Acórdão nº 122/16.6 T8FAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO 1.

AA intentou acção declarativa, com processo especial, contra BB, pedindo que seja declarado que a autora é titular do direito real de habitação do prédio urbano, sito na urbanização ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº ..., assim como do direito de uso do respetivo recheio pelo período de 21 anos e seis meses, contado a partir do dia 7 de Agosto de 2011, condenando-se o réu no reconhecimento de tais direitos.

Alegou, em síntese, ter vivido em união de facto com CC no período compreendido entre 07.02.1990 e 05.08.2011 - data do decesso do dito CC -, na casa de habitação deste, o prédio urbano acima descrito, e aí continua a viver desde o falecimento do seu companheiro, o qual deixou como único herdeiro o seu irmão, ora réu, o qual figura como titular inscrito do dito imóvel, mas é a autora que liquida todos os impostos relativos ao mesmo, assim como efetua todos os pagamentos de consumo de água, luz e comunicações. Alegou, por fim, ter requerido junto da Segurança Social uma pensão de sobrevivência por morte do seu companheiro, a qual foi deferida, assistindo-lhe assim o direito de permanecer no prédio em causa.

Citado o Réu, não apresentou contestação.

A 1ª Secção da Instância Central Cível da Comarca de ... declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da acção, absolvendo o Réu da instância (fls. 83), tendo a autora requerido a remessa do processo para o Tribunal de Família e Menores de ..., onde o mesmo foi distribuído à 1ª Secção, Juiz 3 (fls. 89), e não interpondo recurso daquela decisão final.

Recebidos os autos na 1ª secção de Família e Menores da Instância Central de ..., foi realizada a tentativa de conciliação a que alude o artigo 990.º, nº 2, do CPC, sem que se lograsse o acordo das partes, veio o réu contestar (art.º 931.º, e 990.º, n.º2 CPC) alegando, em resumo, que é idoso, vive como mendigo e padece de carências graves a nível das sua necessidades básicas, nomeadamente, alimentação, higiene, vestuário e alojamento, sobrevivendo com a ajuda dos Serviços da Ação Social da Câmara Municipal de ... e a caridade de alguns vizinhos, pernoitando numa casa em ruínas, a qual corre o risco de ruir a qualquer momento, impedindo a ré que o mesmo se aproxime da habitação de que é proprietário.

Deduziu ainda o réu reconvenção, pedindo que a autora/reconvinda seja condenada a desocupar e a entregar-lhe o antes identificado prédio urbano e a abster-se da prática de quaisquer atos que atentem contra o seu direito de propriedade.

Foi proferida sentença em que se decidiu: «Pelo exposto, julgo procedente e provada a acção e, em consequência, reconheço à Autora o direito real de habitação do prédio urbano sito na ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., assim com o direito de uso do respetivo recheio pelo período de 21 anos e seis meses, contado a partir do dia sete de Agosto de dois mil e onze, e o Réu condenado a reconhecê-los com as legais consequências».

  1. Inconformado, o réu apelou da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Évora apreciado o recurso e decidido, com um voto de vencido, nos seguintes termos: “Acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, reconhece-se ao réu o direito a habitar o prédio urbano da sua propriedade, sito na ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., na medida das suas estritas necessidades e com respeito pelo direito real de habitação da autora, mantendo no mais a decisão recorrida.

    Custas a cargo de autora e réu, na proporção de ½, sem prejuízo do apoio judiciário com que litigam.” 3.

    Inconformada, a A. recorreu para o STJ, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): I. Em 31de Julho de 2017, foi decidido em I ª instância julgar procedente por provada a acção interposta pela ora Recorrente na medida em que se reconheceu o direito real de habitação do prédio acima melhor identificado, assim como, o direito de uso do respectivo recheio pelo período de 21 anos e meio (contado a partir de 07/08//2011), e consequentemente, o ora Recorrido foi condenando a reconhecer ambos os direitos.

    1. O Recorrido não concordando com a douta decisão interpôs recurso para o TRE em 22-09-2017 e nesta sequência, o TRE proferiu acórdão, julgando parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, reconheceu-se ao Réu o direito a habitar o prédio urbano da sua propriedade na medida das suas, estritas necessidades e com respeito pelo direito real de habitação da autora, mantendo-se no mais a decisão recorrida.

    2. Entende a Recorrente que o processo em apreço não se trata de um processo de jurisdição voluntária, mas sim de um processo de jurisdição contenciosa, tal significa a prevalência do princípio do dispositivo sobre o princípio do inquisitório.

    3. O que efectivamente se discute nos presentes autos é unicamente o direito da Recorrente em usar a habitação e respectivo recheio, pelo período de tempo em que viveu (em união de facto) com o de cujus CC, direito esse previsto na Lei n.º 23/10 de 30 de Agosto no artigo 5º em nada se confunde com o processo de jurisdição voluntária, previsto na parte especial do CPC - artigo 990º.

    4. Razão pela qual, deveria ter sido respeitado desde logo o Principio do Dispositivo, o que salvo o devido respeito não aconteceu, na medida em que o tribunal "a quo" decidiu em sentido diverso ao alegado pelo ora Recorrido, conforme se pode apurar das suas conclusões e pedido deduzido.

    5. O princípio dispositivo traduz-se, assim, na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da acção, sobre os exactos limites do seu objecto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às excepções peremptórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transaccionar, VII. No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz - aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse.

    6. O art.º 615.º, n.º 1, d) e e) do CPC. (e neste âmbito 666º CPC) identifica como nula a sentença que conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ou condene em pedido diverso do deduzido.

    7. Considerando que não estamos perante um processo de jurisdição voluntária, mas sim perante um processo de jurisdição contenciosa, não podia como não devia o Tribunal "a quo" ter decidido como decidiu, que em traços gerais considerou que Recorrente e Recorrido “poderiam" viver juntos na habitação em apreço, quando as partes não levaram a juízo essa solução, essa possibilidade, não o requereram ou alegaram.

    8. Razão pela qual, não andou bem o tribunal "a quo" ao decidir como decidiu, atribuindo urna solução que, além de incoerente é impraticável e inexequível, sendo violadora do direito à intimidade, conforme bem entendeu o Juiz Desembargador (voto vencido) Dr. Sílvio Sousa.

    9. É nulo o acórdão proferido, na medida em que o tribunal “a quo” conheceu questões de que não podia tornar conhecimento (viciação por excesso de pronúncia (art.º 651.º, n.º 1, d), 2ª parte, do CPC), porquanto, tomou conhecimento de questões que não podia ter tomado, na medida em que decidiu ao seu "livre arbítrio" encontrar uma solução (totalmente impraticável) que no seu entendimento seria melhor para as partes, solução essa que não foi alegada, nem requerida pelas partes.

    10. Por força deste corolário do princípio da disponibilidade objectiva, verifica-se um excesso de pronúncia, razão...

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