Acórdão nº 296/17.9T8FAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Março de 2019
Magistrado Responsável | ANTÓNIO LEONES DANTAS |
Data da Resolução | 06 de Março de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA, BB e CC vieram impugnar judicialmente a regularidade e licitude do despedimento de que foram objeto, promovido pela Ré - DD, SA.
Realizada a audiência de partes, não chegaram as mesmas a acordo e, notificada a Ré para motivar o despedimento, veio alegar que, no dia 24 de março de 2016, os AA., na sequência de plenário de trabalhadores, procederam à divulgação pelos clientes, utentes da praia e auditores do hotel, de um comunicado redigido em português e em inglês, no qual a acusavam de precarização das condições de trabalho por recurso ao trabalho temporário pago com baixos salários e estagiários em substituição de trabalhadores, aumento da repressão, não atualização de salários e não pagamento do trabalho suplementar prestado, o que não corresponde à verdade.
Acrescentou que a convocatória do plenário foi efetuada, em nome próprio por três delegados sindicais, entre os quais os dois autores masculinos e outro que integrava a comissão sindical, que extrapolaram as respetivas atribuições porquanto a legitimidade para proceder a tal convocatória pertencia à comissão sindical e que instruído o processo disciplinar, de acordo com as formalidades legais que elencou, decidiu-se a R. pela decisão de despedimento com justa causa dos AA. por entender que a relação de confiança e lealdade se quebrou em virtude dos comportamentos ofensivos, desprimorosos e difamatórios de que entende ter sido alvo.
Os AA. responderam alegando, em síntese, que a convocatória do plenário foi subscrita pelos três elementos que integravam a comissão sindical, que o conteúdo do comunicado que foi posto à votação no mesmo era o resultado do debatido em plenários anteriores, pelo que a sua entrega pelos AA. foi-o no âmbito da sua atividade sindical e ao abrigo da liberdade de expressão, motivo porque a decisão é ilícita.
Afirmam ainda que se se reconhecer que praticaram infração disciplinar, a decisão de despedimento é desproporcionada, atendendo também à sua antiguidade e ausência de antecedentes disciplinares sendo, por isso, ilícita.
Referem também que o comunicado foi distribuído por outros trabalhadores da R., para além dos AA. e relativamente àqueles a R. não instaurou qualquer processo disciplinar, tendo assim violado o princípio da coerência disciplinar o que acarreta ilicitude da decisão.
Finalmente, acrescentam que o processo disciplinar teve como fundamento o exercício dos seus direitos como trabalhadores nos seis meses anteriores à instauração do processo disciplinar pelo que, a sanção aplicada tem de se presumir abusiva.
Concluíram pedindo que se declare a ilicitude do despedimento com a consequente reintegração, ou por uma indemnização de antiguidade, caso por esta venham a optar, e caso se prove a abusividade da sanção, requerem a condenação da Ré a pagar-lhes a indemnização a que alude o disposto no art.º 392.º n.º 3 do Código de Trabalho e, bem assim, as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento.
A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença nos seguintes termos: «Em face do exposto:
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Declaro que AA, BB e CC foram despedidos com justa causa, pelo que absolvo a R. DD, SA dos pedidos formulados pelos mesmos.
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Custas pelos AA. (cfr. art.º 527.º do CPC, ex vi art.º 1.º n.º 2 al. a) do CPT), sem prejuízo da isenção de que os mesmos beneficiam.
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Fixo o valor da causa em € 60 805,91.» Inconformados com esta decisão, dela apelaram os Autores para o Tribunal da Relação de Évora que veio a conhecer do recurso por acórdão de 8 de março de 2018 que integrou o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente, declarar ilícito o despedimento dos autores promovido pela ré, revogar a sentença recorrida e condená-la a pagar a cada um dos trabalhadores: 1. As retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, deduzidas das importâncias que os trabalhadores tenham auferido com a cessação do contrato e que não receberiam se não fosse o despedimento e do subsídio de desemprego atribuído, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social, a liquidar após o trânsito em julgado da decisão final, acrescida dos juros à taxa legal desde as data em que as quantias deveriam ter sido colocadas à disposição dos trabalhadores até pagamento.
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A indemnização de antiguidade com referência a 20 dias de retribuição base para cada um deles, a liquidar após o trânsito em julgado da decisão final.
Custas pela apelada.» Notificados deste acórdão, vieram os Autores requerer a correção de erro material que imputavam ao mesmo, na parte em que este condenou a Ré a pagar-lhes uma indemnização em substituição da reintegração, pois não teriam optado pela primeira.
Por sua vez, a Ré veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal daquele acórdão, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1.ª - Os recorridos, no comunicado em causa, imputaram à recorrente a prática dos seguintes: (i) exploração dos trabalhadores, que tem vindo a aumentar; (ii) empurrar os trabalhadores para a pobreza; (iii) não proceder à atualização dos salários há oito anos; (iv) precarização das condições de trabalho, por recurso ao trabalho temporário pago com baixos salários e aos estágios em substituição dos trabalhadores; (v) repressão sobre os trabalhadores, que tem vindo a aumentar; e (vi) não proceder ao pagamento do trabalho suplementar.
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- O Tribunal "a quo" não apreciou, nem se pronunciou, sobre todas as acusações realizadas pelos recorridos a recorrente, limitando-se, no aresto sob censura, a reexaminar duas delas.
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- Estatui o artigo 205°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, que "As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei” encontrando-se a mencionada lei fundamental concretizada, a nível da legislação processual civil, no artigo 154°, onde se estabelece que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
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- O legislador consagrou a obrigatoriedade dos tribunais colegiais na fundamentação do acórdão, por força do n.° 4 do artigo 607° do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 663°, n.° 2 do mesmo diploma legal, declararem quais os factos que julgam provados e quais os que julgam não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
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- Caso o Tribunal "a quo" tivesse procedido a um verdadeiro exame crítico do iter que conduziu a considerar cada facto provado ou não provado, teria chegado à inevitável conclusão que as acusações realizadas pelos recorridos são, gritante e despudoradamente, falsas.
6.ª - As imputações objetos dos presentes autos consubstanciam, por si só, só ilícitos disciplinares, mas também, e ainda mais graves, ilícitos criminais.
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- Do cotejo da matéria de facto dada como provada com a motivação recursiva vinda de expor, resulta, pois, que todas as acusações dos recorridos estão não só absolutamente descontextualizadas com a realidade laboral da recorrente, mas também eivadas de uma total, gritante e grave falsidade, induzindo, fácil e ardilosamente, em erro os todos os destinatários do comunicado em discussão nos presentes autos.
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- As condutas dos recorridos são gravemente ofensivas, desprimorosas e difamatórias, assim como prejudicaram séria e objetivamente os interesses, o bom-nome, a imagem e marca do hotel, assim como da própria recorrente, configurando, na verdade, uma situação de justa causa de despedimento.
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- A direito de liberdade de expressão não pode servir de pretexto para a violação dos direitos de personalidade alheios, tendo, por isso, como limites os demais direitos, liberdades e garantias, entre os quais se incluem os direitos ao bom-nome e reputação de outrem, pelo que, em caso de colisão, haverá que dar prevalência aos segundos (artigo 335°, n.° 2, do Código Civil).
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- As condutas dos recorridos, considerando os princípios da proporcionalidade, da proibição do excesso do abuso do direito e de otimização de direitos e bens constitucionais, extravasaram largamente aquilo que seria o legítimo exercício da liberdade de expressão, considerando que a prática de tal direito colidiria, como colidiu, de forma evidente com os direitos fundamentais da recorrente, nomeadamente, o direito ao bom-nome, à imagem e à reputação.
11.ª - As imputações feitas, bem como a forma como foram divulgadas, ou seja, à entrada da unidade hoteleira a todos os clientes que por ali passavam, bem como a quaisquer transeuntes que por ali circulavam no espaço público, quebram irremediavelmente a confiança que a recorrente depositava nos recorridos, até porque, como é facto público e notório, o sucesso e a taxa de ocupação de uma unidade hoteleira dependem da sua reputação e imagem junto do público em geral.
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- Perante as condutas dos recorridos, de recurso a todos e quaisquer meios para atingir um fim, i.e., de recurso à mentira infundada e despudorada para alegadamente lutar por melhores condições de trabalho, a confiança que, necessariamente, terá de existir entre trabalhador e empregador fica, inevitavelmente, abalada e quebrada, criando, legitimamente, justo e fundado receio que comportamentos semelhantes se mantenham e repitam no futuro, tornando, prática e imediatamente, impossível a subsistência dos contratos de trabalho.
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- Estatui o artigo 351.º, n.° 1, do Código do Trabalho, que: "Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho ".
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- O supra mencionado preceito legal, impõe a verificação...
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