Acórdão nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução19 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO AA e BB intentaram a presente acção comum contra Banco CC, S.A. (anteriormente, Banco DD, SA), pedindo, a título principal, a condenação do réu a pagar-lhes o capital e juros vencidos e garantidos que, à data da entrada da petição, inicial, perfaziam a quantia de € 385 000, bem com os juros vincendos desde a citação até integral pagamento. Subsidiariamente, pedem a declaração de nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os € 300.000,00 que os autores lhe entregaram em obrigações subordinadas EE, bem como a declaração de ineficácia em relação aos autores da aplicação que o réu tenha feito daquele montante e, ainda, a condenação do réu a restituir-lhes € 385.000,00 que ainda não receberam dos montantes que lhe entregaram e de juros vencidos à taxa contratada, acrescida de juros legais vincendos, desde a data da citação até integral cumprimento. Pediram também, em qualquer das situações, a condenação do réu a pagar-lhes a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Em síntese, alegaram que foram clientes do réu (então DD) na sua agência de …, com uma conta de depósitos à ordem. Em 10.4.2006, o gerente dessa agência disse ao autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo DD e rentabilidade assegurada. O funcionário do réu sabia que o autor não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

O seu dinheiro, no montante de € 300.000,00 viria a ser colocado em obrigações EE, sem que os autores soubessem, em concreto, o que era, desconhecendo inclusivamente que a FF era uma empresa. Sempre foi dito ao autor que o capital era garantido pelo Banco réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias. O autor sempre esteve convencido numa aplicação segura da supra referida quantia e com as características de um depósito a prazo. Caso tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações EE, produto de risco e que o capital não era garantido pelo DD, não consentiria nem autorizaria. Os juros foram sendo semestralmente pagos, até Nov/2015, o que transmitiu segurança aos autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade. A partir da referida data, a ré deixou de pagar os juros respectivos e, agora, atribui a responsabilidade pelo pagamento à FF, entidade que os autores nem sabiam existir. Os autores não sabiam o que era a FF, pensando que era uma mera denominação de conta a prazo, que a ré utilizava.

Foi completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os autores nunca aceitariam se conhecessem os seus reais termos. O prazo de maturidade ocorreu em Abril/2016 e o capital investido não foi restituído aos autores, nem tem sido cumprido o pagamento dos juros acordados. Os autores, por efeito do incumprimento do réu, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro como bem entendessem.

O réu colocou os autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro e tem-lhes provocado ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.

O réu contestou, defendendo-se, por excepção, invocando a prescrição do direito dos autores, ao abrigo do artº 324º do CVM, por decurso do prazo de dois anos, dizendo que os autores sabem que a subscrição de obrigações foi efectuada, pelo menos, desde inícios de 2009.

Por impugnação, alegou que o produto financeiro em causa era um produto seguro à data da sua subscrição e que os autores foram devidamente esclarecidos sobre as condições do produto financeiro em questão, e, ainda, que não garantiu o pagamento das obrigações, cuja responsabilidade é e sempre foi da entidade emitente, então FF, posteriormente GG, que foi quem sempre pagou aos autores a respectiva remuneração.

Concluiu pela procedência da excepção de prescrição e pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Os autores responderam pugnando pela improcedência de toda a matéria de excepção.

Foi proferida sentença de 07.11.2017 que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu de todos os pedidos.

Por acórdão da Relação de … de 22.05.2018, a apelação foi julgada parcialmente procedente, alterando-se a decisão de facto e, revogando a sentença, condenou-se o réu a pagar aos autores a quantia de € 300.000,00 e a importância líquida dos juros remuneratórios vencidos em Maio/2016, bem como os respectivos juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4 % ao ano, com a consequente absolvição do réu do restante pedido.

Não se conformando com tal acórdão, dele recorreu de revista o réu, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - A decisão recorrida, tendo revisto a decisão sobre a matéria de facto vem depois a condenar o Banco-R por responsabilidade civil na qualidade de intermediário financeiro, por prestação de informação falsa, concretamente a constante daquele facto, na colocação de instrumento financeiro junto dos AA.

  1. - Para tanto, o douto aresto verifica o cumprimento dos gerais pressupostos da responsabilidade civil, e concretamente a ilicitude - que identifica com a dita falsidade de informação -, a culpa - que se presume nos termos gerais do artigos 799º do CC e 314º do CVM - e o dano - correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente! 3ª - Já quanto ao nexo de causalidade, o douto acórdão, caracterizando esta como uma responsabilidade contratual, limita-se a invocar a sua presunção, por extensão da presunção de culpa do artº 799º, aliás, a par da presunção também da ilicitude - na esteira de posição do Prof. Menezes Cordeiro.

  2. - Olvida o tribunal recorrido que tal posição doutrinária assenta na aproximação à solução histórica francesa da faute, quando o sistema acolhido no nosso Código Civil tem origem germânica, e portanto em pouco toca aqueloutro.

    Mais, 5ª - Do texto do artº 799º nº 1 do CC não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei.

  3. - E não se alcançam razões (que o acórdão recorrido também não adianta...) que justifiquem que a presunção própria da censura ético-jurídica da conduta do agente deva ser estendida à relação consequencial entre o facto e o dano.

    Ainda que se admitisse a solução de extensão de presunção de culpa à causalidade, 7ª - A verdade é que uma tal solução não é adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar do cumprimento da prestação principal.

  4. - Prestação principal será aquela que é típica de um contrato, que o define enquanto figura contratual.

  5. - No âmbito do contrato de execução de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem, a prestação principal não pode deixar de ser só a boa recepção da ordem e sua retransmissão a fim de ser executada nos termos ordenados.

  6. - A prestação de informação exaustiva, suficiente, clara sobre o produto em causa constitui já uma prestação daquela secundária, destinada a complementar ou tornar perfeita aquela prestação principal.

  7. - De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem.

    Acresce que, Mesmo que se admitisse a dita presunção, 12ª - A douta decisão recorrida afirma que "quando na presença de acordo entre o banqueiro e o seu cliente [caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»] a mera falta de informação responsabiliza, automaticamente, o obrigado (...)" 13ª - Estamos perante uma situação em que se configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato.

  8. - Fica por determinar, de forma expressa, qual o resultado normativamente prefigurado a que se refere no caso, a douta decisão sob recurso.

  9. - O único resultado relevante será o referente ao reembolso do investimento efectuado. Mas neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da subscrição de emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira, aliás, há muito cumprido.

  10. -Todavia, não pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato.

  11. - Vale isto por dizer que o incumprimento alegado não é apto a desencadear a tão desejada presunção.

    De todo o modo, 18ª - No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem.

  12. -A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que diz respeito ao nexo de causalidade.

    Ou seja, 20ª - Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

  13. - E nada disto...

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