Acórdão nº 394/17.9T8PTM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução12 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

Em processo comum perante Tribunal Colectivo, o Ministério Público deduziu acusação, contra AA, [...] , imputando-lhe a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, pedindo ainda a condenação do mesmo por reincidência.

Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de ..., foi este arguido condenado, como reincidente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos de prisão.

2.

Inconformado, recorre o arguido perante este Supremo Tribunal terminando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem: «Das conclusões Da errada qualificação jurídica dos factos 1ª.

O Meritíssimo Tribunal a quo considerou que a conduta do ora Recorrente dada como provada no Acórdão recorrido preencheu o crime previsto no artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº 15/93, qualificação jurídica essa com a qual o Arguido não pode de todo concordar, por entender que devia ter sido aplicado ao caso concreto o artigo 25º do mesmo diploma.

  1. A Doutrina[1] e a Jurisprudência do Colendo Tribunal ad quem[2] desenvolveram diversos critérios cujo preenchimento tendencialmente cumulativo deve conduzir à aplicação do artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93.

  2. Nas transacções por si efectuadas, o Arguido tanto contactou directamente com um consumidor, como através do intermediário CC: no entanto, veja-se que esta última forma de actividade apenas ocorreu durante um curto período de cerca de três meses, sem se consubstanciar numa forma de agir altamente organizada.

  3. As substâncias por si vendidas eram destinadas exclusivamente ao consumo dos adquirentes, não se tendo demonstrado quais as concretas quantidades, ainda que a título aproximado, terão sido por si distribuídas – sendo que o volume das suas receitas demonstradas a partir das vendas realizadas a BB não permite concluir estarem em causa grandes quantidades de estupefaciente; além disso, e caso o Arguido fornecesse grandes quantidades desses produtos, certamente que teria sido encontrada uma base de stock dos mesmos; 5ª.

    Conforme resulta dos autos, apenas se demonstrou que o Arguido se dedicou a tal actividade durante dois curtos períodos – entre o início de 2014 e Junho de 2014, e entre Novembro de 2014 e Fevereiro de 2015 – pelo que não se provou que essa actuação se prolongasse há mais de um ano; 6ª.

    Não se provou que o ora Recorrente efectuasse quaisquer operações de cultivo ou corte do produto estupefaciente, do mesmo modo que não se demonstrou que para a sua actividade o ora Recorrente utilizasse meios diversos daqueles que utilizava para o desenrolar do seu dia-a-dia.

  4. Não se demonstrou que o Arguido auferisse por força da sua actividade de tráfico valores que o dotassem das possibilidades de usufruir de uma vida quotidiana acima da média.

  5. Resulta da matéria de facto provada que essa actividade do ora Recorrente se cingia à cidade de Portimão.

  6. O Arguido não preenche qualquer das previsões constantes do artigo 24º do Decreto-Lei nº 15/93.

  7. Encontram-se assim plenamente preenchidos sete dos oito critérios tendencialmente cumulativos desenvolvidos pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça por forma a aferir acerca da ilicitude diminuída referida no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93; o único que não se encontra integralmente preenchido é aquele que diz respeito ao desenvolvimento da actividade de tráfico por via de intermediários; porém, conforme se referiu, essa situação apenas se verificou durante um curto período de três meses e sem ter por base uma séria estrutura organizacional – no caso, envolvia apenas o ora Recorrente e CC –, pelo que este caso concreto ainda assim se integra no âmbito do artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93.

  8. A posição assumida pelo ora Recorrente no que diz respeito à errada qualificação jurídica dos factos efectuada pelo Meritíssimo Tribunal a quo é sustentada pela Jurisprudência do Colendo Tribunal ad quem incidente sobre casos semelhantes, casos do Acórdão proferido no dia 7 de Dezembro de 2011[3], bem como do Acórdão proferido no dia 18 de Fevereiro de 2016[4].

  9. Não se encontram assim reunidos os pressupostos de facto necessários para a aplicação do artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº 15/93 ao caso do ora Recorrente, termos em que o Meritíssimo Tribunal a quo procedeu a uma errada qualificação dos factos cuja prática foi imputada ao Arguido, pelo que violou o âmbito de aplicação de tal norma legal.

  10. Podia assim no limite o ora Recorrente ter sido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, o que necessariamente implicaria a redução da pena que lhe foi aplicada por força da existência de penas abstractamente aplicáveis de moldura inferior.

    A título subsidiário, por mera cautela e dever de patrocínio, Da medida da pena, 14ª.

    Não se discutindo a existência de elementos que apontam no sentido da aplicação de uma pena de prisão ao ora Recorrente em virtude da sua condenação, pelo presente recurso pretende-se fazer-se notar que constam dos autos circunstâncias cuja análise é imposta pelos artigos 40º e 71º do CP, e que apontam no sentido de a medida da pena determinada pelo Meritíssimo Tribunal a quo ser excessiva.

  11. Quanto ao dolo da sua acção, resultou provado que o ora Recorrente teve consciência da ilicitude do seu comportamento, agindo ainda assim no sentido da sua verificação; porém, não se pode olvidar que o ora Recorrente agiu num contexto de instabilidade da sua vida, instabilidades essas que muitas vezes conduzem os agentes ao contacto com o mundo dos estupefacientes.

  12. No que toca aos antecedentes criminais do ora Recorrente, não se pretende a desconsideração das suas condenações anteriores; pretende sim o Arguido que seja também considerada a antiguidade desse ilícito criminal, cuja prática dos factos mais recentes remonta ao ano de 2011.

  13. O carácter excessivo da pena aplicada pelo Meritíssimo Tribunal a quo é também revelado pela comparação do caso concreto com a Jurisprudência do Colendo Tribunal ad quem incidente sobre casos semelhantes, resultantes do Acórdão proferido no dia 23 de Novembro de 2011[5], bem como do Acórdão proferido no dia 2 de Outubro de 2014[6] 18ª.

    Decorre assim dos contornos do caso concreto, das normas jurídicas aplicáveis e da Jurisprudência do Colendo Tribunal ad quem que a ser aplicada uma pena efectiva de prisão ao ora Recorrente, tal terá de acontecer sempre numa medida próxima da pena mínima abstractamente aplicável, não podendo em caso algum ultrapassar os 5 anos de prisão, tendo o Acórdão recorrido violado o disposto nos artigos 40º e 71º do CP, pelo que o mesmo deve ser alterado em conformidade.

    Nestes termos e demais de Direito, devem Vossas Excelências, Colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, dar provimento ao presente recurso, alterando a qualificação jurídica dos factos pelos quais o arguido foi condenado e, em todo o caso, reduzindo-lhe a pena.

    3.

    O Ministério Público apresentou resposta em que formula as seguintes, «CONCLUSÕES: 1- O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.

    2- “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso.

    3- São assim, as conclusões quem fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal.

    4- Não contém o Douto Acórdão impugnado qualquer vício que o inquine.

    5- As provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu todo e segundo o que preceituam os arts.124º a 127º, do Código de Processo Penal, entre outros preceitos legais.

    6- O recorrente foi condenado por duas vezes em penas de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Em um dos processos a pena de prisão suspensa na sua execução foi-lhe revogada e no outro foi condenado em pena de prisão efectiva.

    7- Não deverá ter sucesso a argumentação do arguido ao afirmar que o Tribunal “ a quo” deveria ter valorado a prova produzida em audiência de julgamento e qualificado a actividade ilícita provada como prevista no artigo 25º, do D.L. nº15/93, de 22/1.

    8- Aliás, considerando o lapso de tempo ao longo do qual vendeu estupefacientes, as centenas de vezes em que traficou e os restantes indícios que constam no Douto Acórdão, não haverá em nosso entendimento, qualquer diminuição considerável da ilicitude, devendo manter-se a qualificação jurídica que consta do Douto Aresto.

    9- Damos aqui por integralmente escritos os argumentos que constam do Douto Acórdão, com o respeito devido, e que afinal afastam de modo límpido e eficaz a qualificação jurídica pretendida pelo recorrente, devendo ser como foi condenado em 1ª instância como reincidente pela prática em autoria material do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

    10- O Douto Acórdão que o arguido impugna não violou qualquer preceito de direito europeu, constitucional ou criminal, uma vez que o arguido foi condenado com base em provas legalmente produzidas, bastantes e adequadas.

    A pena de prisão deve ser a “ultima ratio”.

    11- Também nós pensamos que a pena de prisão...

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