Acórdão nº 10179/12.3TDLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA
Data da Resolução19 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA e BB, arguidos, com os sinais dos autos, foram condenados por sentença de 1 de Outubro de 2015 do tribunal singular do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 3, da Comarca de Lisboa:

  1. O arguido AA como autor de um crime de difamação, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º1, e 183.º, nº1, al. a), do Código Penal, com referência ao artigo 31.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), a que correspondem 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária; b) O arguido AA como autor de um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º1, al. d), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), a que correspondem 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária; c) O arguido AA na pena única de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), a que correspondem 120 (cento e vinte) dias de prisão subsidiária; d) O arguido BB como autor de um crime de difamação, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º1, e 183.º, nº1, al. a), do Código Penal, com referência ao artigo 31.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, na pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída por igual pena de multa – 100 (cem) dias à taxa diária de €5,00 (cinco euros); e) O arguido BB como autor de um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º1, al. d), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros) a que correspondem 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária.

    1. Foram ainda julgados procedentes os dois pedidos de indemnização civil deduzidos pelo assistente CC e, em consequência, condenados os arguidos/demandados civis AA e BB a pagar ao mesmo, em regime de solidariedade, a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva contados desde a data da notificação dos demandados para apresentarem contestação até integral pagamento a título de danos não patrimoniais que lhe causaram com as condutas apuradas nos autos.

    2. Na sequência dos recursos que foram interpostos pelos arguidos, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 11 de Outubro de 2016, decidiu: «Declarar nula a sentença recorrida, por inobservância do disposto nas alíneas a) e c) (primeira parte) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, devendo a mesma ser reformulada pelo mesmo tribunal, através da prolação de nova decisão onde se supra as apontadas nulidades».

    3. Na sequência desse acórdão, o tribunal de 1ª instância proferiu nova sentença, a 14 de Fevereiro de 2017, na qual decidiu condenar os arguidos nos precisos termos da sentença de 1 de Outubro de 2015, supra referida.

    4. Inconformados com a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância em 14 de Fevereiro de 2017, dela interpuseram recurso os arguidos e demandados civis AA e BB, quanto à matéria penal e cível, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido a 6 de Março de 2018, a decidir:

  2. Alterar a matéria de facto provada e não provada nos termos referidos no ponto 2.3 (páginas 93 e 94), mantendo a condenação penal dos recorrentes nos termos decididos pela 1ª instância; b) Alterar a decisão recorrida quanto aos pedidos de indemnização civil formulados nos autos pelo demandante civil e em consequência, julgando os mesmos parcialmente procedentes, condenar os arguidos/demandados, solidariamente, a pagarem àquele a quantia total de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização por todos os danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento.

    1. Inconformados com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, vêm os demandados civis (e arguidos) AA e BB interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quanto à condenação civil.

    2. O demandado civil (e arguido) AA motiva o recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição): A.

      O douto acórdão sub judice confundiu os regimes da responsabilidade em matérias de imprensa.

      B.

      As consequências da atuação do ora Recorrente na qualidade de diretor do semanário “...” não se repercutem na sua esfera jurídica mas sim na da empresa jornalística proprietária do periódico.

      C.

      Nos termos da Lei de Imprensa, a empresa jornalística é responsável pelas decisões tomadas pelo diretor que contratou e nomeou e que atua em seu nome e representação.

      D.

      Verifica-se, pois, aqui uma culpa in elegendo que afasta a responsabilidade civil pessoal do diretor.

      E.

      Não podendo, assim, o ora Recorrente ser demandado pessoalmente em sede de responsabilidade civil extracontratual.

      F.

      É isto mesmo que estipula a Lei de Imprensa, nos termos da qual o diretor não é civilmente responsável, mas sim a empresa jornalística e o autor da notícia.

      G.

      O nº 1 do artigo 29º da Lei de Imprensa manda aplicar os princípios gerais relativos ao regime da responsabilidade civil (artigos 483º e seguintes do CC).

      H.

      Ou seja, estabelece o regime da responsabilidade civil a tudo o mais que não seja especificamente de considerar nos termos do disposto na referida Lei de Imprensa.

      I.

      Consagra, pois, digamos, um regime supletivo, que mais não é do que o regime geral, habitualmente aplicável.

      J.

      Contudo, o nº 2 deste artigo 29º da Lei de Imprensa abre uma exceção, referindo que “No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado”.

      K.

      Ou seja, este preceito exclui expressamente a responsabilidade civil do diretor, limitando-a à empresa jornalística e ao autor da notícia.

      L.

      A conclusão que se retira da interpretação conjunta do instituto da responsabilidade civil (regime geral) e do previsto na Lei de Imprensa (regime especial) é, e só pode ser, a de que, o diretor do Jornal não é civilmente responsável com o autor dos escritos perante os danos alegadamente causados.

      M.

      Não podendo, assim, o ora Recorrente ser demandado pessoalmente em sede de responsabilidade civil extracontratual.

      N.

      Devendo, em consequência, ser absolvido da instância, como o determina o nº 2 do artº 576º do CPC.

      O.

      Ao não ter declarado a ilegitimidade do Recorrente, absolvendo-o da instância, o douto acórdão sub judice violou o disposto nos arts. 29º, nº 2, da Lei 2/99, de 13/1, e 576º, nº 2, do CPC.

      P.

      Constituindo a ilegitimidade uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso (arts. 577º, al. e) e 578º, do CPC), não está este Supremo Tribunal de Justiça impedido de se pronunciar sobre esta matéria.

      Q.

      Sem prescindir, entende o Recorrente que, face à matéria de facto provada, não é possível condená-lo a título de danos morais pois não cometeu qualquer ato ilícito que permita responsabilizá-lo no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.

      R.

      Enquanto diretor do semanário, o R. ora Recorrente estava obrigado ao cumprimento das disposições da Lei da Imprensa quanto aos direitos dos jornalistas previstos no artigo 22º, designadamente o direito à liberdade de expressão e de criação - al. a) - ao sigilo profissional - al. c) - e à garantia de independência - al. d).

      S.

      Tal como era seu dever, o Recorrente instou o jornalista autor da notícia no sentido de saber se este se tinha assegurado da veracidade dos factos relatados, tendo-lhe o mesmo referido que sim, afirmando que o relatório cuja transcrição é feita na notícia existia e estava junto a um processo judicial que não estava em segredo de justiça.

      T.

      Demonstrou-lhe ainda o jornalista que a opinião do Assistente CC sobre o referido relatório objeto desta notícia estava também transcrita na notícia – cfr. fls. 21 da douta sentença proferida em 1ª instância.

      U.

      Tendo em consideração esta resposta do jornalista, nenhuma responsabilidade pode ser apontada ao ora Recorrente enquanto diretor do semanário por ter deixado o jornalista publicar a notícia.

      V.

      O Recorrente, totalmente convicto da boa-fé do jornalista e da veracidade dos factos, e face ao interesse público desta notícia, entendeu que, ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e todo o circunstancialismo concorrente, o direito de liberdade de informação deveria prevalecer sobre os direitos ao bom nome e reputação e à inviolabilidade da privacidade/intimidade do visado/Assistente, e, consequentemente, que não tinha razões nem justificação para se opor ao jornalista e à publicação da notícia.

      W.

      Sendo que a liberdade jornalística compreende também o possível recurso a uma determinada dose de exagero, mesmo de provocação.

      X.

      Ainda sem prescindir, do conjunto da matéria probatória apurada não foi possível concretizar a intensidade dos danos sofridos pelo Assistente.

      Y.

      E não tendo ficado suficientemente estabelecida essa graduação dos danos, não é possível subsumir-se uma relevância tal que os qualifique como dignos de tutela por parte do Direito.

      Z.

      O que equivale a dizer que não ficaram provados e que, por isso, é improcedente a sua alegação.

      AA.

      Os danos do Assistente considerados provados, descritos a fls. 113 do douto acórdão sub judice, não foram de tal forma intensos e profundos que justifiquem a condenação dos Demandados no exorbitante montante de 25.000,00€! BB.

      Tratou-se, em grande parte, de meros incómodos e contrariedades que não justificam, por falta da necessária gravidade, a indemnização a título de danos não patrimoniais.

      CC.

      Não têm relevância jurídica! DD.

      Não se pode extrair desses danos um juízo de reprovabilidade tão elevado que configure uma indemnização naqueles termos! EE.

      Nos termos das disposições conjugadas do nº 4 do art. 496º, com o art. 494º, ambos do Código Civil, estando em causa a responsabilidade civil por danos não patrimoniais, e dada a sua natureza, o valor da...

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