Acórdão nº 115/17.6JDLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução28 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 115/17.6JDLSB do Juízo Central Criminal de Lisboa – 2.ª Secção – Juiz 7, da Comarca de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido AA, […], preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, desde 12-04-2017, conforme fls. 376, e actualmente no Estabelecimento Prisional da Carregueira, ut fls. 449.

Realizado o julgamento entre 24-01-2018 e 28-02-2018, conforme actas de fls. 344/348, 367, 372/5 e 377, por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 7, de 12 de Março de 2018, constante de fls. 380 a 410, depositado no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 411, foi deliberado: Absolver o arguido da prática de: - 480 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 2, do CP; - 396 crimes de actos sexuais com adolescente, p. e p. pelo artº 173.°, n.º 2, do CP; - 359 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do CP; - 329 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2, do CCP; - 1 crime de acto sexual com adolescente, p. e p. pelo artigo 173., n.º 1 e 2, do CP; Condenar o arguido pela prática dos seguintes crimes, tendo por vítima a Menor BB: - 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos artigos 171.°, n.º 3, al. a) e 170.°, do CP, na pena de 6 meses de prisão; - 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.°, n.º 3, alínea b), actual alínea c), do CP, na pena de 9 meses de prisão; - 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2, do CP, na pena de 8 anos de prisão; - 1 crime de actos sexuais com adolescente, p. e p. pelo artigo 173.°, n.º 2, do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; Condenar o arguido pela prática dos seguintes crimes tendo por vítima a Menor CC: - 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.°, n.º 3, alínea b), actual alínea c), do CP, na pena de 9 meses de prisão; - 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.°, n.º 1, do CP, na pena de 4 anos de prisão; - 1 crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.°, n.º 2, do CP, na pena de 6 anos de prisão; - 1 crime de actos sexuais com adolescente, p. e p. pelo artigo 173.°, n.º 2, do CP, na pena de 18 meses de prisão; Em cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 13 anos de prisão.

Mais foi o arguido condenado a pagar às menores BB e CC, respectivamente, as quantias de dez mil e sete mil euros, a título de reparação, nos termos dos artigos 82.°-A do C.P.P. e 16.º, n.º 2, da Lei 130/2015, de 4/9.

*** Inconformado com o assim deliberado, o arguido interpôs recurso de matéria de facto e de direito para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando a motivação de fls. 426 a 437.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 439.

O Ministério Público na Comarca de Lisboa respondeu, conforme consta de fls. 444 verso a 447 verso.

*** Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de Julho de 2018, constante de fls. 464 a 488, foi deliberado conceder parcial provimento ao recurso, alterando a redacção do ponto 8 do provado, negando, no mais, provimento, e mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.

NOTA: O acórdão ora recorrido abdicou de transpor a alteração efectuada no domínio factual para o dispositivo, havendo, no interesse da clareza do decidido, que conhecer o que efctivamente foi feito, para o efeito recorrendo ao que consta de fls. 479 a 482 dos autos.

Assim, consta do facto provado n.º 8 vertido no acórdão do Colectivo do Juízo Central de Lisboa: “8. Em data não concretamente apurada do ano de 2009, quando BB tinha cerca de 9 anos de idade, esta menor dirigiu-se à casa do arguido sita na ..., n.º …, em …, como era habitual, para brincar no computador e ver o seu perfil de facebook”.

Por força da alteração passou a constar: “8. Em data não concretamente apurada do ano de 2009, quando BB tinha cerca de 9 anos de idade, esta menor dirigiu-se à casa do arguido sita na ..., n.º …, em …, como era habitual, para brincar no computador e ver televisão”.

A alteração consistiu em substituir “ver o seu perfil de facebook” por “ver televisão”.

Tendo o arguido impugnado a matéria de facto constante dos pontos 8, 9 e 12, após proceder à audição das declarações da ofendida BB, decidiu o acórdão da Relação de Lisboa, a fls. 479 e 480: “V- Fundamentos de direito: A primeira questão que se coloca, em face do conteúdo do corpo da motivação de recurso, se bem que não levada às conclusões do mesmo, é que se formula uma impugnação do provado, relativamente ao conteúdo dos pontos 8, 9 e 12 do provado, designadamente, quanto ao facto de a menor estar a ver o seu perfil do facebook e de o arguido a ter acariciado numa das pernas, percorrendo-a com a sua mão, de baixo para cima.

Refere o recorrente que o primeiro dos referidos factos está em contradição com o que a própria BB referiu em julgamento, pois disse que a conta do facebook só tinha sido criada em 2011 e os factos referidos em 8 e 9 foram situados em 2009; mais refere que quanto ao segundo facto, a própria ofendida declarou que o tinha desmentido, o que coincide com a negação do mesmo que fez aos pais da menor, que a aceitaram, sendo que caso isso fosse verdade ter-se-ia tornado embaraçoso, para ele, continuar a receber a menor em sua casa, tal como aconteceu e a pedido do próprio pai.

Esta argumentação constitui um pedido de reapreciação de prova que, se bem que não expressamente referido, é manifestamente o pretendido pelo recorrente.

Mostram-se cumpridos os ónus formais do qual o pedido depende, nos termos do artigo 412º/3 e 4 do CPP, pelo que se procedeu à audição das declarações da ofendida BB que, segundo a própria fundamentação da aquisição probatória, foram as únicas a ter sido consideradas para efeito da fixação da matéria de facto provada em causa.

Ouvidas as referidas declarações resultou que a ofendida disse que quando tinha 9/10 anos o arguido tinha um plasma grande e um computador e ela ia para casa dele para ver televisão e aceder ao computador e brincar com os sobrinhos dele. Um dia estava sentada num sofá, a ver televisão, e o arguido levantou-se do sofá onde estava e começou a tocar-lhe na perna. Ela mudou de sítio e ele foi atrás e continuou a tocar-lhe na perna e então ela levantou-se e foi-se embora. No dia seguinte contou à prima e à tia e esta última chamou os seus pais e o arguido e falaram do ocorrido, mas os pais não acreditaram nela e o arguido desmentiu, dizendo que era tudo fruto da sua imaginação. Em face disso ela acabou por desmentir e arrumou o assunto. Como o arguido deixou de lhe ligar ela depois pensou que podia ter sido fruto da sua imaginação.

Mais disse que em 2011, pediu ao arguido para criar uma conta de facebook e ele criou. Depois disso relatou, com pormenor, toda a factualidade considerada provada nos pontos seguintes.

Em face do exposto dúvida não temos que a referência ao fabebook no ponto 8 resulta de um lapso de entendimento do colectivo pelo que deverá ser substituída por uma referência ao facto de a ofendida estar a ver televisão, mas que está correcta e conforme com a prova produzida toda a redacção do ponto 11 do provado, porque a ofendida confirmou a ocorrência de tais factos. A referência à sua imaginação foi da autoria do arguido, que não os assumiu e que assim os justificou aos pais, tal como aliás referido em 12 do provado, que se mostra conforme com a prova produzida.

Assim sendo procede a alteração ao ponto 8 do provado que passará a conter-se na seguinte redacção: «8. Em data não concretamente apurada do ano de 2009, quando BB tinha cerca de 9 anos de idade, esta menor dirigiu-se à casa do arguido sita na ..., n.º …, em …, como era habitual, para brincar no computador e ver televisão».

E a finalizar o segmento, a fls. 482, afirma-se: “Em face do exposto, impõe-se a manutenção do provado nos seus precisos termos, com excepção da alteração supra referida, quanto ao ponto 8, que é inconsequente para a subsunção penal dos factos aos crimes pelos quais o arguido foi condenado”.

Daqui se retira que tendo sido alterado o ponto 8 não o foi o igualmente questionado ponto 9, como se impunha, pois a referência a perfil de facebook não faz sentido na sequência descrita. Consta do facto provado n.º 9: “9. Aí chegada, a menor BB sentou-se no sofá da sala a visualizar o seu perfil do facebook, momento em que o arguido se aproximou, sentou-se ao seu lado e perguntando-lhe o que estava a fazer no computador, acariciou-lhe uma das pernas, percorrendo-a com a sua mão, de baixo para cima”.

É evidente a contradição entre o novo ponto 8 e o subsistente ponto 9, pois em 2009 ainda não havia facebook.

Daí que se deva ter por não escrita a expressão do FP n.º 9, no segmento que refere: “a visualizar o seu perfil no facebook”.

Mas mais. A contradição estende-se ao não questionado pelo recorrente ponto n.º 7, que a Relação não teve em conta.

É que, sendo o facebook criado apenas em 2011, não faz qualquer sentido a manutenção do que firmado está no precedente ponto n.º 7 do seguinte teor: “7. Quando iniciou o seu percurso escolar, BB pediu ao arguido para criar um perfil no facebook, sob o nome de "BB", solicitação à qual aquele acedeu”.

Não se está no caso presente perante o vício decisório da contradição insanável na fundamentação, prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, mas antes face a uma contradição perfeitamente sanável, pois na decorrência natural e lógica da alteração do ponto 8 deve dar-se como não escrita a visualização do perfil no facebook, presente no ponto 9, por à data – 2009 – haver apenas televisão, o que conduz a que o narrado no ponto n.º 7 se tenha pura e simplesmente por não escrito.

Esta alteração é inconsequente para a subsunção penal dos factos aos crimes pelos quais o arguido foi condenado, como afirma o acórdão recorrido, mas é anódina, não tendo a mínima repercussão na...

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