Acórdão nº 20/18.9YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução12 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

*** Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (Secção do Contencioso) I.

  1. AA, Juiz ..., a exercer funções na Comarca de ..., Juízo Local Criminal de ... - Juiz 1 [que, em 21.03.2018, interpôs recurso contencioso do que designou de “indeferimento presumido” da reclamação, que em 24.11.2017 apresentou ao Plenário do Conselho Superior da Magistratura (doravante CSM) do despacho de 15.10.2017 do Vice‑Presidente do CSM] veio, em 21.03.2018, através de requerimento autónomo, apresentado nos termos do disposto nos artigos 170.º, número 3, do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 112.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), requerer a suspensão da eficácia dos efeitos do invocado indeferimento tácito daquela sua reclamação.

    Para tanto, a requerente alegou os seguintes fundamentos[1]: “1. Por despacho proferido, em 15-10-2017, pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, foi decidido considerar-se “injustificadas as faltas dadas ao serviço nos dias 05, 06 e 07 de Abril de 2017, pela Exma. Senhora Dr. Juíza de Direito Dr.ª AA, (...) retirando-se daí as devidas consequências legais designadamente ao nível remuneratório e de antiguidade” (Doc. 1).

  2. Os fundamentos desse despacho foram os que constam do Projecto de Decisão datado de 29-05-2017 (Doc. 2).

  3. Em 24-11-2017, a ora requerente apresentou reclamação daquele despacho datado de 15-10-2017, dirigida ao Plenário do Conselho Superior da Magistratura (Doc. 3).

  4. Decorridos 3 meses sobre a apresentação dessa reclamação, nem a reclamante, nem o seu mandatário, ora signatário, foram notificados de qualquer decisão proferida sobre tal reclamação.

  5. Nessa medida, considerando o disposto no art.º 167.º-3 do EMJ, a reclamação “presume-se indeferida para o efeito de o reclamante poder interpor o recurso facultado pelos artigos 168.º, e seguintes”.

  6. Em reacção ao indeferimento da reclamação supra aludida, a ora requerente, neste mesmo dia em que remete este requerimento, interpôs, junto do CSM, recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça (cf. as disposições conjugadas dos artigos 167.º-3 e 168.º-1 do EMJ) (Doc. 4).

  7. De acordo com o previsto no art.º 170.º-1 do EMJ, tal recurso não suspende a eficácia da decisão recorrida, 8. Só lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando “se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação” (art.º 170.º-1 do EMJ).

  8. Suspensão essa que “é pedida ao tribunal competente para o recurso, em requerimento próprio, apresentado no prazo estabelecido para a interposição do recurso” (art.º 170.º-2 do EMJ).

  9. O presente requerimento visa, assim, a suspensão da eficácia da decisão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura que a ora requerente impugnou, mediante interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nesta data apresentado.

  10. Encontrando-se verificados os pressupostos legalmente previstos para o decretamento da suspensão da eficácia dessa decisão, o fumus bonus juris e o periculum in mora (como infra se demonstrará, respectivamente: II e III), peticionar-se-á, pelas razões que de seguida se aduzem, essa mesma suspensão: II - Fumus bonus juris 12. A Decisão, confirmada pelo Plenário do CSM, assenta em dois fundamentos: a) a circunstância de a justificação das faltas ocorridas nos dias 5 a 7 de Abril não ter sido apresentada atempadamente, em violação do disposto no art.º 10.º, n.º 1, do EMJ; e b) o facto de nos dias imediatamente anteriores, 3 e 4 de Abril, ter sido gozada uma dispensa de serviço (cf. art.º 10.º-A do EMJ).

  11. É facto que a requerente faltou ao serviço nos dias 5, 6 e 7 de Abril de 2017; mas fê-lo por razões de saúde, comunicadas, para justificação de falta, ao Exmo. Senhor Juiz Presidente da Comarca de ..., através e-mail remetido pela recorrente no dia 17-04-2017.

  12. A Decisão recorrida não questiona a existência de um motivo ponderoso susceptível de justificar a ausência ao serviço, previsto no n.º 1 do art.º 10.º do EMJ como condição para que a sua falta possa ser tida como justificada, pelo que, ao menos implicitamente, assumiu como verificada a existência de um motivo ponderoso justificador das faltas dadas.

  13. Não foi, pois, a inexistência de justificação para as faltas, mas a sua comunicação fora de prazo que, em primeiro lugar, levou a que essas faltas tivessem sido consideradas injustificadas, sob invocação do art.º 10.º -1 do EMJ.

  14. É certo que entre a data em que a recorrente já estaria em condições de comunicar a justificação das faltas, 10-04-2017, e a data em que o fez, 17-04-2017, decorreram 7 dias, só que nesse período de 10-04-2017 a 17-04-2017 não houve o regresso ao serviço, uma vez que decorriam férias judiciais (art.º 28.º da LOSJ, Lei n.º 62/2013), nomeadamente, entre os dias 09-04-2017 e 17-04-2017.

  15. É indubitável que o período de férias judiciais (previsto no art.º 28.º da LOSJ) não é um período de férias pessoais (a que alude o art.º 94.º-3, b), do EMJ; cf. ainda os artºs 2.º, 3.º e 4.º do Regulamento n.º 315/2015 do CSM), motivo pelo qual um juiz pode estar obrigado a prestar serviço durante as férias judiciais.

  16. Porém, não é exacto que, durante as férias judiciais e não estando em curso um período de férias pessoais, o juiz esteja sempre e ininterruptamente ao serviço.

  17. Do disposto nos artºs 28.º e 36.º, n.ºs 1 e 2, da LOSJ e do conteúdo do Regulamento n.º 315/2015 do CSM (artºs 10.º, 11.º, e 12.º) depreende-se que, durante as férias judiciais, o serviço judicial deverá ser assegurado pelos juízes que se encontrem de turno - e nessa medida, no período de férias judiciais, se um juiz não estiver de turno não está ao serviço.

  18. Sendo este o quadro legal e regulamentar aplicável ao caso em apreço, é forçoso concluir que entre os dias 8 e 17 de Abril de 2017 a requerente não esteve ao serviço, dado que corriam férias judiciais e a requerente não estava de turno (nem de férias judiciais, nem de serviço urgente), tendo o seu regresso ao serviço ocorrido apenas no dia 18 de Abril de 2017, o primeiro dia posterior às férias judiciais da Páscoa.

  19. Donde, tendo a justificação das faltas dadas nos dias 5, 6 e 7 de Abril sido apresentada no dia 17 de Abril (mediante e-mail enviado ao Exmo. Senhor Juiz Presidente da Comarca de ...), temos que o foi antes do regresso ao serviço.

  20. O primeiro fundamento tido em conta pela Decisão de 15-10-2017 para considerar injustificadas as faltas mostra-se, pois, desprovido de base legal.

  21. O segundo fundamento avançado para negar a justificação das faltas radica no disposto no n.º 2, do art.º 10.º-A do EMJ, relativo às dispensas de serviço: “proibição de acumulação destes dias [de dispensa de serviço] com outros dias de dispensa de serviço ou férias, abrange as ausências justificadas, nos termos do art.º 10. º, n.º 1, do EMJ” (Projecto de Decisão, p. 4/5).

  22. É aí atribuído ao art.º 10.º-A, n.º 2, do EMJ um conteúdo de que ele não dispõe: a proibição de justaposição que aí se divisa abrange outros dias de dispensa de serviço e de férias, mas não faltas que sejam dadas por motivos ponderosos, a coberto do art.º 10.º do EMJ (“faltas”).

  23. No fundo, a decisão recorrida trata as faltas enquadráveis no art.º 10.º do EMJ como faltas a título de dispensas de serviço, mas a verdade é que que estas últimas têm uma natureza jurídica distinta daquelas e uma regulação legal autónoma, não fazendo sentido misturar e confundir estes dois planos: o art.º 10.º, n.º 1, do EMJ não condiciona a justificação de uma falta que seja dada por motivo ponderoso à ausência de gozo de dispensa de serviço em dia imediatamente anterior.

  24. Como tal, não será legítimo denegar uma justificação realmente fundada em motivo ponderoso, devidamente coberta pelo art.º 10.º-1 do EMJ, pelo facto de antes ter havido uma dispensa de serviço.

  25. Uma vez que nenhuma das duas razões aduzidas para fundamentar o decidido constituem motivo válido, sc. legalmente fundado, para considerar as faltas da recorrente como injustificadas, deverá a decisão do Plenário do CSM de confirmar a Decisão de 15-10-2017 tomada pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM ser qualificada como ilegal.

    Sem prescindir, subsidiariamente, 28. A factualidade que dá corpo ao presente caso de espécie não entra no âmbito de aplicação das normas constantes dos artºs 10.º-5 [perda de vencimento] e 74.º, c) [antiguidade], do EMJ, não havendo razão para que dela resulte a perda de vencimento e a não contagem para efeitos de antiguidade do tempo correspondente às faltas dadas pela reclamante.

  26. Na realidade, o que, nos termos do EMJ, implica a perda de vencimento e de antiguidade é a "ausência ilegítima" (sic) e não a comunicação intempestiva de uma ausência legítima, porque fundada em motivo ponderoso, algo que é desconsiderado pela decisão recorrida.

  27. Ora, a circunstância de uma falta não ter sido tempestivamente comunicada não implica que deva qualificar-se como uma ausência ilegítima - uma diferenciação que vem sendo de há muito posta em relevo pela jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição administrativa, em regra em sede disciplinar, mas em termos plenamente transponíveis para o caso sub Júdice (cf. Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/02/2001, Proc. 2201/98, www.dgsi.pt).

  28. Nesta linha, deverá considerar-se que, para efeitos do disposto nos artigos 10.º-5 e 74º, c), do EMJ, só será de qualificar como ausência ilegítima a falta dada sem que haja motivo ponderoso, mas já não a falta que, embora decorrente de motivo ponderoso, foi justificada tardiamente.

  29. Nestes termos, não havendo razão para reconduzir o presente caso ao conceito de “ausência ilegítima” plasmado nos artigos 10.º-5 e 74º, c), do EMJ, não haverá razão para manter a decisão do Plenário do CSM na parte em que, confirmando a Decisão do Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM de 15-10-2017, determina que, sendo consideradas injustificadas as faltas dadas ao serviço nos dias 5, 6 e 7 de Abril de 2017, sejam...

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