Acórdão nº 565/15.8T8VFR.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Herança aberta por óbito de BB e CC, representada por: - DD e marido EE; - FF e marido GG - HH e marido II; - JJ e mulher KK; - LL e mulher MM, por si e em representação da herança aberta por óbito de AA e CC, pedindo que se: a) cite os Réus para juntar o respetivo documento de habilitação e certidão de óbito de BB, seguindo-se os demais trâmites do incidente até final, devendo o mesmo ser apensado aos presentes autos; b) reconheça como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, desanexando-o de facto e de direito do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam; c) condene os Réus a isso verem declarado e reconhecido; e em consequência: d) condene os Réus ao cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, comparecendo na data e hora para realização da escritura pública de compra e venda que venha a ser agendada pelo Autor e mediante notificação por carta registada com aviso de receção para o domicílio profissional do(s) mandatário(s) dos Réus; e) condene os Réus ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido no valor de €250,00/mês; Em alternativa, e na eventualidade de não proceder o pedido d) e e): f) reconheça a aquisição da parcela com a área de 270 m2 por usucapião.

Alega, em síntese, que: - celebrou um contrato-promessa de compra e venda com os falecidos BB e CC um contrato promessa, com data de 03-01-1991, mas assinado em 18-03-1991, nos termos do qual estes últimos prometeram vender-lhe uma parcela de terreno, com área aproximada de 270m2, a destacar do prédio que lhes pertence, sito na Rua Dr. ......., S......., inscrito na matriz sob o art° .... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° ......; - na data da assinatura do referido contrato-promessa foi paga a integralidade do preço acordado, tendo o autor, promitente-comprador, entrado na posse efetiva do terreno prometido vender, ficando acordado que a escritura de compra e venda seria outorgada logo que obtidos todos os documentos necessários para o efeito; - porque os réus não compareceram para outorgar a referida escritura nas datas para tal agendadas pelo autor, pede que se condenem aqueles.... a reconhecer como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado a parcela de terreno prometida vender, desanexando-a de facto e de direito do prédio de que proveio, condenando-se ainda os RR a cumprir o referido contrato-promessa, comparecendo na data e hora que venha a ser agendada pelo Autor para realização da escritura pública de compra e venda. Pede ainda que sejam os réus condenados ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido; - em alternativa, e para o caso de improcedência do pedido fundamentado na referida existência do contrato-promessa celebrado, pedem a condenação dos réus a reconhecer a aquisição, pelo autor, por usucapião, do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em causa, alegando como fundamento que desde a data da assinatura do contrato-promessa acima referido - em 18-3-1991 - se encontra na posse do referido terreno, posse essa pública e de boa-fé, mantida assim há mais de 20 anos.

Após convite do tribunal, viria a completar esta alegação reafirmando que tal posse cujo "corpus" obteve por traditio, tendo praticado os atos de posse sobre a referida parcela na pressuposição de cumprimento do contrato definitivo e na expetativa fundada de que tal se verificasse, e consequentemente com o animus de estar a exercer o correspondente direito de proprietário em seu próprio nome, ou seja, intervindo sobre a coisa como se sua fosse, atuação que se traduziu na realização das benfeitorias no prédio.

  1. Citados, os Réus vieram contestar, as exceções de ilegitimidade dos Réus EE, GG, II, KK e MM, e a falta de interesse em agir.

    Invocaram ainda a exceção de caso julgado relativamente ao peticionado cumprimento do referido contrato-promessa por ter sido já objeto de decisão proferida em outra ação, anteriormente intentada e julgada improcedente.

    Para além disso impugnaram ainda o alegado pelo autor como fundamento para a aquisição do direito por usucapião, contrapondo que a ocupação do autor foi restringida apenas a 70 m2 do terreno, e que se trata de mera detenção fundada em contrato-promessa, insuscetível como tal de conduzir à aquisição do direito por usucapião.

    No seguimento do que assim alegam concluem pela absolvição do pedido, e em reconvenção, peticionam a condenação do autor/reconvindo a reconhecer o direito de propriedade da ré sobre os 193 m2 de terreno que não foram por ele ocupados.

  2. Procedeu-se à realização de audiência prévia; no despacho saneador foram consideradas improcedentes as exceções de ilegitimidade e de falta do interesse em agir, julgando-se procedente a invocada exceção de caso julgado, absolvendo os RR da instância quanto aos pedidos formulados sob as alíneas d) e e), de condenação no cumprimento do referido contrato-promessa, e da condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês de atraso nesse cumprimento; foi fixado o objecto do litígio e os temas de prova.

  3. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a reconvenção, se julgou procedente a ação, reconhecendo a referida parcela de terreno com a área de 270 m2 como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, desanexando-o do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam, e condenando os Réus a verem isso declarado e reconhecido, reconheceu a aquisição do Autor da parcela com a área de 270 m2 por usucapião.

  4. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.

  5. O Tribunal da Relação do Porto decidiu “alterar a fundamentação da matéria de facto nos termos sobreditos e eliminar da sentença recorrida a referência a que a desanexação é feita livre de ónus e encargos, mantendo em tudo o mais, e com os fundamentos anteriormente expendidos, a decisão ali proferida, improcedendo como tal o recurso”.

  6. Inconformados com tal decisão, vieram os Réus interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (com exceção das conclusões relativa à admissão do recurso): 1ª. O acórdão recorrido padece de inexactidões devidas a lapso manifesto e tais inexactidões revelam-se no próprio conteúdo do acórdão – artigo 614º, nº1 do C.P.Civil, aplicável por força da remissão prevista no artigo 666º, nº1 do mesmo diploma legal e artigo 249º do C.Civil.

    1. Na verdade, os Venerandos Juízes Desembargadores que o subscreveram procederam, a páginas 35 do acórdão recorrido (fls.4000 dos autos) à transcrição dos factos 17, 18 e 19 dados como provados em sede de sentença de primeira instância, olvidando que, anteriormente, a páginas 27 e 28 do mesmo (fls.396 e 396v dos autos) haviam alterado a redacção dos dois primeiros e eliminado o terceiro.

    2. Deverá, por isso, nos termos do artigo 666º, nº2 do C.P.Civil, a conferência decidir a rectificação dos mesmos a fls. 400 dos autos (p. 35 do acóordão recorrido) em conformidade com o decidido a fls. 396 e 396v dos autos (páginas 27 e 28 do acórdão recorrido).

    3. O acórdão recorrido viola o artigo 662º, nº.1 do C.P.Civil, pois os Venerandos Desembargadores que o subscreveram, ao procederem à alteração da matéria de facto provada nos factos 15, 17 e 18 (v. p. 27 e 28 do acórdão recorrido, fls. 396 e 396v dos autos), não tiraram as devidas ilacções ou consequências dessa mesma decisão no que concerne ao facto 22, facto este expressamente impugnado pelos ora recorrentes nas anteriores alegações de recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.

    4. O Colectivo de Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto tinha o poder-dever, que não cumpriu, de aquilatar das consequências da alteração dos referidos pontos da matéria de facto (15, 17 e 18) na demais matéria de facto julgada provada, maxime, no referido facto 22, que deveria ter sido dado como não provado, indo para além de um mero “esta argumentação é, no entanto, insuficiente para alteração do que vem dado como provado em 22, que se reporta apenas ao carácter continuado de tal actuação, pelo que relativamente a esse ponto não se mostra fundamentada a alteração pretendida” – nesse sentido NN e OO.

    5. Não se encontram demonstradas circunstâncias excepcionais que permitam concluir pela posse em nome próprio do autor, não tendo o mesmo alegado nem logrado provar a interversio possessionis.

    6. Com efeito, como bem foca o acórdão fundamento referido …, o mero pagamento integral do preço – facto provado 10 – só por si, constitui um elemento insuficiente para se poder concluir que houve intenção das partes em antecipar o contrato prometido, não estando alegado pelo Autor e consequentemente provado qualquer facto que permita extrair tal conclusão.

    7. Por um lado, consignou-se no contrato-promessa que a escritura “só será celebrada logo que obtidos todos os elementos necessários ao acto”, não sendo aqui de ignorar que a parcela que constitui o seu objecto teria de ter existência e autonomia jurídicas, o que passava pela sua inscrição na matriz predial (artigos 13º, 36º, 100º e 106º, alínea c) do CIMI), o que não acontecia à data da celebração do mesmo , nem posteriormente, o que, ademais, justifica o pedido constante da alínea b), 1º parte, da petição inicial.

    8. Por outro lado, o facto provado 7 demonstra apenas a taditio e do facto provado 15 não resulta, como se sustenta no acórdão recorrido, qualquer perda de posse por cedência – artigo 1267º, nº1 do C. Civil...

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