Acórdão nº 3503/16.1T8VIS-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 3503/16.1T8VIS-A.C1.S1[1] * Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]: I. Relatório AA, executado na execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, que lhe moveram BB e mulher CC, todos melhor identificados nos autos, deduziu oposição mediante embargos, pedindo que aquela seja declarada extinta, com fundamento nas excepções de: (I) inexistência ou inexequibilidade do cheque como quirógrafo; (II) pagamento de 47.500 € e (III) incomunicabilidade da dívida ao cônjuge do executado, bem como na impugnação da matéria alegada no requerimento executivo.

Os exequentes/embargados contestaram, sustentando que a quantia titulada refere-se a vários empréstimos de valor inferior ao indicado no cheque que não carecem de forma legal e que os executados se comprometeram a pagar a dívida até ao final de 2015, o que nunca fizeram, concluindo pela improcedência dos embargos.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção da inexistência ou inexequibilidade do cheque (cfr. fls. 35 a 37), ordenando-se o prosseguimento dos embargos para julgamento.

Realizado este, foi proferida sentença a julgar os embargos parcialmente procedentes e a reduzir a quantia exequenda para 37.000,00 € (trinta e sete mil euros), com juros de mora à taxa civil, a contar da respectiva citação.

Inconformado com o assim decidido, o embargante/executado interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 9/10/2018, julgou o recurso procedente, revogou a decisão recorrida e declarou extinta a execução.

Não conformados, desta feita, os embargados/exequentes interpuseram recurso de revista e apresentaram a correspondente alegação com as seguintes conclusões: “1. Os recorrentes/exequentes entendem que a decisão recorrida se encontra errada sendo ilegal e jurisprudencialmente desconforme com outras decisões e a doutrina dominante e, por isso, interpõem o presente recurso de revista.

  1. Decidiu a primeira instância o seguinte: “Pelo exposto, julga-se a matéria dos embargos parcialmente procedente, e, em consequência, reduz-se a quantia exequenda para 37.000 (trinta e sete mil euros) com juros de mora à taxa civil a contar da respectiva citação.”.

  2. Recorreu desta decisão o executado, requerendo a alteração da matéria de facto dada como provada para que se considerasse que o executado pagou determinadas quantias e, só subsidiariamente, caso assim não se entendesse, que se declarasse a nulidade do mútuo e a inexistência de título executivo.

  3. Veio a ser proferida a douta decisão de que se recorre que, em suma, decidiu o seguinte: “A causa da obrigação executada é aquele mútuo que, sendo nulo por falta de forma, não produzirá efeitos executivos, não sendo permitido ao juiz a “convolação” da causa de pedir da ação executiva. Sendo assim, por falta de título válido, não podemos manter a decisão recorrida.” 5. Decisão que se interpõe a presente revista.

  4. Desde logo, entendem os ora recorrentes que o Tribunal a quo não poderia ter apreciada a questão colocada em sede de recurso quanto à alegada nulidade do mútuo e inexistência de título, porque tal questão já havia sido decidida pelo Tribunal de primeira instância, em sede de Despacho saneador e que, por não ter sido objecto de impugnação recursiva, transitou em julgado antes mesmo da prolação a decisão final.

  5. Pugnou o executado, enquanto recorrente, para o Tribunal da Relação, a revogação da decisão recorrida, vindo este a proferir Acórdão reconhecendo que o contrato de mútuo celebrado entre as partes era nulo e, nessa medida, tal consubstanciaria a inexistência de título executivo.

  6. É entendimento dos agora recorrentes que o Tribunal da Relação não poderia ter apreciado essa questão por a mesma estar desde há muito ultrapassada.

  7. É que, além de o executado ter levantado tal questão em sede de embargos, a verdade é que, o Tribunal pronunciou-se sobre essa concreta questão e sobre o pedido de absolvição da instância executiva por nulidade ou inexistência de titulo, em sede de despacho saneador, tendo decidido e considerando, não se verificar a nulidade e inexistência invocada, entendendo julgar improcedente a alegada inexistência de título executivo, julgando assim válida a instância executiva, absolvendo os exequentes do pedido deduzido pelo executado e decidindo do mérito dessa concreta questão, tendo decidido, na audiência prévia de 28 de Junho de 2017, o seguinte: Ora, dado que o embargante não põe em causa a existência do mútuo mas tão-somente a forma como o mesmo foi celebrado, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que se apresentaria como absolutamente desnecessária, constituindo até um abuso de direito da parte do embargante, pretender que os exequentes propusessem previamente uma ação declarativa para reconhecimento de um mútuo relativamente ao qual emitiu e entregou o cheque dado em execução para assegurar o seu pagamento. De forma que, face ao que antecede e subscrevendo a doutrina vertida nos citados acórdãos, improcede a arguida exceção.

  8. Desta decisão de mérito, que lhe era desfavorável, não recorreu o executado AA, pelo que, conformando-se com ele, transitou a mesma em julgado – à contrário – artº 644º, nº 1 al. b) – absolveu os exequentes do pedido de inexistência de titulo - e também, nº 2 al. d), pois admitiu o articulado de execução, indeferindo a alegação de inexistência de titulo que levaria à rejeição do articulado petitório de execução -não podendo, assim, ser atacada, como o foi, apenas a final.

  9. Pese embora tal decisão – transitada em julgado e, assim, insindicável – não poder merecer censura, o recorrente, em sede de alegação de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, voltou a discutir a questão da invocada inexistência de título, tendo tido, desta vez, assentimento por parte deste Tribunal a quo, que e pese embora a questão já ter sido decidida e, portanto, apesar de já haver decisão e mérito no processo, por decisão transitada em julgado, pronunciou-se e voltou a decidir sobre o mérito da mesma questão, decidindo, agora, pela existência da alegada nulidade do título e assim pela sua inexistência.

  10. Por conseguinte e a nosso ver, ferindo a autoridade de caso julgado material e formal, formado dentro do próprio processo, pelo que, e desde logo, se requer a Vª Exª que atento o exposto se decida revogar a Douta Decisão recorrida, constante do Acórdão que aqui se coloca em crise, na medida em que o ali decidido é ilegal e consubstancia violação da autoridade do caso julgado, pois, a questão já havia sido decidida de mérito, pela primeira instância, em decisão que não teve impugnação recursiva e assim transitou em julgado antes mesmo da decisão final.

  11. Acresce que, ainda que o Tribunal a quo considere que estamos perante um único contrato de mútuo, que nos termos da lei substantiva devia ter sido celebrado por escritura pública, tal não acarreta a conclusão retirada no Acórdão, nomeadamente, a invalidade do título, nem invalida a prossecução da instância executiva nos termos em que o foi, desde que provado o crédito dos recorridos, agora recorrente, como o foi.

  12. Apesar de o agora recorrido ter avançado várias decisões jurisprudenciais aquando da interposição do seu recurso para a Relação, na defesa da sua tese, a verdade é que elencaram os agora recorrentes, em contra-alegações, muitas outras decisões jurisprudenciais - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo 268/12.0TBMGD-A.P1.S1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no âmbito do processo 3150/13.0TBGMR-A.G1V, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo 371/07.8TBMAI-A.P1, Acórdão desta Relação proferido no âmbito do processo6322/11.8TBLRA-A.C1, Acórdão desta Relação proferido no âmbito do processo 2707/13.3TJCBR-A.C1, Acórdão desta Relação proferido no âmbito do processo 169/10.6TBCSC-B.C1, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo 467-13.7TCFUN-A.L1-6 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo 07B4427 – que vão e defendem sentido bem diverso.

  13. No entanto, contrariamente a este vastíssimo espólio jurisprudencial, veio o Tribunal da Relação, enquanto Tribunal de recurso, decidir no sentido daqueles, considerando seguir a jurisprudência que entendemos nós ser minoritária, sumariando, nos seguintes termos: “ O cheque, mero quirógrafo, não constitui título executivo quando para o negócio subjacente à sua subscrição a lei exija a celebração de escritura pública, sendo este nulo por falta de forma”.

  14. Decisão esta que o Tribunal recorrido fundamentou apenas em pouco mais de uma página completa.

  15. Por isso, não se podem os recorrentes conformar com tal decisão, na medida em que surge em contradição com a jurisprudência maioritária, como se disse e, ainda, contra o sentido defendido e fixado pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, número 3/2018, proferido por este Supremo Tribunal que estabeleceu a seguinte uniformização: «O documento que seja oferecido à execução ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea, c), do Código de Processo Civil de 1961 (na redacção dada pelo Decreto -Lei n.º 329 -A/95, de 12 de Dezembro), e que comporte o reconhecimento da obrigação de restituir...

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