Acórdão nº 388/14.6TJVNF.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 15 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e cônjuge BB (A.A.) intentaram, em 21/04/2014, ação declarativa, sob a forma de processo declarativo comum, contra CC e cônjuge DD (1.ºs R.R.) e EE (2.ª R.), esta por si e em representação da herança indivisa dos seu falecido marido FF, alegando, em síntese, que: .
Os 1.ºs R.R. e a 2.ª R. são proprietários, respetivamente, de dois prédios urbanos compostos por casa de habitação, anexos e quintal, que confinam com um prédio urbano dos A.A. também composto por casa de habitação e quintal, os três prédios originariamente resultantes da desanexação de um único prédio coberto por bouça de mato e pinheiro, com um acentuado declive descendo de nascente para poente e de norte para sul, por onde escorriam as águas pluviais e outras de curso natural provenientes da superfície do terreno que hoje constitui o prédio dos A.A; .
Assim, o referido prédio dos A.A. confronta a sul com o prédio dos 1.ºs R.R. e a poente com o prédio da 2.ª R.; .
Tendo os A.A. adquirido o seu prédio em 20/03/1997, nos últimos meses desse ano, procederam à construção de um muro de suporte, erigido em pedra de granito e alguma massa, para delimitar aquele prédio dos dois prédios dos R.R., nas respetivas confrontações, e também para, através de interstícios e de buracos de forma circular, com 5 centímetros de diâmetro, deixados no referido muro, permitir o escoamento das águas naturais provenientes daquele prédio dos A.A.; .
Há seis anos atenta a data da propositura da ação, tendo os 1.ºs R.R. dado conhecimento aos A.A. da sua intenção de construir uma casa de habitação no seu prédio e manifestado a preocupação com o escoamento das águas oriundas do prédio dos A.A., acordaram numa solução consistente na construção de uma caixa de recolha de águas no prédio dos A.A. e de uma canalização para o prédio dos 1.ºs R.R., o que levaram a cabo com funcionamento em termos satisfatórios; .
Porém, em agosto de 2013, os 1.ºs R.R. começaram a fazer escavações junto da confrontação sul do prédio dos A.A. com aprofundamento do nível do seu terreno, deixando a descoberto os alicerces do muro de suporte construído pelos A.A.; .
De seguida, os 1.ºs R.R. construíram um muro em betão e blocos de cimento em toda a extensão da confrontação com o prédio dos A.A., com o cumprimento de 12,2 metros, a espessura de 20 centímetros e a altura de 4 metros acima do solo do seu prédio, originando uma diferença de nível de 2,5 metros, no sentido descendente do prédio dos A.A. para o dos 1.ºs R.R.; .
Desse modo, os 1.ºs R.R. obstruíram o escoamento das águas que escorriam pelos buracos e interstícios do muro dos A.A., destruindo também as canalizações que transportavam as águas da caixa de recolha existente no prédio dos A.A.; .
Por seu lado, também a 2.ª R. obstruiu os buracos do muro dos A.A. que permitiam o escoamento das águas naturais na confrontação de poente; .
Em virtude de tais obstruções, as águas pluviais ou de curso natural que caiem no prédio dos A.A. ficam ali empoçadas no canto sul-poente desse prédio, chegando a forma um lençol de água de 10 centímetros de profundidade, numa área superior a 100 metros quadrados, impedindo o trânsito normal de pessoas e o aproveitamento de produtos hortícolas e herbáceas; .
Os A.A. têm vindo a sentir desgosto e tristeza com tal situação e incómodos, por não poderem desfrutar como desejavam do logradouro da sua casa. .
Com tais comportamentos, os R.R. violaram, nomeadamente, o disposto nos artigos 1305.º e 1351.º do CC, incorrendo ainda em responsabilidade civil emergente desses atos ilícitos. Concluíram os A.A., além da pretensão de reconhecimento do direito de propriedade sobre o seu prédio, com a formulação dos seguintes pedidos: a) – A título principal e cumulativamente, a condenação dos 1.ºs R.R. a demolir o muro de betão que construíram junto da confrontação sul do prédio dos A.A. até à altura da coroa do muro velho de granito; b) - Subsidiariamente, a condenação dos mesmos R.R. a demolir o sobredito muro nos nove locais em que os A.A. deixaram os interstícios e buracos para o escoamento das águas, na confrontação sul do seu prédio; c) - A título principal e também cumulativamente, a condenação da 2.ª R. a desobstruir os três locais em que os A.A. deixaram os interstícios e buracos para o escoamento das águas na confrontação poente do seu prédio e a se abster, futuramente, de obstaculizar o escoamento das águas por aquele lado; d) – Cumulativamente, a condenação solidária de todos os R.R. no pagamento de uma indemnização aos A.A., a título patrimonial e não patrimonial, em valor não inferior a € 5.000,00, acrescido de juros de mora desde a citação. 2.
Os R.R. contestaram, impugnando a versão dos factos dada pelos A.A. e sustentando, em síntese, que o escoamento de águas provenientes do prédio destes decorre de intervenção humana, quer por virtude da realização de obras que geram o direcionamento das águas para os buracos do muro, quer por efeito do alteamento levado a cabo pelos mesmo A.A. no seu prédio, e ainda pelo factos de tais águas se apresentarem conspurcadas. 3.
Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 337-345, de 05/07/2017, a julgar a ação parcialmente procedente, declarando os A.A. proprietários do prédio descrito no ponto 1 dos factos provados e absolvendo todos os R.R. no mais peticionado.
4.
Inconformados com tal decisão, os A.A. recorreram para o Tribunal da Relação de …, em sede de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 413 a 439, de 20/03/2018, em que foi decidido, por unanimidade, julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
5.
Mais uma vez inconformados, os A.A. vieram interpor revista excecional, ao abrigo das alíneas a), b) e c), do n.º 1, do artigo 672.º do CPC, convocando como acórdão-fundamento o acórdão do STJ, de 06/12/2012, transitado em julgado em 22/01/2013, proferido no processo n.º 1523/08. 9TJVNF.P1.S1, formulando, no que aqui releva, as seguintes conclusões: 1.ª – No acórdão recorrido, foi entendido que: a) – Os proprietários de prédio inferior, face ao entendimento de que o curso das águas que estão obrigados a receber foi alterado pelo proprietário do prédio superior, podem construir um muro tampão que impeça as águas (todas e quaisquer que sejam) de cair no seu prédio, desde que provindas do prédio superior; b) – Os proprietários do prédio inferior também têm o poder de proceder a tal tamponagem, quer construindo um muro tampão, quer tapando com cimento os orifícios deixados pelo proprietário do prédio superior no seu muro; 2.ª – Por sua vez, no acórdão-fundamento, entendeu-se que o encargo previsto no art.º 1351.º do CC envolve uma obrigação negativa de non facere, quer sobre o proprietário do prédio superior, quer sobre o proprietário do prédio inferior, não podendo aquele fazer obras que tornem mais oneroso o referido encargo, nem este estorvar o escoamento das águas que naturalmente, e sem obra do homem, decorrem do prédio superior; 3.ª - Do acórdão-fundamento consta que: “Do material probatório resulta que os prédios dos A.A.
e dos R.R.
são confinantes entre si e que o prédio daqueles se situa num plano ou cota de nível ao destes e que os R.R.
construíram um muro que impede o escoamento das águas provindas do prédio dos A.A., criando acumulação de água junto ao dito muro e, consequentemente danificando as culturas aí existentes; No entanto, ficou também provado que no prédio dos AA foram abertos regos que guiam a água, incluindo a da chuva impondo uma condução artificial da água. Mais se provou que o caseiro dos AA despeja cisternas provenientes dos despejos de fossas cujas águas conspurcadas, devido à morfologia do terreno tendem a invadir o prédio dos RR.
É certo que os RR não são obrigados a receber águas não escoem naturalmente (sem obra do homem) do prédio superior e muito menos são obrigados a receber águas inquinadas, porém, não se tendo verificado (como bem se diz no acórdão recorrido) os pressupostos no art.° 336.º, n.° 1, do CC, não podiam os R.R.
lançar mão da acção directa através da construção de um muro cuja finalidade é a de impedir o escoamento das águas vindas do prédio dos AA." 4.ª – É assim que os 1.ºs R.R.
e a 2.
a R. - aqueles no levantamento de um muro tampão, esta tapando os orifícios com cimento - impediram, cada um a seu modo, o escoamento das águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorriam para os seus prédios, praticando, assim, cada um deles um ato ilícito; 5.
ª – Não se tendo verificado os pressupostos previstos no art.º 336.º, n.º 1, do CC, não podiam os R.R.
lançar mão da ação direta através da construção do muro-tampão, nem da tapagem dos furos (orifícios ou hiatos) deixados pelos A.A. no muro-suporte que construíram; 6.ª - Daí que o comportamento dos 1.ºs R.R. e da 2.
a R.
sejam atentatórios do direito que o referido n.º 1 do art.º 1351.º atribui ao prédio dos A.A.; 7.ª – Com tal comportamento os mesmos R.R. atuaram, tomando como possível a atuação prevista no n.º 1 do art.º 336.º do CC, o que lhes estava vedado; 8.ª – É no teor do conteúdo interpretativo do acórdão- fundamento que se encontra a solução adequada para a melhor apreciação do interesse jurídico como o interesse social do conflito de judicial suscitado; 9.ª - Também não restam dúvidas de que havendo, como há, uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, quanto ao escoamento e quanto à ação direta, é no acórdão-fundamento que está contida a melhor solução de direito para o caso; 10.ª - Nesta conformidade, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 336.º, 1305.º, 1351.º e 1356.º do CC; 11.ª – Assim sendo, os pedidos deduzidos e não contemplados na presente ação devem ser julgados procedentes.
6.
Não foram apresentadas contra-alegações.
7.
Pelos três juízes da formação deste Supremo Tribunal a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC, foi proferido o acórdão de fls. 835 a 838, de 18/10/2018, a julgar...
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