Acórdão nº 37/10.1GDODM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução13 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 37/10.1GDODM, da Instância Local – Secção de Competência Genérica de Odemira – Juiz 1 –, da Comarca de Beja, foi realizado cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, solteiro, nascido em 00-00-00, natural de ........., trabalhador indiferenci., ........ em S........ preso em cumprimento de pena, anteriormente no Estabelecimento Prisional de Faro (fls. 442 e 448), tendo sido transferido, em 00-00-0000, para o Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, onde deu entrada em 0-00.0000, conforme fls. 616, 618, 620, 669, 670, 671 e 686.

*** Foi realizada a audiência a que alude o artigo 472.º do Código de Processo Penal, em 24 de Janeiro de 2018, como consta da acta de fls. 625/6 (volume 2.º), tendo-se em vista a elaboração do cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, neste processo n.º 37/10.1GDODM, no processo especial sumário n.º 1147/11.3GCFAR e no processo comum singular n.º 419/109JAFAR, estando o arguido presente na audiência, a seu pedido, e tendo prestado declarações.

*** Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Cível e Criminal de Beja – Comarca de Beja, datado de 31 de Janeiro de 2018, constante de fls. 633 a 642 (volume 3.º), depositado no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 644, foi deliberado (realces do texto): “Pelo exposto, operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas nestes autos (37/10.1GDODM), no processo 1147/11.3GCFAR e no processo 419/10.9JAFAR, condena-se AA na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão e 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), convertida em 111 (cento e onze) dias de prisão subsidiária.” Da decisão consta ainda, relativamente ao processo n.º 1147/11.3GCFAR, o seguinte: “Da notificação ao arguido deverá constar a menção de que pode a todo o tempo evitar o cumprimento da pena de prisão subsidiária pagando a pena de multa correspondente”.

*** Inconformado com o assim deliberado, o Ministério Público na Comarca de Beja interpôs recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 648 a 656, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realces): l.ª O arguido AA foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão e 200 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros, convertida em 111 dias de prisão subsidiária.

  1. Esta pena englobou as penas parcelares aplicadas nos seguintes processos: - presentes autos (factos praticados entre os dias 3 e 15 de Setembro de 2010 e factos praticados entre os dias 26 e 27 de Novembro de 2011. Condenação transitada em 5 de Janeiro de 2016); - 1147/11.3GCFAR (factos praticados em 7 de Dezembro de 2011. Condenação transitada em 12 de Janeiro de 2012); - 419/10.9JAFAR (factos praticados em 24 de Outubro de 2010. Condenação transitada em 18 de Janeiro de 2016) 3.ª Flui, no entanto, do douto acórdão que no processo 317/11.9GCFAR, por sentença transitada em 2 de Maio de 2011, o arguido fora condenado pela prática, em 8 de Abril de 2011, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. artigo 3.°, n.°s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 70 dias de multa, pena esta que, entretanto, veio a ser declarada extinta por prescrição.

    4. Como é de jurisprudência, o momento decisivo para a verificação de um concurso de crimes a sujeitar a uma pena única, segundo a regra fixada pelo artigo 77.°, n.° 1, aplicável também ao conhecimento posterior de um crime que deva ser incluído nesse concurso, por força do artigo 78.°, n.° 1, ambos do Código Penal, é o trânsito em julgado da primeira condenação.

  2. Significa isso que não pode haver cúmulo entre penas relativas a crimes praticados antes e após a primeira condenação transitada, ou seja, não existe fundamento legal para o designado cúmulo por arrastamento.

  3. No caso dos autos, o trânsito em julgado da condenação do processo 317/11.9GCFAR - 2 de Maio de 2011 - constitui o marco relevante para a determinação da possibilidade de formação de cúmulo jurídico de penas.

  4. É, assim, evidente que um dos crimes dos presentes autos, concretamente o crime cometido entre os dias 3 e 15 de Setembro de 2010, e os crimes do processo 419/10.9JAFAR, cometidos em 24 de Outubro de 2010, sendo anteriores a 2 de Maio de 2011, data do trânsito em julgado da condenação do processo 317/11.9GCFAR, não concorrem com o crime destes autos praticado entre os dias 26 e 27 de Novembro de 2011 nem com o crime que empresta objecto ao processo 1147/11.3GCFAR, cujos factos são posteriores ao do referido trânsito.

  5. E assim deve ser apesar de a pena aplicada no processo 317/11.9GCFAR ter sido declarada extinta por prescrição uma vez que nem o texto nem o espírito da lei exigem ou pressupõem que a pena da primeira condenação transitada não esteja extinta.

  6. Ao desconsiderar a condenação transitada no processo 317/11.9GCFAR com fundamento no facto de a respectiva pena se encontrar extinta, integrando na pena única as penas parcelares dos crimes cometidos antes e depois de 2 de Maio de 2011, o tribunal colectivo interpretou indevidamente o disposto nos artigos 77.°, n.º 1, e 78.°, n.º 1, do Código Penal.

  7. Na decorrência do que antecede, o douto acórdão deve ser revogado e substituído por outro que efectue dois cúmulos jurídicos para apurar duas penas únicas de cumprimento sucessivo, que englobem: - O primeiro, a pena do crime destes autos cometido entre os dias 3 e 15 de Setembro de 2010 e as penas dos crimes do processo 419/10.9JAFAR; - O segundo, a pena do crime destes autos cometido entre os dias 26 e 27 de Novembro de 2011 e a pena do crime do processo 1147/11.3GCFAR.

    V. Ex.as, no entanto, com mais elevada prudência e sabedoria, decidirão, fazendo, como sempre, Justiça.

    *** O recurso foi admitido por despacho de fls. 689, sendo ordenada a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de fls. 690.

    *** O arguido não respondeu.

    *** O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer a fls. 697 a 699, referindo que a solução adoptada pelo acórdão recorrido é a correcta, adiantando: “Se uma determinada pena de multa é estranha ao cúmulo por se mostrar extinta por prescrição – e sob este aspecto ocorre integral convergência de entendimentos –, a correspondente decisão condenatória que incidiu exclusivamente sobre o crime punido com tal pena é, igualmente, irrelevante para aferir do concurso superveniente.

    Ora, foram estas as premissas acolhidas pelo acórdão recorrido.

    A 1.ª condenação a transitar em julgado foi a ocorrida no processo n.º 1147/11…, em 12 de Janeiro de 2012. Anteriormente foram praticados os crimes das duas outras condenações, mostrando-se correcta a composição das penas em concurso”.

    Entende dever manter-se a decisão recorrida.

    *** Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido silenciou.

    *** Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. *** Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série – A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

    Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.

    As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).

    E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.

    *** Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. *** Estamos face a um...

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