Acórdão nº 121/14.2T8BRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2019
Magistrado Responsável | FÁTIMA GOMES |
Data da Resolução | 05 de Fevereiro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.
AA, S.L. intentou acção declarativa de condenação contra BB, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 909.535,65 € (novecentos e nove mil quinhentos trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos.
Para fundamentar tal pretensão alegou, em síntese, que a Ré não cumpriu o estipulado no contrato de consórcio, não tendo pago o valor real do custo da obra por si executada em função da alteração do projecto da empreitada e de cuja diferença a Ré indevidamente se apropriara.
A Ré apresentou contestação em que impugnou a factualidade alegada pela Autora e alegou ter a facturação sido efectuada em conformidade com as percentagens estabelecidas no contrato de consórcio. Deduziu reconvenção, pedindo a esse título a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de 301.492,52 €, acrescidos dos juros vincendos desde a citação até integral e efetivo pagamento, relativa a despesas comuns e encargos com meios de produção (v.g.
mão-de-obra e equipamentos), cujo pagamento, juntamente com o management fee, constitui obrigação da Autora nos termos do contrato de consórcio e respetivo aditamento.
Replicou a autora (cfr. fls. 1138 a 1148), impugnando a factualidade aduzida em sede de reconvenção, justificando ter procedido à devolução das facturas que lhe foram enviadas pela Ré, concluindo como na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, organizando-se de seguida despacho sobre o objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, tendo sido admitidos os meios de prova (cfr. fls. 1260 a 1264).
Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 2161 a 2165, 2248 a 2250, 2266, 2267 e 2277 a 2278).
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Posteriormente foi proferiu sentença (cfr. fls. 2284 a 2298), nos termos da qual se decidiu: 1) Julgar parcialmente procedente por provada a ação e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 539.385,95 €, acrescida de juros de mora desde de 20 de julho de 2010 e até efetivo e integral pagamento.
2) Julgar a reconvenção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a Autora/Reconvinda do pedido reconvencional.
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Inconformada com a decisão dela apresentou recurso de apelação a Ré.
O Tribunal da Relação de Guimarães conheceu do recurso, alterando uma parte da matéria de facto, e decidiu o litígio nos seguintes termos: “Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogando a sentença recorrida decidem: - Julgar a ação improcedente, absolvendo a ré dos pedidos.
- Julgar a reconvenção parcialmente procedente, condenando a Autora/reconvinda a pagar à Ré/reconvinte os créditos invocados em sede de reconvenção relativos a despesas comuns, a liquidar em incidente de liquidação posterior ou subsequente à condenação, nos termos do art. 609º, n.º 2, do CPC.
* Custas em ambas as instâncias, na parte relativa à ação, a cargo da apelada.
Custas em ambas as instâncias, na parte relativa à reconvenção, a cargo da apelante e da apelada, na proporção que, provisoriamente, se fixa em partes iguais, a corrigir em função do que resultar da posterior liquidação.” 4.
Inconformada, recorreu a A., pedindo revista, na qual formula as seguintes CONCLUSÕES (transcrição): 1 - Interpôs a Recorrente o presente recurso, por entender que a douta decisão da primeira instância decidiu correcta e muito justificadamente a questão em apreço, decorrendo a sua revogação pelo Douto Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, de uma interpretação errada dos comandos legais aplicáveis à matéria de facto assente nos autos e, bem assim, do contrato de consórcio nela referenciado, para o que se nos afigura irrelevante a alteração introduzida no mesmo Douto Acórdão à matéria de facto.
2 - Efectivamente e quanto a nós, tais alterações introduzidas à matéria de facto afiguram-se-nos serem inócuas relativamente à realidade factual apurada na primeira instância e, muito menos, decisivas para a revogação da douta sentença prolatada na mesma instância.
3 - Existe um lapso manifesto, no ponto 1o da matéria de facto não provada, que já vem da primeira instância e embora não tenha repercussão na discussão da causa, impõe-se corrigir, até porque a terminologia envolvida está relacionada com a parte, digamos nuclear, da discussão da causa.
4 - Efectivamente, pensa-se que o se queria dizer, porque é o que resulta dos elementos constantes dos autos, é que não se provou que o novo projecto não teve qualquer repercussão no custo total da obra, isto porque se provou que efectivamente teve; não teve foi no preço total da obra, porque o dono da obra, como também se demonstrou, não pagou nem mais um cêntimo ao consórcio, do preço por que a obra foi adjudicada, aliás foi uma das condições para que aceitasse as alterações, como decorre do ponto 34° da matéria de facto provada.
5 - No Douto Acórdão recorrido decidiu-se a improcedência da acção com base em dois aspectos fundamentais, sendo o primeiro o da modificação do artigo 35° da matéria de facto provada e o segundo a interpretação dada às cláusulas do contrato de consórcio atinentes à questão em apreço.
6 - Embora tal alteração não possa ser impugnada, parece-nos que a mesma não faz qualquer mossa na justeza da douta decisão da primeira instância.
7 - Está inalteravelmente demonstrado que: 1 - Recorrente e Recorrida executaram a obra de acordo com o projecto alterado - ponto 39° da matéria provada (MP); 2 - Não ficou provado, conforme a Recorrida invocava, que esta só aceitou tal alteração porque da mesma não resultava uma diminuição do volume do trabalho da sua especialidade - nova redacção do ponto 35° da MP; 3 - Mas apenas que daí não decorresse uma diminuição do preço a receber em função do projecto já adjudicado, na componente de construção civil - idem; 4 - Por força da alteração do projecto, diminuiu o volume de trabalhos da execução da obra de construção civil em valor correspondente a € 548.756,99 e aumentou o da parte do equipamento em valor correspondente a € 990.191,91 - pontos 40° a 50° da MP; 5 - Por conveniência do dono da obra, a obra executada foi facturada e paga de acordo com o projecto inicial, pelo que Recorrente e Recorrida receberam pela execução das respectivas obras, os correspondentes valores - ponto 51° da MP.
8 - O Venerando Tribunal "a quo" desatendeu a impugnação da perícia feita pela Recorrida, designadamente quanto à metodologia seguida pelos senhores peritos e, outrossim o que entendemos da maior importância, a tentativa de que os senhores peritos subscrevessem a sua infundada tese no sentido de que, apesar de ter executada menos volume de obra de construção civil, o tipo de obra resultante da alteração do projecto, especificidade dos meios empregues, etc., justificariam que, a final, o custo da execução da sua parte da obra fosse até superior ao valor que recebeu do dono da obra.
9 - Tal facto é da maior importância visto que fica assim assente, em definitivo, nos autos, que a Recorrida recebeu do dono da obra um preço superior ao do custo da obra que efectivamente executou, ao passo que em relação à Recorrente sucedeu exactamente o contrário.
10 - Foi então esta a alteração introduzida na matéria de facto provada, no seu ponto 35°, o que no Douto Acórdão recorrido se considerou determinante para a revogação da douta decisão da primeira instância, aliás, dizendo-se mesmo: "(...) a conclusão estabelecida pelo Tribunal "a quo" seria indubitavelmente de sufragar se, porventura, a matéria de facto provada não tivesse sido objecto de alteração. (...)".
11- 0 Venerando Tribunal "a quo" entendeu que a Recorrida teria aceite a alteração do projecto porque: "(...) a R. efectuou a sua reorçamentação e declarou aceitar a adaptação e execução dos trabalhos de construção civil de acordo com o novo projecto, por se conter dentro da sua margem de risco comercial (...)".
12 - Ora, tal não faria o menor sentido visto que está provado que a Recorrente procedeu às alterações do projecto na componente de instalações técnicas e equipamentos, após o que o remeteu à Recorrida para esta proceder à sua revisão quanto à especialidade de construção civil (ponto 36° da MP) e após revisão e adaptação do projecto por parte da Ré, na componente da construção civil, esta procedeu à sua reorçamentação em face das alterações introduzidas (ponto 37° da MP).
13 - Pensamos que tal condição supostamente imposta pela Recorrida e que o Douto Acórdão recorrido acabou de dar como provada, não pode ter qualquer relevância na apreciação da causa.
14 - Em primeiro lugar a Recorrida não sabia, nem podia saber se, em resultado da alteração do projecto, de que foi a Recorrente que se encarregou (pontos 32° a 34° da MP), viria a haver mais ou menos obra de construção civil.
15 - Se viesse a aumentar o volume de obra, certamente que a Recorrida, na respectiva reorçamentação, teria de encontrar um custo de execução superior e lá cairia por terra a sua exigência do valor final ser o mesmo.
16 - Daí que o tal argumento da "margem de risco comercial" não faz, quanto a nós e salvo o devido respeito, o menor sentido e até é descabido.
17 - De resto e este ponto afigura-se-nos igualmente da maior relevância, não fora o declarado interesse do dono da obra (ponto 51° da MP), em que as medições e facturação fossem feitos de acordo com o projecto inicial e nunca a Recorrida teria embolsado o valor que recebeu, visto que a medição e facturação seriam sempre, como teriam de ser, feitas em função da obra efectivamente realizada e a Recorrente receberia aquilo a que tinha direito e a Recorrida também, sendo esta o valor correspondente à obra que efectivamente realizou, nem poderia ser de outra forma.
18 - Previu-se no número 4 da cláusula 4a do contrato de consórcio que: "(...) as aludidas percentagens de participação no consórcio seriam, no final da Empreitada, reajustadas em função...
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