Acórdão nº 31/17.1T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I. Relatório 1. AA, residente na …, nº…, 4º, …, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Banco BB, S.A., com sede na …, nº132, …, e Caixa CC, S.A., …., nº …, …, pedindo: a) a declaração de que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações DD ao BANCO EE foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100%; b) a declaração de responsabilidade do Réu BB pelo reembolso desse capital; c) e a sua condenação a proceder a esse imediato reembolso da quantia de 50.000,00 euros que foi investida na referida compra, acrescida de juros vencidos desde 07/10/2014 até reembolso do capital, e de 10.000,00 euros de indemnização por danos não patrimoniais; d) a condenação da Ré Caixa no pagamento de indemnização a fixar em liquidação de sentença, pelos danos não patrimoniais causados.

Invocou a responsabilidade contratual e extracontratual do Réu BB, alegando, para tanto e em síntese, que adquiriu ao balcão do BANCO EE uma obrigação DD, no valor global de 50.000,00 euros, com o prazo de 10 anos, tendo a mesma sido vendida com a garantia de ter o valor de capital garantido, sendo tão segura como um depósito a prazo. Foi ainda informado que poderia efetuar o resgate da aplicação ao fim de 5 anos.

Como o BANCO EE foi nacionalizado, tentou proceder ao resgate antecipado do capital investido, que lhe foi negado.

Decorrido o prazo de 10 anos, foi informada que a aplicação em causa não tem cobertura de garantia de capital, porquanto a sociedade a que se reporta a obrigação encontra-se insolvente, sendo o BANCO EE, atual BB, apenas um intermediário da sociedade DD.

2. Formulou desistência do pedido deduzido contra a Caixa CC, tendo sido proferida decisão, transitada em julgado, que homologou tal desistência.

3. Citado, o Réu BB contestou, excecionando a prescrição do direito invocado pela Autora, por terem decorrido mais de 2 anos desde a data em que ela teve conhecimento da conclusão da operação. Alegou consubstanciar a atuação da autora abuso do direito, porquanto nunca reclamou do produto que subscreveu e foi sempre recebendo os juros que lhe eram devidos, gerando, assim, a confiança de que não colocaria em causa tal subscrição. No mais, impugnou os factos alegados, narrando as circunstâncias em que o produto em causa foi subscrito.

4. A autora respondeu à exceção de prescrição, sustentando não ser aplicável o referido prazo prescricional, mas, antes, o prazo de prescrição de 20 anos, que apenas se iniciou com o vencimento da obrigação em maio de 2016.

5. Realizada audiência prévia, foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova.

6. Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, tendo o marido da autora intervindo nos autos por forma a assegurar a sua legitimidade para a ação.

Foi junto documento comprovativo do consentimento deste para a propositura da presente ação.

7. Foi, então, proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência: a) declarou que a aquisição da obrigação DD ao BANCO EE foi efetuada no pressuposto que o produto financeiro em causa estava a coberto da garantia de reembolso de capital a 100%; b) declarou que o R. Banco BB é o responsável pelo reembolso do capital investido pela A. e marido, no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros); c) condenou o R. Banco BB a reembolsar a A. do capital investido, no valor de 50.000,00 euros (cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora contabilizados à taxa de 4%, desde o dia 09/05/2016, até integral reembolso, aplicando-se qualquer alteração à data de juro de mora civil que venha a verificar-se, enquanto tal reembolso não ocorrer; d) absolveu o R. Banco BB quanto ao mais peticionado.

8. Inconformado com esta decisão, dela apelou o Réu BB, S.A. para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão proferido em 30 de maio de 2018, sem voto de vencido, mas com fundamentação diversa, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

9. Inconformado, de novo, com esta decisão o Réu BB, S.A. dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « (…) VII. A decisão a Mmª. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C.

VIII. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma aplicação SEGURA semelhante a um depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.

IX. Porém, tal afirmação do funcionário do Banco Réu não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

X. De facto, o uso de uma tal expressão apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.

XI. É utópico pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento. Até porque essa garantia não existe! XII. O investimento efectuado era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.

XIII. Temos para nós por evidente que, à data da subscrição das Obrigações, o Intermediário Financeiro não tinha obrigação legal de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro subscrito (Obrigações) e que, mesmo actualmente (depois de entrar em vigor o D.L. 357-A/2007 de 31/10), o intermediário financeiro não está obrigado a informar o investidor acerca dos efeitos do risco de insolvência dos emitentes ou do mero risco de não retorno do capital investido na data de maturidade do investimento, ou sequer de analisar a robustez financeira do emitente… XIV. Em lado algum do CdVM se levou tão longe a obrigação do intermediário financeiro e se lhe impôs a obrigação de se assegurar que o investidor compreendeu a informação que lhe foi prestada! XV. O art. 312º-A no 1 alínea c) obriga que a informação seja apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio! E este é um critério objectivo de prestar a informação.

XVI. O destinatário médio é um destinatário com o cuidado, zelo, e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste.

XVII. O A., estando como está na posse do prospecto da emissão das obrigações e da nota interna (que até juntou aos autos com a P.I.), entendeu necessariamente que se tratava de uma emissão obrigacionista e que tinha subscrito obrigações.

XVIII. Não houve da parte do Banco Réu a prestação de qualquer informação falsa, ou a utilização de qualquer artifício falacioso ou substerfúgio ardiloso que fosse a apto a enganar o Autor.

XIX. O que nos parece a nós é que, quando muito, houve da parte do Autor um erro espontâneo, MAS NUNCA UM ERRO PROVOCADO! XX. De facto, se é certo que o Banco pode não ter informado o Autor marido com toda a extensão, não é menos certo que lhe possibilitou toda a panóplia de documentação onde o Autor poderia buscar essa informação, seja o próprio boletim de subscrição, seja mesmo o prospecto da emissão das obrigações! XXI. E, pensamos que para alguém como Autor marido, que já tinha investido (e continuou a investir) em obrigações, a informação oferecida é mais do que suficiente, se julgada de acordo com o critério legal da proporcionalidade inversa à da sua necessidade.

XXII. Quer o art. 314º do CdVM, quer os arts 798º e 799º do C.C. estabelecem unicamente presunções de culpa dos devedores, como aliás decorre do próprio texto legal dos referidos preceitos.

XXIII. Fica por isso, e nos termos do art. 342º do C.C., a cargo dos credores/autores alegar e provar a ilicitude que serve de esteio à pretensão que trazem a juízo! XXIV. Mesmo que se defendesse (juntamente com alguma doutrina) a existência de uma presunção de ilicitude, sempre diremos que essa presunção apenas poderá existir no caso de incumprimento dos deveres principais do contrato, mas já não assim no caso de incumprimento de deveres acessórios, como é o caso do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

XXV. No caso dos deveres acessórios, a ilicitude não pode surgir por automatismo, porque esse dever não se insere na prestação principal do contrato, porventura até realizada pelo devedor.

XXVI. É que a origem dos deveres acessórios não radica no contrato, mas sim no principio da boa fé na execução dos contratos, previsto no art. 762º nº 2 do C.C.

XXVII. E, uma vez que o dever acessório é decorrência deste princípio, que orbita em torno da obrigação principal, é necessário que o credor alegue e prove não só a existência desse dever acessório (como fonte de responsabilidade) como, sobretudo, o seu não cumprimento, pois a maioria das vezes não se pode socorrer da evidência da falta de resultado prefigurado (a prestação principal inserta no contrato) para implicar o raciocínio lógico-dedutivo da afirmação da ilicitude! XXVIII. Assim, a violação do dever de informação no contrato de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens não implica qualquer (inexistente!) presunção de ilicitude.

XXIX. E, portanto, tinha que ser o Autor a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu estava obrigado a lhe ter dado, que não deu! XXX. Sucede que, tal matéria não consta da matéria de facto provada, precisamente porque o Autor se demitiu de a alegar… XXXI. E...

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