram os requisitos comuns da constituição dos direitos reais por usucapião.
V - No entanto, o mesmo Tribunal considera que a prova suficiente para a aquisição de um direito de servidão de passagem por usucapião, não é suficiente para se concluir pelo direito de propriedade do caminho e muito menos parte integrante do prédio dos Autores.
VI - Salvo o devido respeito tal entendimento para além de incompreensível não tem o devido e legal fundamento seja de facto, bem como de direito.
VII - O Meritíssimo Juiz da 1ª Instância, após ter cumprido de forma rigorosa o princípio do contraditório entre as partes, o que sucedeu nos vários atos processuais necessários à boa instrução e julgamento da causa, seja na fase dos articulados, bem como nas várias sessões de audiência de julgamento, nos quais foram cumpridos na integra o principio da oralidade e da imediação, e ainda com a inspeção judicial concretizada, deliberou e bem que os Autores provaram os requisitos comuns da constituição do direito real de propriedade por usucapião do caminho.
VIII - Mais, como também é identificado pelo Tribunal a quo, a sentença “Contém os fundamentos de facto em que se baseia, tal como contém igualmente os respectivos fundamentos de direito”, IX- A qual teve a seguinte fundamentação factual, “Apreciando criticamente o conjunto da...
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