Acórdão nº 14897/17.1T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Março de 2019
Magistrado Responsável | CHAMBEL MOURISCO |
Data da Resolução | 06 de Março de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório: 1. AA intentou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra Companhia ... S.A.
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O Tribunal da 1.ª Instância declarou lícito o despedimento da trabalhadora e, em consequência, absolveu a empregadora do pedido.
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Inconformada a autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido: – Julgar parcialmente procedente o recurso da matéria de facto e alterar a resposta contida na alínea Y; – Julgar procedente o recurso de direito, revogando a sentença recorrida e declarar ilícito o despedimento da autora, condenando a ré a reintegrá-la e a pagar-lhe os salários de tramitação que deixou de auferir, desde o despedimento até à reintegração efetiva, nos termos e com os limites do art.º 390, n.º 1 e 2, do Código do Trabalho.
4. Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões: 1- A sentença proferida em 1.ª instância que considerou lícito o despedimento da recorrida, não merece qualquer reparo, já que não era exigível que a recorrente a mantivesse ao seu serviço, por perda de confiança.
2- Não podia o acórdão em recurso considerar, como o faz, mesmo com a alteração da matéria da facto constante da alínea Y), que existiu revenda de dois bilhetes, mas que como essa revenda visava compensar o prejuízo de um troco dado em excesso, o despedimento não é lícito e é desproporcionado, situação com a qual a recorrente não se conforma.
3- O douto acórdão proferido para fundamentar a alteração da matéria de facto da alínea Y), considerou que a recorrida «quis usar o montante de EUR 7,40 de dois bilhetes vendidos uma segunda vez para pagar parte do montante que teria de restituir à R., de EUR 16 decorrente de um lapso que cometeu ao dar um troco em excesso».
4- Considerando o douto acórdão que a recorrida revendeu dois bilhetes e que com o valor da revenda de EUR 7,40, na fundamentação do acórdão sob censura, esse dinheiro iria servir para a recorrida pagar à recorrente um débito referente a um troco que tinha dado a mais e que devia à recorrente.
5- Ou seja, a recorrida quis usar em seu benefício a importância de EUR 7,40, decorrente da dupla venda que fez, para cobrir um erro seu ao dar um troco.
6- De forma estranha, considera o acórdão proferido que a recorrida não se quis apropriar de tal montante, o que não é correto, já que a recorrida quis fazer sua tal quantia, que não lhe pertencia, não encontrando a recorrente justificação para a desculpabilização que o acórdão sob censura faz da recorrida.
7- Antes pelo contrário, a recorrida utilizou um erro seu, alheio à recorrente, para se compensar com o valor de dois bilhetes que não entregou aos clientes e do qual recebeu EUR 7,40, que ficaram para si.
8- Da alínea x) dos factos resulta que a recorrida às 11:24 horas do dia 31.03.2017, recebeu o valor de EUR 7,40 referente a duas tarifas de bordo (bilhetes), e deu a esses clientes duas tarifas de bordo, emitidas às 10h19m34s e 10h19m38s, que por sua vez não as tinha entregue no momento da emissão a outros dois clientes, ficando para si com a importância de EUR 7,40, para compensar um erro que cometeu a dar trocos.
9- E perante o controlador de tráfego (alínea V dos factos provados) a recorrida ao ser confrontada com a situação, afirmou que os passageiros não tinham qualquer responsabilidade no sucedido.
10- O comportamento da recorrida é voluntário e não acidental, pois quis ficar para si com a importância de EUR 7,40, que era pertença da recorrente, para se compensar de um troco que tinha dado em excesso.
11- Lidando a recorrida com dinheiro que era pertença da recorrente e tendo ficado com ele, não era e não é exigível que com esta conduta a recorrente mantivesse a recorrida ao seu serviço, já que foi perdida toda a confiança que a relação laboral pressupõe que exista entre as partes, por falta de idoneidade e boa-fé na execução das suas funções de guarda-freio.
12- Ocorrendo uma revenda com a dupla venda de dois bilhetes e ficando a recorrida para si com a importância de EUR 7,40 para, como diz, pagar parte do montante que teria de restituir à recorrente, em consequência de um erro seu, tal constitui infração grave e censurável, que pela gravidade e consequências, perda de confiança, torna impossível a subsistência da relação laboral.
13- E a sanção disciplinar de despedimento com justa causa aplicada pela recorrente à recorrida é proporcional e adequada ao seu comportamento e conduta, ao contrário do entendimento do acórdão sob censura.
14- Não pode o acórdão sob censura considerar desproporcionada a sanção aplicada, quando a recorrida diz a fls. 12 e 13 do processo disciplinar que ficou com o montante de EUR 7,40 para si da revenda «porque não queria ficar prejudicada nas contas, uma vez que... tinha-se enganado a fazer um troco», quando esse dinheiro era pertença da recorrente.
15- A recorrida recebe um subsídio para falhas de dinheiro, no montante mensal de EUR 5, conforme recibo de vencimento junto como doc. 2 ao articulado de motivação do despedimento e esse subsídio era dado à recorrida para suprir falhas de dinheiro.
16- O subsídio para falhas de dinheiro decorre da cláusula 38.ª n.º 3 do AE publicado no BTE, n.º 17, de 08.05.2009, que regulava a relação laboral entre as partes.
17- Não pode a recorrida receber o subsídio para falhas de dinheiro e quando tem um erro num troco não o assumir e proceder a uma revenda de dois bilhetes para ficar com o dinheiro para si, para pagar parte do valor do erro que comete, sendo que mesmo que não recebesse tal subsídio não podia proceder como o fez.
18- Sendo grave a sua conduta, os próprios representantes dos trabalhadores na comissão de disciplina propuseram a aplicação à recorrida da sanção disciplinar de 10 dias de suspensão sem vencimento, alínea G) dos factos provados, sendo esta a sanção a mais elevada na recorrente, para a conservação da relação laboral, conforme cláusula 50.ª do AE.
19- Mesmo com a alteração da matéria de facto constante da alínea Y), que em nada altera a gravidade da infração cometida pela recorrida, é lícito o seu despedimento com justa causa, dado que a base de confiança que deve existir ficou totalmente abalada, perdendo a recorrente toda a confiança na recorrida pela sua deslealdade.
20- Nenhuma censura merece a recorrente ao aplicar a sanção de despedimento à recorrida, uma vez que nenhuma outra sanção era adequada e proporcional para sanar a crise contratual, por terá recorrente perdido toda a confiança na recorrida.
21- E, ao contrário do entendimento do douto acórdão em recurso, existe proporcionalidade entre a conduta da recorrida e a sanção de despedimento com justa causa que lhe foi aplicada, face à sua conduta desleal e desonesta e a deslealdade, só por si, elimina a confiança que deve existir e sem essa confiança é...
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