Acórdão nº 165/15.7JAFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O tribunal de 1ª instância, em formação colectiva, decidiu: 1 - Condenar o arguido AA: -na pena de 18 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea d), do Código Penal; -na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do CP; -na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº 254º, nº 1, alínea a), do CP; e -em cúmulo jurídico, na pena única de 22 anos de prisão; 2 - Absolver a arguida BB relativamente a um crime de homicídio qualificado; 3 - Condená-la: -na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do CP; -na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº 254º, nº 1, alínea a), do CP; e -em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão.

4 – Condenar os arguidos/demandados no pagamento de indemnizações civis.

Dessa decisão, interpuseram recurso para a Relação de Lisboa o Ministério Público, o assistente CC e os arguidos. Por acórdão de 29/06/2017, a Ralação decidiu julgar: -improcedentes os recursos dos arguidos; -procedentes os recursos do MP e do assistente, alterando a decisão sobre matéria de facto e condenando a arguida BB: -na pena de 18 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas d) e j), do CP; e -em cúmulo jurídico dessa pena com as penas que lhe foram aplicadas em 1ª instância pelos crimes de roubo e de profanação de cadáver, na pena única de 20 anos de prisão.

Do acórdão da Relação interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ambos os arguidos.

Por acórdão de 08/03/2018, este Supremo Tribunal decidiu: -Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AA; -Declarar inválido o acórdão da Relação na parte respeitante à arguida BB, na consideração de que, ao conhecer amplamente em matéria de facto e modificar a decisão do tribunal do júri dando como provados factos que haviam sido dados como não provados e substituindo, em consequência, a decisão de absolvição da arguida por outra de condenação pelo crime de homicídio qualificado, tal como lhe foi pedido pelo MP e pelo assistente nos respectivos recursos, aplicou normas do processo penal – artigos 427º, 428º e 431º, alínea b), do CPP – que, interpretadas nesse sentido, são inconstitucionais, por violação do artº 207º, nº 1, da Constituição, o que não podia fazer, à luz do artº 204º desse mesmo diploma, incorrendo desse modo na nulidade prevista no artº 379º, nº 1, alínea c), parte final, aplicável por força do artº 425º, nº 4, ambos daquele código, visto ter conhecido de questão de que não podia conhecer.

Da parte do acórdão de 08/03/2018 que assim decidiu relativamente à arguida BB, o MP interpôs recurso de constitucionalidade.

O Tribunal Constitucional, por acórdão de 09/08/2018, decidiu não julgar “inconstitucional a interpretação normativa que permite ao Tribunal da Relação, por força da conjugação do disposto nos artigos 427º, 428º e 431º, alínea b), do Código de Processo Penal, a modificação da decisão do tribunal de júri sobre a matéria de facto, quando esta decisão seja impugnada nos termos do artigo 412º, nº 3 do mesmo diploma”.

Em face deste juízo de não inconstitucionalidade, que aqui se impõe, fica sem fundamento a decisão de invalidade do acórdão da Relação, com base na verificação da nulidade prevista no artº 379º, nº 1, alínea c), parte final, aplicável por força do artº 425º, nº 4, ambos do CPP, havendo por isso que reformular o decidido no acórdão de 08/03/2018 relativamente à arguida BB, conhecendo do recurso que interpôs para este Supremo Tribunal.

A arguida concluiu a sua motivação de recurso nos termos que se transcrevem: «1. Vem este recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou o acórdão com o nº 165/15.7JAFUN da Comarca da ... - Juízo Central Criminal do ... - Juiz 2, perante Tribunal de Júri, em termos que aqui se dão por reproduzidos integralmente para todos os efeitos legais.

  1. A arguida não aceita a condenação pelo Tribunal da Relação de Lisboa no crime de homicídio, após absolvição em 1ª instância - Tribunal de Júri, porque, simplesmente não o praticou, não tendo o domínio do facto desse mesmo homicídio.

  2. O Tribunal da Relação, decidindo como decidiu, em clara oposição ao acórdão do Tribunal de Júri do ..., conforme podemos verificar da leitura do mesmo acórdão, condenou a arguida pela prática do crime de homicídio, de forma alguma sustentada e seguindo toda uma linha de argumentação lateral a uma decisão de Direito que referiremos em toda a motivação.

  3. Inconstitucionalidade das normas conjugadas do nº 3 do artº 412º, nº 8 do artº 414º, aI. c) do nº 3, nº 2 e nº 1 do artº 419º, 428º, aI. b) do artº 431º e nº 2 e aI. c) do nº 1 do artº 432º, todos do CPP, na interpretação normativa: A arguida foi julgada em 1ª instância em Tribunal de Júri e aí absolvida do crime de homicídio.

    Por interposição de recurso por parte do Ministério Público e do Assistente, o acórdão recorrido modificou a decisão sobre matéria de facto do Tribunal de Júri, procedendo a um novo julgamento alterando a decisão do primeiro em sentido oposto a este, tirando ilações e conclusões de factos, fazendo uma análise oposta dos elementos de prova, debruçando-se sucintamente sobre o crime de homicídio em si, gerando projecções de probabilidade/ália, suscitando a final inúmeras perguntas sem resposta, não passando despercebidas na leitura da decisão por um homem médio e sem paixões que a consideraria insuficientemente esclarecida, que oficiosamente poderão ser conhecidos ex officio nos termos do artº 434º do CPP e em jurisprudência unânime do Tribunal Supremo.

    Na verdade, a voz autorizada do Exmo. Senhor Juiz António Silva Henriques Gaspar, actual Presidente deste Supremo Tribunal, no texto que publicado tendo em conta a "nova estrutura do recurso das decisões do tribunal de júri” com "a entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, não só se passou a admitir o recurso para a Relação dos acórdãos do Tribunal de Júri, como se passou a admitir que esse recurso fosse da matéria de facto através da impugnação da prova nos termos do nº 3 do artº 412º do CPP, como, além disso, e como se tal não bastasse, na conferência (artº 419º do CPP), a colegialidade e a circularidade na intervenção dos juízes, na prática, passaram a não existir ou foram substancialmente reduzidas”, prosseguindo o Exmo. Sr. Juiz, "o que veio a final, explanar numa fragilização e menorização do princípio democrático que sustenta, em projecção real e simbólica, a intervenção de júri na administração da justiça pois que”, acrescenta ainda, "a afirmação do princípio democrático traduzida na intervenção dos cidadãos no tribunal de júri não se coordena com a possibilidade de reapreciação da matéria de facto por outro órgão que não tenha idêntica fonte de constituição e legitimidade. A reapreciação só deveria caber a outra formação do júri, embora de constituição mais alargada (…) A restrição da constituição do colégio nas formações de julgamento, bem como a consequente menor circularidade que resulta da revisão, contribuem para o enfraquecimento substancial da função material da colegialidade” (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal Ano 18, nºs 2 e 3, Abril - Setembro de 2008, págs. 347 e seguintes).

    Da conjugação interpretativa de referidas normas, não se retira que o Tribunal da Relação, em acórdão revogatório de decisão de Tribunal de júri, tenha campo e espaço normativo para efectuar ex novo, um segundo julgamento da matéria de facto, com a intervenção normativa que explanámos em 1.1, vindo à luz do dia toda uma convicção distinta, incluindo até, factos instrumentais considerados assentes, mas ausentes do elenco dos factos provados.

    A caracterização democrática do julgamento em Tribunal de Júri, onde três juízes de carreira e quatro cidadãos (sendo que a sua escolha obedece a um regulamento exigente e ponderado) é posta em causa, tout court, numa decisão de um Tribunal superior tomada por 2 (dois) Srs. Juízes, em que um Sr. Juiz é relator e o outro adjunto, e que de forma constante no tempo trabalham juntos, com tudo o que isso implica de tendencial homogeneidade decisória.

    Nesta decorrência, e alicerçada na decisão do Tribunal da Relação já acima caracterizada, a arguida invoca a inconstitucionalidade da interpretação normativa das normas conjugadas do nº 3 do artº 412º, nº 8 do artº 414º, aI. c) do nº 3, nº 2 e nº 1 do artº 419º, 428º, aI. b) do artº 431º e nº 2 e aI. c) do nº 1 do artº 432º, todos do CPP, na redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, na qual o Tribunal da Relação, por acórdão revogatório por interposição de recurso de acórdão absolutório de Tribunal de Júri, vem efectuar ex novo, um segundo julgamento da matéria de facto, por violação do princípio do Estado de Direito democrático (arts. 2º, 3º e nº 1 e 4º do artº 20.° da CRP) e os seus subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança.

  4. Inconstitucionalidade das normas conjugadas no nºs 2 e 3 do artº 410º e 434º do CPP, nos termos de interpretação normativa da conjugação dos artºs 400º "a contrario”, nº 2 e 3 do artº 410º, alínea b), do nº 1 do artº 432º e 434º, todos do CPP.

    O acórdão revogatório do Tribunal da Relação emanou do recurso interposto pelo Ministério Público e pelo assistente, do acórdão absolutório do Tribunal de Júri.

    Do acórdão do tribunal de júri é admissível recurso para este STJ, nos termos do artº 400º "a contrario” ex vi al. b), do nº 1 do artº 432º do CPP.

    Nos termos do artº 434º do CPP é determinado que "sem prejuízo do disposto nos nº 2 e 3 do artº 410º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.

    Quanto ao recurso da matéria de facto, é...

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