Acórdão nº 6354/16.0T8VNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1.

AA, e mulher, BB, intentaram ação declarativa com processo comum contra Banco CC, S.A., pedindo que seja “declarada extinta a fiança prestada pelos autores relativamente às obrigações resultantes dos contratos de mútuo celebrados entre o R. e os mutuários e de que os AA. são fiadores.”.

Alegaram, para tanto, e em síntese, que: A ré celebrou com CC e DD contratos de mútuo, com hipoteca, para aquisição de casa de morada de família.

Nesses contratos, os autores declararam constituir-se fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia, de todas as obrigações emergentes dos referidos contratos para os mutuários.

Os mutuários, porém, deixaram de pagar as prestações em dívida desde 2.10.2012, no montante global de EUR 201.177,36, tendo sido declarada a sua insolvência, por sentença transitada em julgado, em 22.3.2013.

A ré reclamou o seu crédito, no âmbito da insolvência, o qual foi reconhecido pelo valor de EUR 201.177,36.

Por sua vez, o imóvel hipotecado, único bem detido pelos insolventes, após sua apreensão para massa insolvente, foi vendido com a concordância da ré por EUR 85.500,00, sendo que, à data da concessão dos empréstimos, havia sido avaliado em EUR 175.000,00.

A ré interpelou os autores para procederem ao pagamento das quantias ainda em dívida, atenta a sua qualidade de fiadores.

Entendem, porém, que, dadas as finalidades específicas dos contratos, visando a aquisição de casa própria dos mutuários, bem com a diferença entre o valor da avaliação e o valor da venda e entre este e o montante da dívida, a atuação da ré configura abuso de direito.

Além disso, traduziria um enriquecimento injustificado do Banco, por inexistir causa legítima para receber dos autores a prestação em causa.

Por outro lado, a ré, perante o incumprimento dos contratos pelos mutuários, não encetou diligências junto deles tendentes à cobrança coerciva das prestações vencidas e não pagas, nem informou os fiadores, ora autores, da situação de incumprimento, que, por essa razão, se viram impossibilitados de, por via do cumprimento, ficar sub-rogados nos direitos do credor.

  1. Contestou a ré, alegando em resumo que: Os mutuários só se constituíram em mora após 02.11.2012, tendo o Banco diligenciado junto deles no sentido de ser estabelecido um plano que evitasse a resolução dos contratos.

    Porém, ainda nessa fase pré-contenciosa, os mutuários apresentaram-se à insolvência, tendo sido declarados insolventes, o que determinou a citação da ora ré no processo de insolvência, atenta a sua qualidade de credora hipotecária, ali tendo reclamado os seus créditos acumulados à data de início da mora, no montante de EUR 201.177,36 no que toca ao mutuário e de EUR 201.631,38 quanto à mutuária.

    Os anúncios das insolvências foram publicitados nos locais próprios, tendo os fiadores sido notificados após a reclamação de créditos (em 01.04.2013 e em 04.04.2013), da resolução ocorrida e dos valores em dívida. E entre o momento em que foram notificados e o momento da venda judicial, em 16.12.2015, cerca de dois anos e meio depois, bem poderiam ter liquidado a dívida reclamada, ficando, assim, sub-rogados no direito do credor.

    Mais alegou que, à data da venda em leilão do imóvel hipotecado, se assistia a uma desvalorização geral no mercado imobiliário, daí que o preço da venda seja o resultado da conjuntura, então vivida.

    Concluiu, pedindo a improcedência da ação.

  2. Na 1ª instância, foi proferida sentença que julgou a ação procedente.

  3. Desta decisão, apelou a ré, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado a apelação procedente e absolvido a ré do pedido.

  4. Irresignados com o decidido, vieram os autores interpor revista, formulando as seguintes conclusões: A) Nas relações entre o devedor e o fiador, como aplicação do princípio geral em matéria de sub-rogação, estabelece o artigo 644º do Código Civil que “O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes forem satisfeitos.” Por força deste regime, opera-se a transferência do crédito por sub-rogação legal, com as suas garantias e acessórios, de acordo com o regime da cessão de créditos, previsto no artigo 582º ex vi legis do disposto no artigo 594º do Código Civil. O fiador pode depois demandar o devedor por aquilo que pagou B) Como consequência do princípio geral em matéria de sub-rogação, o artigo 653º do Código Civil sob a epigrafe “Liberação por impossibilidade de sub-rogação”, estabelece que “Os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem.” C) Desta norma resulta que o credor que proceda de modo a obstar que o fiador se sub-rogue nos seus direitos, perde a garantia da fiança, na medida em que o fiador fica desonerado da obrigação da fiança. O que se compreende, na medida em que a conduta omissiva do credor impede a sub-rogação do fiador na sua posição. E é precisamente o alcance da conduta omissiva do R. perante os AA. que está em apreciação neste recurso, considerando o Tribunal de 1ª instancia apoiando-se na matéria de facto dada como provada.

    1. Os AA. constituíram-se fiadores numa operação de crédito do banco R. aos mutuários CC e DD, para aquisição de habitação destes, garantido por hipoteca sobre o imóvel/habitação.

    2. Os mutuários entraram em incumprimento no contrato de financiamento/mútuo. Os mutuários apresentaram-se à insolvência, tendo o R. banco reclamado o seu crédito, no valor de 201.177,36 €. O imóvel era o único bem dos insolventes. Após sua apreensão pela massa insolvente, e feitas diligências de venda, foi pelo R. banco feita proposta de adjudicação pelo valor de 85.317,44 €, tendo sido feita proposta de compra pelo valor de 85.500,00 €, tendo esta sido aceite.

    3. O bem imóvel aquando da concessão do crédito (ano de 2006) foi avaliado pelo valor de 175.000,00 €. O R. banco apenas interpelou os fiadores, aqui AA., após os mutuários se terem apresentado à insolvência. Face a esta factualidade, a atuação do R. banco efetivamente impediu os aqui AA., fiadores, de se poderem sub-rogar na hipoteca constituída a favor do R. banco.

    4. O Acórdão recorrido não considerou a conduta omissiva do R. determinativa da extinção da fiança, desvalorizando totalmente o facto do banco R. se apresentar a comprar por 85.317,44 uma habitação que avaliara e concedera crédito alguns anos antes pelo valor de 175.000,00 € e permitindo que esse bem fosse vendido, no total desconhecimento dos fiadores, por 1/3 deste valor para depois se apresentar a reclamar dos fiadores o pagamento da diferença para menos e juros, revelando em tudo um total desinteresse pela sorte dos fiadores e para as consequências que da sua conduta resultasse para estes.

    5. Não relevou para o acórdão recorrido os meses que mediaram entre a entrada em incumprimento dos devedores e o momento em que o credor R. avisa os fiadores da entrada em incumprimento dos devedores, já depois destes terem sido declarados insolvente e do único bem que possuíam ter sido vendido por um preço irrisório com o consentimento do R. credor.

    6. Desvalorizou totalmente o acórdão recorrido o facto de que a habitação vendida em condições normais, através da intervenção dos AA. fiadores, cobriria a totalidade da dívida ao R., sem necessidade de qualquer pagamento adicional pelos AA.

    7. Para o Tribunal da Relação é totalmente irrelevante para o artigo 653º do Código Civil a conduta do R. credor que permite que o património dos devedores seja alienado por um valor irrisório, porque sabe que pode ir buscar aos fiadores o remanescente do seu crédito.

    8. O Tribunal da Relação interpretou a norma do artigo 653º do Código Civil no sentido de que não impõe ao credor uma obrigação de zelar pelo património do devedor, mas também que lhe permite deixar delapidar o património dos devedores, deixar destruir esse património e permitir que fique totalmente sem valor, porque sabe de antemão que pode ir sobre o património dos fiadores para obter pagamento do seu credito pela totalidade e com juros.

    9. Ou seja, a interpretação da norma é no sentido de permitir condutas negligentes e até dolosas por parte do credor em detrimento dos fiadores, desvalorizando totalmente o interesse da sua intervenção após a entrada em incumprimento pelos devedores no sentido de acautelar o âmbito e a amplitude da responsabilidade pela qual poderão vir a ser chamados.

    10. Estamos em crer que uma tal interpretação do artigo 653º do Código Civil não tem qualquer suporte na letra ou no espírito da lei, nem suporte na doutrina e jurisprudência citados.

    11. Ora, o credor, assim como recebe com a fiança uma garantia para o crédito, deve, por outro lado, evitar que o fiador, por falta daquela sub-rogação, seja lesado. Januário da Costa Gomes sublinha que "o fato positivo ou negativo do credor terá de ser um facto voluntário, não fazendo aqui sentido a exigência do carácter culposo da sua atuação.

    12. Independentemente do facto de não estarmos em sede de determinação de responsabilidade civil do credor – caso em que a «busca» da culpa do devedor (no caso, o credor) teria toda a razão de ser – o que é razoável é que o credor perca a vantagem da fiança na medida em que a perda do direito lhe seja imputável" Q) Compulsada a factualidade dada como provada, efetivamente os AA. constituíram fiadores numa operação de crédito do banco R. aos mutuários CC e DD, para aquisição de habitação destes, garantido por hipoteca sobre o aludido imóvel/habitação.

    13. Os mutuários entraram em incumprimento no aludido contrato de financiamento/mútuo. Os mutuários apresentaram-se à insolvência, tendo o R. banco reclamado o seu crédito, no valor de 201.177,36 €. O bem imóvel era o único bem dos agora insolventes. Após sua apreensão pela massa insolvente, e feitas diligências de venda, foi pelo R. banco feita proposta de adjudicação pelo valor de 85.317,44 €...

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