Acórdão nº 9/13.4TBFAF.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. AA e BB, intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra CC, DD, EE, FF e GG, pedindo: - ser-lhes reconhecido que são arrendatários do prédio urbano que identificam no artigo 1.º da petição inicial; - ser-lhes reconhecido o direito de preferência na venda do aludido prédio e decretada a substituição do Réu GG, enquanto comprador, pelos Autores no contrato de compra e venda do referido imóvel, com o consequente cancelamento do registo da aquisição a favor daquele Réu, bem como de todos os registos de transacção e oneração posteriores àquela transmissão e o averbamento da aquisição em seu favor.

Fundamentam a acção invocando: - serem arrendatários (desde 1 de Agosto de 1982) do nº 309 do prédio urbano composto por casa com logradouro identificado nos autos, por contrato de arrendamento celebrado com a Ré CC e seu marido, HH, falecido em …-…-20…; - terem sido informados pelo Réu GG, por carta de 15-11-2012, de que era proprietário do referido prédio desde 02-10-2012, adquirido, nessa data, por escritura pública, pelo preço de € 40.000; - não se encontrar o prédio constituído em propriedade horizontal, tendo uma única descrição predial e a uma inscrição na matriz, embora composto por duas dependências com os nºs 303 e 309; - não lhes ter sido comunicado pelos Autores, vendedores, a pretensão de vender o prédio nem as condições do negócio.

  1. Após citação o Réu GG contestou invocando, fundamentalmente, a existência de abuso de direito por parte dos Autores e a ilegitimidade dos mesmos por não exercerem o domínio na parte do imóvel correspondente ao artigo 303.

    Requereu a intervenção principal da mediadora imobiliária – II, Lda., e deduziu reconvenção pedindo a condenação dos Autores e restantes Réus a pagarem-lhe o montante de €60.756,71, acrescido de juros à taxa legal desde a notificação da reconvenção até efectivo pagamento, relativo ao valor da aquisição do imóvel, às despesas com deslocações e outras para a realização da referida aquisição, bem como indemnização por danos não patrimoniais sofridos ao ver gorado o projecto de construir a sua casa de habitação permanente em Portugal.

    Alegou para o efeito nunca lhe ter sido transmitida pela imobiliária a existência de arrendatários no imóvel e que, só após a formalização da venda, foi informado da existência de uma pessoa a ocupar parte do prédio, que havia sido extrajudicialmente notificada relativamente ao direito de preferência, o qual havia caducado por não o ter exercido no prazo de 8 dias após a comunicação.

    3. A Ré CC contestou pronunciando-se pela improcedência da acção.

  2. A Interveniente Principal apresentou articulado pugnando pela inadmissibilidade da sua própria intervenção, alegando que a falta ou omissão de comunicação da preferência apenas poderá ser imputável aos vendedores; não à mediadora da aquisição por não ter contratualmente assumido tal obrigação.

  3. Os autos prosseguiram os termos vindo a realizar-se julgamento após o qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente e a reconvenção parcialmente procedente. Consequentemente: a) declarou e reconheceu que os Autores AA e esposa BB, na qualidade de arrendatários do nº … da Rua …, que integra o prédio composto por casa de habitação e logradouro, com os nºs … e …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo 71º, têm direito de preferência na venda desse imóvel realizada pelos Réus CC, DD, EE, e FF, ao Réu GG, formalizada por escritura de 2 de Outubro de 2012, identificada no ponto 2) da fundamentação de facto; b) decretou a substituição do Réu GG, enquanto comprador, pelos Autores.

    (…) condenou os Reconvindos CC, DD, EE, e FF a pagar ao Reconvinte GG: i) a quantia de € 756,71, acrescida de juros à taxa de 4% desde 2 de Setembro de 2013 até integral e efetivo cumprimento; ii) o que vier a ser liquidado relativamente às despesas inerentes ao registo do imóvel, deslocação para celebrar a escritura e contactar o arquiteto, bem como os custos inerentes ao esboço pelo mesmo elaborado, em conformidade com o que consta dos pontos 35) e 36) da fundamentação de facto; - absolveu os Autores AA e esposa BB e a Interveniente Principal “II, Ld.ª” dos pedidos contra os mesmos formulados pelo Reconvinte GG.

  4. Apelaram os Réus (1ª, 2.º e 4ª), tendo o Tribunal da Relação de Guimarães proferido acórdão que julgando procedente o recurso revogou a sentença.

  5. Os Autores vieram interpor recurso de revista pugnando pelo reconhecimento do direito de preferência.

    Subsidiariamente, no caso de se entender que não poderão exercer a preferência relativamente à totalidade do prédio, pretendem a redução do pedido sendo-lhe reconhecido o direito de preferir na compra da moradia totalmente autónoma que corresponde ao número de polícia n.°309, condenando-se os Réus a procederem à discriminação e autonomização das moradias dos números de polícia n.ºs 303 e 309, de modo que a sua situação jurídica passe à corresponder à sua situação real (cada uma daquelas moradias passem a constituir fracções autónomas independentes passíveis de pertencer a proprietários diversos, nos termos e para os efeitos do artigo 1414.º, do Código Civil. Para o efeito formularam conclusões que se deixam consignadas em súmula: ü Na vigência da Lei n.º 63/77, de 25-08, relativamente ao direito de preferência nos arrendamentos habitacionais, a utilização das expressões “imóvel urbano” e “fracção autónoma de imóvel urbano” prendia-se, essencialmente, com a circunstância de, contrariamente aos arrendamentos para comércio e indústria (regulados pelo Código Civil de 1966), tal direito apenas poder incidir sobre prédios urbanos. Para além disso, e também ao invés do que se encontrava estabelecido nos arrendamentos para comércio e indústria, não se previa, nas situações de mais do que um locatário a exercer o direito de preferência, uma ordem de preferência graduada em função do valor da renda, cabendo obrigatoriamente abrir-se licitação entre eles; ü Com o RAU (Decreto-Lei n.º321-B/90, de 15-10) operou-se a unificação, em matéria de direito de preferência, dos regimes habitacionais e não habitacionais, e a utilização da expressão “prédio urbano” passou a ser sinónimo da expressão “imóvel urbano” (utilizada na Lei n. 63/77, de 25-08), sendo a expressão “local arrendado” um outro sinónimo da mesma realidade; ü Também no RAU não se adoptou o critério de graduação dos direitos de preferência em razão do valor da renda, antes se mantendo a obrigatoriedade de abertura de licitações entre os concorrentes; ü Alicerçada no entendimento de que caso tivesse sido intenção do legislador do RAU restringir a preferência aos casos de compra e venda de prédio constituído em propriedade horizontal impor-se-ia referi-lo expressamente no artigo 47.º, a jurisprudência seguiu o entendimento no sentido de estar atribuído direito de preferência ao arrendatário de parte indivisa na venda da totalidade do prédio urbano; ü A Lei n.º 6/2006, de 27-02, aumentou para mais de 3 anos o período de vigência mínimo do contrato de arrendamento para o exercício do direito de preferência, eliminou a referência à abertura de licitações entre os arrendatários preferentes-concorrentes e manteve a utilização da expressão “local arrendado”; ü Quer a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 34/X, quer o Novíssimo RAU (Lei n.º 31/2012 de 14-08), e a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 38/XII, nada dizem sobre a matéria do direito de preferência, apenas a remissão para o artigo 417.º, do Código Civil; ü O argumento de que o legislador, ao eliminar a regra cuja aplicabilidade pressupunha a concorrência da preferência de arrendatários de partes não autónomas do prédio não constituído em propriedade horizontal, não é um verdadeiro argumento histórico, mas uma mera extrapolação daquilo que o Legislador não disse; ü Em face do posicionamento da doutrina e jurisprudência dominantes no domínio do RAU, que o legislador podia deixar de ter presente, caso tivesse sido sua intenção suprimir o direito de preferência dos arrendatários de parcelas não autónomas, necessariamente teria dado redacção diversa ao artigo 1091.º, do Código Civil, não se mostrando defensável que, face a tal orientação dominante, optasse por alterar a Lei em sentido contrário à mesma, sem o fazer de forma absolutamente clara e sem indicar, no preâmbulo da Lei ou na exposição de motivos, as razões prementes que o levaram a tal opção; ü Da eliminação do artigo 47.º, n. ° 2, do RAU, a única ilação segura que é possível retirar é a de que o Legislador não quis que, havendo preferentes-concorrentes, lhes fosse imposta a abertura de licitações entre si, solução que, na prática, subvertia o comando constitucional do artigo 65.º, da Constituição; ü A...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT