Acórdão nº 2916/13.5TBTVD.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.), que também usa o nome de casada BB, intentou, em 16/10/ 2013, ação declarativa, sob a forma de processo declarativo comum, contra CC (1.ª R.), notária privada, e DD (2.º R.), alegando, no essencial, que: .

A A. foi surpreendida com o facto de ter sido efetuado pela 1.ª R., na qualidade de notária, o registo online da venda do seu veículo automóvel de marca Mercedes-Benz, com a matrícula 21-...-35, a favor do 2.º R., porquanto não lhe vendeu tal veículo, não existindo qualquer contrato de compra e venda, verbal ou escrito, que tivesse sido celebrado entre a A. e este 2.º R.; .

Tal transmissão foi levada a registo através do requerimento único reproduzido a fls. 21-24, datado de 09/05/2011, preenchido e elaborado pela 1.ª R. ou a seu mando e pela mesma assinado eletronicamente, alegadamente em nome da A.; .

Porém, a A. nunca produziu as declarações constantes daquele requerimento nem subscreveu qualquer documento em que manifestasse a vontade de vender o referido automóvel; .

Assim, a inexistência do ato levado a registo torna este registo falso e, consequentemente, nulo nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do Código de Registo Predial, devendo o mesmo ser cancelado.

Pediu a A. que fosse: a) – Reconhecida a inexistência jurídica do contrato verbal de compra e venda subjacente ao registo em causa, bem como a falsidade do título em que este se baseou; b) – Declarada a nulidade daquele registo; c) – E, consequentemente, ordenado o respetivo cancelamento. 2.

A 1.ª R. contestou a invocar a sua ilegitimidade e, subsidiariamente, a impugnar a ação, esclarecendo as condições e o modo como o registo fora efetuado.

  1. Por sua vez, o 2.º R. apresentou contestação-reconvenção, em que, além de arguir a ineptidão da petição inicial, apresentou uma versão diferente dos factos, a sustentar, em resumo, que: .

    A A. entregou a viatura em causa para venda a um comerciante de automóveis; .

    A mesma assinou o documento que titula a transmissão desse veículo com a menção “declaração para registo de propriedade (contrato verbal de compra e venda)”; .

    Entregou os seus elementos de identificação para se proceder ao registo de aquisição a favor do 2.º R.; .

    E entregou também as duas únicas chaves do veículo ao aludido comerciante de automóveis. Concluiu o 2.º R., em primeira linha, pela sua absolvição da instância e, subsidiariamente, no sentido da improcedência da ação, pedindo, para o caso de a ação ser julgada procedente, a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 28.000,00 correspondente ao preço por ele pago. 4.

    Findos os articulados, foi fixado à causa o valor de € 58.000,01, resultante da soma do valor atribuído pela A. (€ 30.000,01) e o valor da reconvenção (€ 28.000,00), conforme o despacho de fls. 116 a 118, de 19/ 11/2014.

  2. Após a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial invocada pelo 2.º R. e procedente a exceção de ilegitimidade da 1.ª R. com a consequente absolvição desta da instância, seguindo-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova. 6.

    Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 299 a 310, datada de 07/09/2016, a julgar: A – A ação procedente, tendo-se decidido: a) – Reconhecer a inexistência jurídica do contrato verbal de compra e venda subjacente ao registo de transmissão da propriedade do veículo pedido online e efetuado a favor do 2.º R, bem como a falsidade do título levado a registo; b) – Declarar a nulidade desse registo, efetuado através da ap. 02741, de 10/05/2011; c) – Ordenar o cancelamento desse registo.

    B – E a reconvenção improcedente com a consequente absolvição da A./Reconvinda dessa pretensão.

  3. Inconformado, o 2.º R., DD, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de impugnação de facto e de direito, no âmbito do qual foi proferido o acórdão de fls. 412 a 423, datado de 11/01/2018, a julgar, por unanimidade, a apelação improcedente, mantendo a sentença recorrida.

  4. De novo irresignado, o mesmo R. veio interpor revista excecional, que foi admitida pelo colégio dos juízes da formação deste Supremo Tribunal a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC, com fundamento na sua relevância jurídica, conforme acórdão de fls. 463 a 467, tendo o Recorrente formulado as seguintes conclusões: I – Quanto à violação da presunção do registo 1.ª - A aplicação e interpretação dos artigos 7.º e 17.º, n.º 1, do Código do Registo Predial (CRP), aplicáveis ex vi artigo 29.º do Código do Registo Automóvel (CRA), e do disposto nos artigos 347.º e 350.º do CC assume relevância jurídica na medida em que a presunção de titularidade derivada do registo tem vindo a ser considerada como a efetiva vantagem do registo e é nela que têm vindo a ser fundamentadas a grande maioria das decisões judiciais atinentes a esta matéria, assim como é nela que assenta todo o regime legal em matéria de registos vigente no nosso ordenamento jurídico.

    1. - No acórdão recorrido é atribuído à declaração de nulidade o efeito de afastar a presunção de titularidade derivada do registo ainda na pendência do processo, antes mesmo de a nulidade ser declarada pelo tribunal, em clara violação do disposto no artigo 17.º, n.º 1, do CRP.

    2. - Importa, assim, apreciar a questão relevante que é a de saber se é admissível que a nulidade do registo produza efeito no próprio processo, mesmo antes de ser proferida a sentença que a vem a declarar para afastar a presunção de titularidade derivada do registo; 4.ª - Esta questão assume relevância autónoma e independente relativamente ao caso em apreço e às partes nele envolvidas e a sua apreciação por este STJ reveste relevância para a aplicação e interpretação da lei, uma vez que o acórdão recorrido faz uma interpretação que não encontra no texto da lei um mínimo de correspondência, violando o disposto do artigo 9.º, n.º 2, do CC; 5.ª - No caso sub judice, convém salientar que: (í) - a viatura em questão foi registada definitivamente a favor do Recorrente, tendo este efetuado o registo com base numa declaração assinada pela Recorrida e cuja assinatura esta não impugnou; (ii) - o Recorrente tinha na sua posse a viatura, as respetivas chaves e documentos; (iii) - a Recorrida nada disse quanto à forma como a viatura foi parar à posse do Recorrente, nem quanto à alegação de o Recorrente lhe ter pago a quantia total de € 28.000,00, a título de preço pela aquisição da viatura; 6.ª - Tendo em conta que a viatura se encontrava registada a favor do Recorrente, este goza da presunção de que é o titular do direito de propriedade, nos termos do art.º 7.º do CRP “ex vi” do art.º 29.º do CRA; 7.ª - A presunção do artigo 7.º do CRP, aplicável ao registo automóvel, sendo “juris tantum”, importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a outra parte a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido, nos termos do disposto nos artigos 347.º e 350.º do CC; 8.ª - Porém, o tribunal “a quo” considerou que a nulidade do registo põe em causa a presunção de titularidade podendo ser arguida, por via de exceção, com o objetivo de ilidir a presunção derivada do mesmo registo.

    3. - Este entendimento constitui uma clara violação do disposto no artigo 17.º, n.º 1, do CRP que determina que a nulidade do registo só é oponível depois de declarada por decisão judicial transitada em julgado.

    4. - Na verdade, com base na interpretação feita pela Relação, temos que quem invocasse a nulidade do registo passaria a gozar de presunção de titularidade, invertendo toda a lógica do sistema de registo; 11.ª - Em nome da segurança jurídica e da legalidade, se pode atribuir à alegação da nulidade do registo qualquer efeito antes de esta ser declarada judicialmente, muito menos o efeito de afastar a presunção de titularidade e a consequente inversão do ónus da prova; 12.ª - Para evidenciar o resultado da errada interpretação feita pelo tribunal “a quo”, veja-se que, no caso sub judice, o ora Recorrente teria que provar que comprou o veículo à Recorrida, enquanto que esta gozou da presunção de que não vendeu o veículo ao Recorrente (apesar de a Recorrida ter assinado uma declaração de venda e o Recorrente ter a viatura, as respetivas chaves e documentos na sua posse e de ter pago o preço da viatura; 13.ª - O acórdão recorrido viola, assim, o disposto nos artigos 7.º e 17.º, n.º 1, do CRP, aplicáveis “ex vi” do artigo 29.º do CRA e o disposto nos artigos 347.º e 350.º do CC, devendo ser revogado e substituído por outro que interprete e aplique as referidas normas legais de acordo com o artigo 9.º, n.º 2, do CC e, em consequência, julgue a ação improcedente por não provada.

      II - Quanto à questão da ineptidão da petição inicial 14.ª - A A., em 03/11/2011, instaurou contra o R. uma ação em quase tudo idêntica à presente, a qual correu termos no 1.

      o Juízo do Tribunal Judicial de … sob o n.º 2328/11.5TBTVD, tendo os RR. sido absolvidos da instância; 15.ª - Perante essa decisão, a A. voltou à “carga” através do presente processo com algumas subtilezas, nomeadamente veio agora alegar apenas que não terá vendido o carro em questão 16.ª - Porém, os problemas de sustentação que fizeram claudicar a primeira ação parecem continuar a existir, de tal modo que a petição inicial ora apresentada permanece inepta, pelos fundamentos já aduzidos no âmbito do primeiro processo; 17.ª – Assim, deverá ser declarada a nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial com fundamento em falta ou ininteligibilidade da causa de pedir; III – Quanto à errada qualificação ao considerar-se falsificado o documento de transmissão do veículo 18.ª - Na 1.ª Instância entendeu-se que o documento que serviu de base ao registo de aquisição da viatura, embora assinado pela A., será nulo por não ter sido a mesma a colocar a cruz na quadrícula da venda e, no seu entender, tal documento é ainda...

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