Acórdão nº 202/14.2GAPCR.G2. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.1.

Nestes autos, por acórdão de 16.11.2016, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo (Juízo Central Criminal de ..., Juiz ...), o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, nos termos do art. 86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23. 02 (Regime Jurídico das armas e suas munições) na pena de 3 (três) meses de prisão. Neste mesmo acórdão foi o arguido absolvido do crime de furto qualificado, e do pedido de indemnização civil, por “totalmente improcedente por não provado”.

1.2.

Desta decisão interpôs o assistente — BB — recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães (tendo o Ministério Público contra-alegado e defendendo a improcedência do recurso ainda que sem apresentar conclusões” — cf. acórdão recorrido a fls. 621) que, por acórdão de 20.02.2018 decidiu: « - revogar a sentença recorrida na parte em que absolve o arguido do crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º 1 e 204º 1 a) e 2 e) do Cód. Penal e do pedido de indemnização civil; - condenar o arguido/recorrido como autor de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º 1 e 204º 1 a) e 2 e) do Cód. Penal, na pena de quatro (4) anos de prisão; - condenar o arguido, após a realização de cúmulo jurídico entre a dita pena de quatro (4) anos de prisão e a pena de 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, d), RJAM, na pena única de quatro (4) anos e um (1) mês de prisão; - julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e condenar o arguido/demandado a pagar ao assistente/demandante a quantia de 3.130,00 € (três mil, cento e trinta euros), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento, indo absolvido do demais peticionado.» (cf. fls. 637-8).

  1. O arguido AA interpõe agora recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): «1. O arguido/recorrente entende ser inconstitucional a al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, segundo a qual é inadmissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”, 2. Por violação legal dos princípios constitucionais, designadamente o princípio do direito ao recurso artigo 32.º n.º 1, da CRP) e o princípio da legalidade (artigo 29º, n.º 1, da CRP), não se conformando assim o arguido com a irrecorribilidade do Acórdão proferido.

  2. Tendo o arguido sido absolvido pelo crime de furto qualificado em primeira instância, não pode ainda lançar mão do duplo grau de jurisdição, por inexistência do interesse em agir, pelo que deverá ser-lha dada a possibilidade de ver a condenação reapreciada pelo STJ.

  3. O TC já consagrou a garantia de, pelo menos, um grau de recurso: “o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal”, in Acórdão do TC nº 49/2003.

  4. Neste sentido decidiram inconstitucional a norma da al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP os Acórdãos 412/2015, nº 429/2016 e nº 591/2012, permitindo o recurso em situações análogas à do arguido/recorrente, 6. O que vai no sentido da CDH que defende a possibilidade de recurso da primeira condenação, como sucede sub judice.

  5. Prretende assim o arguido/recorrente que lhe reconhecido este direito ao recurso no sentido de ver reapreciada a primeira decisão de condenação, não estando em causa o número de instâncias que já apreciou a presente questão.

  6. O Tribunal da Relação erroneamente procedeu a uma alteração da matéria de facto provada, revogando assim o acórdão da primeira instância que havia absolvido o arguido pela prática do crime de furto qualificado.

  7. Assim, condenou o TRG o arguido na pena de prisão efectiva de 4 anos e 1 mês (em cúmulo jurídico).

  8. Esta condenação viola o princípio do in dúbio pro reo e configura um manifesto erro na apreciação da prova.

  9. Não tendo o TRG presenciado a produção da prova, conseguiu chegar a conclusões a que o colectivo de juízes da primeira instância, que assistiu, não conseguiu, quando, contrariamente, 12. O tribunal de primeira instância considerou que, pelo simples facto do arguido ter estado na posse de três dos bens subtraídos ao assistente, não se possa concluir que tenha sido ele a furta-los.

  10. Na verdade, o TRG basta-se com a uma circunstância do arguido ter estado na posse de uma parte ínfima dos bens furtados e ter tentado vender dois deles para o condenar, sustentando a sua tese em mera prova indirecta/indiciária.

  11. Inexiste prova inequívoca e sem margem de dúvidas de que tenha sido o arguido o autor do furto, tendo o TRG condenado o arguido pelo seu passado, o que não é legalmente admissível.

  12. Como o próprio acórdão da TRG reconhece “no caso em análise não há prova directa do facto”… ninguém viu quem cometeu o furto”.

    16. Para sustentar a sua tese ,o TRG socorre-se da figura da prova indirecta ou indiciária, fundamentando aqui única e exclusivamente a condenação do arguido.

  13. Em sentido contrário, este mesmo tribunal considerou, no seu acórdão de 22/10/13, que em situação análoga, mas ainda com mais prova, pericial e testemunhal, existiu violação do princípio in dúbio pro reo.

  14. No caso em apreço a prova é manifestamente insuficiente para imputar ao arguido a prática do crime de furto qualificado, pelo que se verifica a violação do princípio in dúbio pro reo, impondo-se a absolvição do arguido por este crime.

  15. Estamos perante um erro de julgamento da matéria de facto, porque o tribunal a quo dá como provados factos relativamente aos quais não foi feita prova bastante.

  16. O acórdão em crise evidencia erro notório na apreciação da prova por inexistência de um juízo crítico e fundado da prova produzida, o que nos termos do art. 410º nº 2 do CPP fundamenta o presente recurso.

  17. Nos termos do preceituado no art. 379º nº 1 al. a) do CPP é nula a sentença que não tiver as menções referidas no art. 374º nº 2 do CPP, que por sua vez diz que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como da exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” 22. Assim, verificando-se erro na apreciação da prova, impugna-se a matéria de facto dada como provada, por insuficiência/ausência de prova produzida, 23. O que fundamenta este recurso por contradição entre a fundamentação e a decisão proferida, 24. Assim, deverá ser alterado o acórdão do TRG no sentido da absolvição do arguido pela prática do crime de furto qualificado».

    3.

    Por despacho de 13.04.2018 (cf. fls. 672), foi admitido o recurso.

    4.

    O Senhor Procurador Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Guimarães respondeu concluindo: “deverá julgar-se inadmissível o recurso interposto, dada a irrecorribilidade do acórdão da Relação. Nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.

    ” 5.

    Notificado o assistente (BB) do recurso interposto, veio apresentar contra-alegações terminando com as seguintes conclusões: «1.

    Nos termos dos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP é irrecorrível o acórdão da Relação que, julgando procedente o recurso interposto pelo assistente, da sentença que havia absolvido o recorrente (em processo comum pelo Tribunal coletivo), o condenou em 4 anos e 1 mês de prisão efetiva.

  18. Tendo o arguido tido a possibilidade plena de, no recurso interposto para o Tribunal da Relação, fazer valer, perante a instância de recurso, as razões da sua defesa, o que nunca fez, pese embora os dois recursos do assistente para o Tribunal da Relação de Guimarães! 3. Pelo que, ficaram asseguradas ao arguido as garantias de defesa que constitucionalmente lhe são conferidas.

  19. Deverão V. Exas., rejeitar o recurso do arguido, por não ser admissível, nos termos do disposto nos (arts. 432.º, n.º 1, al. b), 400.º, n.º 1, al. e), 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP).

  20. A prova dos autos não podia ter levado a outra conclusão que não a constante da douta sentença recorrida.

  21. O recorrente recorre a meras divagações para fundamentar o seu recurso; 7. A Douta decisão recorrida não enferma de qualquer erro, contradição, nem viola quaisquer disposições legais aplicáveis, está bem fundamentada e não existe qualquer contradição com a prova produzida.

    » 6.

    Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, no uso da faculdade concedida pelo art. 416.º, n.º 1, do CPP, o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça deu parecer considerando em súmula que: - “escapa aos poderes de cognição do STJ o pretendido reexame da matéria de facto, quer por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quer por erro notório na apreciação da prova, ou contradição entre a fundamentação e decisão”, e - considerando que não ocorre qualquer violação do princípio in dubio pro reo.

    7.

    Notificados os sujeitos processuais ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, não houve a apresentação de qualquer resposta.

  22. Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.

    II Fundamentação A. Matéria de facto 1.1.

    Matéria de facto dada como provada no acórdão prolatado na 1.ª instância: «1. Em data não concretamente apurada, mas certamente entre o dia 25 de Outubro e o dia 24 de Novembro de 2014, o arguido contactou CC, por ser aficionado de motas e ter contacto com pessoas do mundo “motard”, pedindo-lhe ajuda para vender um motociclo e um reboque, que disse serem seus.

  23. Por sua vez, CC pediu ajuda ao seu vizinho, DD, para colocar anúncios de venda na internet.

  24. Nessa senda, DD colocou os referidos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT