Acórdão nº 454/14.8TBGDM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução09 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1] I – RELATÓRIO[2] 1.

AA e BB intentaram a presente ação com processo comum de declaração contra CC e DD, pedindo a condenação destes a pagar-lhes a quantia global de € 97.998,71, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, até integral reembolso, cujo valor, à data da propositura da acção, se computam em €38.630,01.

A fundamentar aquele pedido, alegam - em síntese -, que, juntamente com os RR., eram sócios e gerentes da sociedade denominada EE, Lda., com sede em …, …, que, por sua vez, era devedora da quantia global de €195 997,42 ao Banco FF, S.A., por empréstimo por este concedido para a dita Sociedade fazer face a dificuldades de tesouraria, empréstimo que afirmam ter tido a concordância de AA. e RR., e para o que todos deram aval através da assinatura aposta em 2 livranças em branco, dando àquele Banco autorização para realizar o preenchimento das livranças, quanto à data de emissão, montante em dívida, lugar de pagamento e data de vencimento.

No início do ano de 2004, a aludida Sociedade enfrentou um período de dificuldade económica e financeira, incumprindo o empréstimo que havia sido concedido pelo Banco FF, S.A., recorrendo a processo de recuperação de empresa que correu ternos pelo extinto … juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, sob o nº 339/04.6TYVNG, aí acabando por ser declarada insolvente, por sentença de 19 de Maio de 2005.

No momento em que se iniciou o incumprimento do empréstimo contraído junto do Banco, este abordou AA. e RR., na qualidade de avalistas da dívida, exigindo o pagamento da quantia mutuada, na sequência do que os AA., por forma a evitar a execução do respectivo património, realizaram o pagamento exigido e, consequentemente, adquiriram o crédito de que era titular aquele Banco, com as suas garantias e acessórios, e recebendo de endosso as livranças pelo mesmo já preenchidas.

Interpelaram então os RR. para realizarem o pagamento dos montantes da sua responsabilidade.

Sendo que o pagamento realizado pelos AA. beneficiou igualmente os RR., pois, de outro modo, o património de todos os avalistas teria sido afetado.

Pelo que, caso os RR. não procedam ao reembolso das quantias de que são responsáveis, enriquecerão sem causa à custa dos AA., que assim invocam a seu favor, em via subsidiária, o regime do art. 473.º do C.C.

Ascende a €97.988,71 a quota-parte da responsabilidade dos RR. na dívida da sociedade EE, Lda., ao Banco FF, S.A.

Assiste-lhes, também, o direito a exercer sobre os RR. o direito de regresso, relativamente a tal quantia, nos termos previstos no art. 524.º do C.C., pois que se está perante uma obrigação solidária, nos termos do disposto no art. 516.º, do mesmo Código.

  1. Os RR. apresentaram contestação, na qual‑ também em súmula ‑, começam por invocar a exceção de caso julgado, afirmando que a presente acção constitui repetição dessoutra ação ordinária que correu termos sob o nº 3954/05.7TBGDM pelo extinto … juízo cível da comarca de …, intentada pelos aqui AA. contra os aqui RR., exatamente com o mesmo fundamento, e que foi julgada improcedente por decisão de mérito transitada em julgado.

    De seguida, alegam que, por força do estabelecido no art. 53.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, a recusa do pagamento deve ser verificada por protesto, ato formal que jamais teve lugar, o que, defendem, determina a extinção da acção de regresso do portador.

    Defendem, também, mostrar-se prescrita a alegada dívida de juros no que excede os 5 anos anteriores à citação dos RR. para os termos do presente processo.

    Por outro lado, reconhecem a subscrição pela sociedade EE, Lda., das livranças invocadas na petição inicial, bem como os avales prestados por AA. e RR..

    Dizem, no entanto, que, no momento da prestação do aval, as livranças encontravam-se em branco quanto a todos os seus elementos, que, afirmam, foram preenchidos sem o consentimento dos RR., sem estes conhecerem os seus elementos essenciais, e sem terem dado qualquer autorização para o preenchimento.

    Alegam, por isso, ter sido abusivo o preenchimento feito, o que, defendem, conduz à invalidade do negócio cambiário.

    Invocam também a nulidade dos avales prestados, por serem desconhecidos dos avalistas a obrigação avalizada e os elementos constitutivos da obrigação.

    Mais afirmam desconhecer a exactidão dos valores apostos nas livranças em causa.

    Impugnam, outrossim, os fundamentos da cessão de créditos invocada na petição inicial.

    Aceitam que a sociedade EE, Lda. deu início a um processo especial de recuperação de empresas, no âmbito do qual foi reclamado pelo Banco FF, S.A., e reconhecido, um crédito no valor global de €180 614,60.

    Todavia – observam - a 26 de Janeiro de 2005, o Banco FF, S.A., no âmbito do processo nº 339/04.6TYVNG, do extinto … juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, declarou não deter qualquer crédito perante a sociedade EE, Lda., acabando esta por ser declarada insolvente, por decisão de 19 de Maio de 2005, com apenas um credor.

    Assim, e reafirmando terem dado o seu aval à obrigação assumida pela sociedade EE, Lda., perante o Banco FF, S.A., defendem que, mostrando-se esta extinta, extinguiu-se igualmente a responsabilidade dos RR..

    De outro modo, negam a possibilidade de um co-avalista exigir do outro co-avalista o reembolso por qualquer quantia que tenha pago em substituição do subscritor da livrança.

    Demais, afirmam que as livranças em causa não se mostravam preenchidas no momento em que terão sido entregues aos AA., pelo que não são eficazes.

    Defendem, por isso, a ineficácia do acordo de cessão de créditos.

    E, igualmente, negam a existência de qualquer enriquecimento da sua parte como consequência do empobrecimento dos AA..

    Insistem que o presente litígio foi já totalmente apreciado no âmbito da ação nº 3954/05.7TBGDM pelo extinto … juízo cível da comarca de Gondomar, motivo pelo qual defendem litigar os AA. de má-fé, pedindo a condenação destes em multa e indemnização a favor dos RR. de valor não inferior a €10 000,00.

  2. Os AA. apresentaram articulado de resposta, no qual – também sinopticamente -, defendem não se verificar a excepção de caso julgado por a decisão de mérito proferida no âmbito da ação nº 3954/05.7TBGDM se ter fundado na falta de alegação, pelos ali AA., do preenchimento dos títulos de crédito pela instituição bancária, o que seria elemento constitutivo do direito que os AA. então pretendiam fazer valer, alegação que, no entanto, fazem na presente causa.

    Afirmam que, nos presentes autos, está ainda em causa o enriquecimento sem causa dos RR. à custa dos AA., o que transcende o objecto do processo nessa ação nº 3954/05.7TBGDM.

    Além disso, entendem ser desnecessária a realização de protesto, atento o estabelecido no art. 32.º a LULL e o facto de os RR. assumirem a mesma responsabilidade que o subscritor da livrança.

    Por outro lado, também não decorreu qualquer prazo prescricional, na medida em que o prazo de prescrição eventualmente em curso foi interrompido pela propositura da já referida ação nº 3954/05.7TBGDM.

    Outrossim, os RR. deram a sua autorização ao preenchimento das livranças, intervindo no pacto de preenchimento do título, não possuindo qualquer fundamento a alegação de preenchimento abusivo.

    Negam ocorrer a confusão como facto extintivo do direito de crédito.

    Concluem, assim, como na petição inicial.

  3. Procedeu-se a julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a ação foi julgada totalmente procedente e, em consequência: a) Condenado o R. CC a pagar aos AA. AA e BB a quantia de €48 999,36, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação daquele R. para os termos da ação ordinária nº 3954/05.7TBGDM, do extinto 2º juízo cível da então comarca de Gondomar, e até integral reembolso; b) Condenado o R. DD a pagar aos AA. AA e BB a quantia de €48 999,36, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação daquele R. os termos da ação ordinária nº 3954/05.7TBGDM, do extinto … juízo cível da então comarca de Gondomar, e até integral reembolso.

  4. Inconformados, os RR. interpuseram recurso de apelação para a Relação do Coimbra, a qual, por Acórdão exarado a fls. 510 e ss., decidiu no sentido de o julgar improcedente, confirmando a decisão recorrida.

  5. Uma vez mais irresignados, os RR. interpuseram recurso de revista excepcional para este Tribunal Supremo, cuja alegação encerram com as seguintes conclusões: 1. Os recorrentes discordam integralmente do Acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação …, na medida em que o acórdão de que se recorre possui clara contradição com o douto Acórdão proferido pela STJ já transitado em julgado, que decidiu a questão dos presentes autos.

  6. Mais, a questão jurídica é de particular relevância social, pois que, estamos na presença de uma alteração gritante de decisões já proferidas e transitadas em julgado, as quais são agora objecto de alteração face a existência de um Ac.UJ posterior as decisões e ao transito em julgado das decisões que se juntaram, o que colide de forma ilegal com a certeza, confiança e segurança jurídica plasmada na CRP.

  7. Por último, é imperioso delimitar em termos de aplicação jurídica os Ac. UJ, pois que, os mesmos não podem ser aplicados de forma retroactiva no entendimento dos ora recorrentes, que vêem a situação já decidida e consolidada em 2011 (trânsito em julgado do Acórdão do STJ), agora ser alterada, face a reformulação do pedido, embora seja a mesma causa de pedir (livranças e contrato de cessão).

  8. Antes de mais e para que se possa verificar o gritante erro existente atente-se nos documentos juntos aos autos, a saber: - Certidão do processo 3954/05.7TBGDM com a referencia 10…2 - Livranças em branco fls. 20 e 21 • Em 4 de Maio de 2009 foram as duas livranças juntas aos autos do processo n.º 3954/05.7TBGDM já preenchidas, fls. 399 (sendo que, tal apenas foi efetuado após ser ampliada a matéria de facto e aditado um quesito (acórdão do Tribunal da Relação …), que determinou que o processo...

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